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Amazônia está crescendo mais devagar do que se imaginava, apontam estudos

O Globo, Sociedade, p. 8
04 de Ago de 2020

Amazônia está crescendo mais devagar do que se imaginava, apontam estudos

Pesquisadores mostram que ficou mais difícil e urgente recuperar áreas desmatadas, o que afeta espécies locais

Ana Lucia Azevedo

Não se pode criar fácil e rapidamente algo igual à Amazônia. A floresta com vigor para garantir umidade até o sul do Brasil, gerando água que produz energia e alimenta o agronegócio, é a original. E esta, uma vez derrubada, está perdida por gerações. Uma série de estudos recentes revela que a Floresta Amazônica está crescendo mais devagar do que se imaginava, o que só aumenta a urgência de conter o desmatamento e recuperar áreas desmatadas e abandonadas.

Os estudos foram desenvolvidos por cientistas da Rede Amazônia Sustentável (RAS), que reúne 30 instituições brasileiras e internacionais. Uma dessas pesquisas monitorou o crescimento da chamada floresta secundária, que se desenvolve em áreas degradadas e abandonadas, no nordeste do Pará, por 20 anos. Publicado na revista "Ecology", o estudo "Avaliação do crescimento e da sensibilidade climática de florestas secundárias em paisagens amazônicas altamente desmatadas" acompanhou o desenvolvimento das matas de áreas abandonadas em Bragança.

Esse município perdeu nada menos que 90,2% de suas matas nativas. Os cientistas descobriram que as árvores ali não só crescem mais devagar como absorvem menos carbono. Eles dizem que as causas podem ser mudança no clima, com secas mais intensas e frequentes, e a redução de áreas florestadas nas vizinhanças. Isso restringe a fonte de sementes.

Recuperar é fundamental, mas só devolve parte do que foi destruído. A biodiversidade e os serviços ambientais prestados pela floresta original podem ser insubstituíveis, alertam cientistas.

- A gente tinha uma visão mais otimista. As florestas que crescem em áreas desmatadas são essenciais para a biodiversidade e o controle do carbono. Mas o melhor é não desmatar. A floresta não volta da mesma forma, e demora muito para retornar - afirma Joice Ferreira, da Embrapa Amazônia Oriental, que estuda a conservação de florestas em áreas de expansão da agropecuária e é uma das autoras da pesquisa na "Ecology".

O vigor na Amazônia é medido pela ciência em índices como o carbono que a floresta absorve e a taxa de biodiversidade que abriga. O primeiro se relaciona à regulação climática e à vitalidade da floresta, sua capacidade de acumular biomassa. O segundo, aos recursos vivos que mantêm a floresta e são potenciais fontes de riquezas sustentáveis para os povos que a habitam.

Cerca de 23% dos quase 800 mil quilômetros quadrados desmatados na Amazônia foram abandonados. É terra degradada, que precisa ser recuperada. Mas, na Amazônia, recuperação natural é impossível em algumas áreas e pode levar literalmente séculos em outras. O solo é pobre, o sol, escorchante, e as chuvas, torrenciais.

Especialista em recuperação de florestas tropicais, Jos Barlow, pesquisador da Universidade de Lavras (MG), explica que é importante separar a recuperação natural da restauração. A primeira se vê em roças tradicionais, mas é muito lenta ou improvável em áreas de degradação severa. Estão nesse caso áreas de mecanização agrícola, garimpos e mineração. Nelas é preciso restaurar.

Biodiversidade atingida
Embora fundamentais e muito melhores de que a terra arrasada, as florestas secundárias são como um rascunho de uma obra-prima, a selva original. Barlow destaca que, no melhor cenário possível, uma floresta secundária, também chamada de capoeira, abriga apenas 60% da biodiversidade dos principais grupos de animais da selva original.

Outro estudo, em Santarém e Paragominas, no Pará, realizado por um grupo integrado por Ferreira e Barlow, mostrou que matas secundárias mais antigas, de 40 anos, podem ter até 80% das espécies. Porém, perdem as especialistas, aquelas que fazem a Amazônia ser famosa pela diversidade. Nem mesmo uma das caras mais conhecidas, a do macaco-aranha, se vê por lá.

A diferença se enxerga, se mede e se escuta. A selva amazônica é naturalmente ruidosa. Cantos de aves se misturam ao zumbido de insetos, esturros de onças, gritos de macacos e um turbilhão de outras vozes de animais.

- Mas as capoeiras são muito mais silenciosas. Isso chama a atenção - observa Barlow.

Mais uma pesquisa da Rede Amazônia Sustentável dá a dimensão da diferença. Na Amazônia, numa área de 2.500 metros quadrados de floresta secundária jovem, vivem cerca de 13 espécies de pássaros. Nas intermediárias, com cerca de 20 anos, esse número chega a 20. Nas antigas, com 40 anos, sobe para 25. Mas as matas primárias abrigam 39 espécies.

Outra diferença entre capoeiras e as matas intocadas é a maior vulnerabilidade à mudança no clima. Por ter evoluído num clima úmido, a Amazônia é suscetível à seca, mas as árvores da capoeira, explica Ferreira, são ainda mais sensíveis. Elas parecem priorizar o crescimento e não a economia de água, e isso as deixa à mercê de secas, que nos últimos anos têm sido frequentes.

Já as árvores gigantes da mata primitiva possuem raízes profundas, captam água do subsolo, a trazem à superfície e distribuem para as demais plantas. Elas são a própria sustentação da floresta.

O Globo, 04/08/2020, Sociedade, p. 8

https://oglobo.globo.com/sociedade/amazonia-esta-crescendo-mais-devagar…

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