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Amazônia na mira

A Crítica, Tema do Dia, p. A3
06 de Dez de 2004

Amazônia na mira
O polêmico jornalista da imprensa alemã Gunter Wallraff vai escrever sobre diversos temas da região amazônica

Antonio Ximenes
Especial para A Crítica

O mais importante jornalista investigativo da Alemanha Günter Wallraff escolheu a região amazônica como tema das suas próximas reportagens e livros. "Aqui, a realidade supera todas as teorias. No primeiro semestre de 2005 virei trabalhar na região Norte do Brasil. A minha base será Manaus".
Na pauta de Wallraff, as histórias dos garimpeiros, seringueiros, índios, traficantes de mulheres, prostituição infantil, devastação ambiental, entre outros temas polêmicos.
Temido pela tradicional sociedade alemã, seus livros denunciam as mazelas dos poderosos empresários germânicos e da maior economia européia, Wallraff está disposto a revelar o que os seus conterrâneos andam fazendo na Amazônia. " Estou sempre do lado dos mais fracos e não tolero injustiça" avisa o autor de "Cabeça de Turco", um clássico da literatura jornalística, onde mostra o trabalho escravo em seu país, especialmente dos imigrantes turcos.
Pela primeira vez no Brasil, Wallraff fez conferências em Porto Alegre, Florianópolis, Curitiba e São Paulo, mas foi em Manaus, na redação de A Crítica, que ele ficou mais a vontade. "Gostei da conversa informal com os jornalistas e do convite da diretora de redação para colaborar com o jornal ".
Conhecer os ribeirinhos, índios e a cultura da floresta amazônica sempre foi um sonho de Wallraff, que em Manaus contratou durante seis dias os serviços do experiente guia Wayne Mann para visitar comunidades dos rios Araçá, Juma e Negro.
Munido de curiosidade, caneta, bloco de anotação e uma pequena máquina digital, Wallraff subiu os dois primeiros rios em uma voadeira até o aldeamento do povo Mura, nas proximidades de dois hotéis de selva.
Morando em casas de palha e praticamente na miséria, os muras vivem o drama do abandono social. Falta tudo. Em contrapartida, os estrangeiros se locupletam com a paisagem deslumbrante e o conforto dos "lodges", o que não passou desapercebido do olhar atento de Wallraff.
Se de um lado a condição humana é desestabilizadora, de outro a vida animal é um espetáculo único. 0 jornalista se emocionou com a dança dos botos cor-de-rosa do rio Juma. Ele não imaginava que esses mamíferos fizessem suas "acrobacias" tão próximo de uma embarcação tripulada. "Conhecia a lenda do boto que sai da água e vira homem", comentou.
Das águas dos rios Juma e Araçá para o caudaloso rio Negro, onde Wallraff teve a oportunidade de conhecer os índios Dessanos, Tukanos e Tuyukas na aldeia Tapé, a quarenta minutos de barco da capital.
Consciente que os indígenas em questão estão em um estágio avançado de integração com a civilização, os missionários católicos fizeram contato em 1930, Wallraff foi surpreendido por um ritual ancestral praticado pela comunidade local. Durante uma hora guerreiros, mulheres e crianças dançaram em homenagem aos seus antepassados.
Seminus, os homens vestiam calções e as mulheres saias de palha, com acessórios de coco cobrindo os seios, a cerimônia foi antecedida pelo fogo sagrado, onde o pajé Kissibi pede autorização aos espíritos para iniciar os trabalhos.
0 que tinha tudo para ser um show para turista ganhou outra dimensão, quando o pajé declarou que está retomando as tradições de seu povo. "Agora, nós estamos tocando o Jurupari, por muitos anos isso foi desaconselhado pelos padres. A nossa cultura não pode ser substituída pela Bíblia, senão nós acabamos".
O Jurupari é um instrumento de forma cônica e somente é tocado em situações especiais; crianças e mulheres não podem vê-lo e nem ouvir o seu som, quando o pajé consagra-o. Sua função é de invocação dos poderes do Deus Boreká, a mais importante divindade dos Dessanos.
Vivendo em malocas de palha e casas de madeira rudimentar, os indígenas reclamam da falta de assistência do Estado.

Destaque
O polêmico jornalista e escritor alemão Günter Wallraff escolheu a região amazônica como tema das suas próximas reportagens e livros. Em Manaus, ele pretende colaborar com a equipe de A CRÍTICA.

Wallraff vai investigar alemães
Investigar o que os alemães andam fazendo no Brasil, especialmente na Amazônia, é uma das missões de Günter Wallraff. Nos poucos dias em que esteve em Manaus, ele tomou conhecimento de várias atividades relacionadas ao tráfico de mulheres e ao desmatamento da floresta amazônica, que estariam sendo praticadas por alemães.
0 contrabando de diamantes e de ouro para a Europa também está na mira do polêmico jornalista, que costuma trabalhar disfarçado, num mimetismo que habitualmente revela os subterrâneos da sociedade alemã, como mostram as suas obras: Fábrica de Mentiras, sobre o jornalismo praticado pelo jornal alemão Bild, e Cabeça de Turco.
Wallraff, que está com 62 anos, recusou o convite para lecionar novas técnicas de jornalismo na Universidade de Leipzing, na Alemanha, para se dedicar às pesquisas e reportagens que fará na Amazônia. "A realidade brasileira me apaixonou e a vida real sempre vale mais do que a teoria acadêmica".
Na condição de um dos jornalistas mais temidos da Alemanha, Wallraff está apontando o seu foco investigativo para o Brasil, em um momento onde a questão ambiental está na pauta do dia de vários governos da Comunidade Européia, mais destacadamente do alemão.
0 jornalista está interessado em conhecer os efeitos da poluição de mercúrio e de outros metais pesados nos rios da Amazônia. Wallraff quer saber quem são os responsáveis pela n morte da vida fluvial para denunciá-los a comunidade internacional. "A próxima guerra mundial será por água".

Jornalista pratica imersão total
Para revelar o que está abaixo da superfície da sociedade alemã e de outros países europeus, Günter Wallraff já se passou por sem-teto, metalúrgico, monge, porteiro, prisioneiro político, na Grécia, comerciante de armas, repórter do jornal sensacionalista Bild, trabalhador imigrante, guarda-costas e motorista de traficante de pessoas, fugitivo africano, entre outros personagens.
Sua técnica jornalística é de imersão total na reportagem. "Viver na pele o que está acontecendo é sempre mais significativo do que narrar o que se vê ouse ouve".
Suas denúncias custaram um rosário de processos na Justiça alemã, mas a força das suas provas, na maioria das vezes, convenceram os juizes que lhe absolveram e permitiram a publicação de seus livros e reportagens.
No Brasil não será diferente, ele vai manter a sua linha investigativa, para que a verdade apareça da forma mais clara possível. Nesta direção não descarta a possibilidade de comprar ou alugar uma casa em Manaus para servir de refúgio das suas andanças jornalísticas."
Wallraff, diferentemente do jornalismo praticado pelo New York Times, envolve-se com os seus entrevistados antes, durante e após a publicação das suas reportagens. "Depois de Cabeça de Turco criei uma fundação para ajudar os imigrantes na Alemanha. A solidariedade é fundamental ".

A Crítica, 06/12/2004, Tema do Dia, p. A3

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