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A Amazônia é nossa e tomaremos conta, diz Lula

OESP, Nacional, p. A5
22 de Fev de 2005

'A Amazônia é nossa e tomaremos conta', diz Lula
Presidente usa maior parte de seu programa de rádio para falar de sua preocupação com o crime de Anapu

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva aproveitou ontem seu programa quinzenal de rádio Café com o Presidente para avisar que "não vai descansar" enquanto os assassinos da freira Dorothy Stang, morta em Anapu (PA), no último dia 12, não forem presos. "É abominável que as pessoas ainda achem que um revólver 38 seja a solução para um conflito", disse o presidente. Ele afirmou que não haverá impunidade.
Lula, que dedicou a maior parte do programa à preocupação do governo em esclarecer o crime, falou ainda de sua determinação de preservar a região amazônica. "A Amazônia é nossa e vamos tomar conta do nosso território com soberania, sem vacilação", advertiu. Para Lula, as ações governamentais que criam áreas de preservação ambiental "têm incomodado alguns reacionários, alguns conservadores da área madeireira". E acrescentou: "Porque os bons madeireiros estão trabalhando de acordo com o governo, estão fazendo parcerias com a ministra Marina (do Meio Ambiente). Ora, da mesma forma que a gente dá, enquanto Estado, concessão para explorar o gás, para explorar a água, para explorar o petróleo, temos de ter autoridade para dar concessão às madeireiras a derrubar uma árvore."

Ao explicar sua preocupação coma preservação, Lula advertiu que o cidadão não pode cortar uma árvore que demorou 400 anos para se formar "achando que não tem responsabilidade" com futuras gerações. "A floresta é um bem da humanidade, é um bem do Brasil e é uma riqueza. Agora, mais do que em outro momento, com a aprovação do protocolo de Kyoto. Então, nós não vamos arredar o pé", assegurou.

De acordo com Lula, a ministra Marina Silva tem total controle da situação. "Nós não estamos fazendo nada que não seja discutido democraticamente. Foram feitas dezenas de reuniões durante dois anos e as pessoas de bem estão compreendendo e querem trabalhar. E esses, que se precipitaram e mataram pessoas, terão de ser punidos. O lugar que está reservado a esses cidadãos, tanto aos assassinos quanto aos mandantes, chama-se cadeia", desabafou Lula.

Na reunião de hoje com a coordenação política do governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva cobrou a rápida execução de todas as medidas anunciadas

na região de conflitos agrários do Pará. Lula mostrou-se irritado com a demora na operação de desarmamento e a lentidão para cumprir mandados de prisão acumulados. "Não é possível o governo anunciar as coisas e elas não acontecerem", disse Lula. "Tudo o que foi prometido tem de ser cumprido." Participaram da reunião com Lula, no Palácio do Planalto, os ministros José Dirceu (Casa Civil), Antonio Palocci (Fazenda), Aldo Rebelo (Coordenação Política), Luiz Gushiken (Comunicação de Governo), Jaques Wagner (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social) e Luiz Dulci (Secretaria-Geral da Presidência).

Freira avisou sobre as ameaças em carta ao Incra
Essa carta e outros avisos estão agora no Planalto, que estudará se houve omissão

BRASÍLIA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva começou a analisar as ações e possíveis omissões de autoridades no caso do assassinato da missionária americana Dorothy Stang, ocorrido no último dia 12, em Anapu, no Pará. Já está no gabinete da Presidência, no Palácio do Planalto, uma carta escrita por irmã Dorothy.
Na correspondência, com data de janeiro, enviada ao presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Rolf Hackbart, a freira relata as ameaças e descreve o "estado de terror" na região. Na carta, Dorothy diz ter "esperança" de que o povo paraense possa ter uma "vida melhor".

Também estão com o presidente uma série de ofícios e um abaixo-assinado enviados por entidades de direitos humanos a órgãos do governo federal. A papelada pede paz na área, critica a falta de interesse de governos locais em reprimir a atuação de pistoleiros e apresenta denúncias contra as Polícias Militar e Civil, fazendeiros e grileiros de terras.

No documento enviado ao presidente do Incra, irmã Dorothy agradeceu a visita de um funcionário do órgão a Anapu, cidade onde ela atuava. A visita teria garantido apoio à causa das famílias de assentados. "A garantia de desapropriar estas áreas sub judice do PDS (Plano de Desenvolvimento Sustentável) nos fez levantar mais uma vez a esperança", disse a missionária. "Viva, vêm dias melhores para o nosso povo." As cartas foram repassadas por diversos órgãos do governo federal ao Palácio do Planalto. Uma parte delas foi divulgada na semana passada por entidades não-governamentais. Na quinta-feira, o governo federal lançou um pacote ambiental para conter a atuação de madeireiros no Pará. Também enviou tropas para garantir a segurança na área.

INTIMIDAÇÃO

O Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Anapu enviou a diversos órgãos estaduais e federais, no dia 27 de janeiro, um ofício com denúncias contra o capataz Amair Feijoli da Cunha, o Tato. Em certa ocasião, Amair e três homens de sua confiança teriam dado tiros para o alto na tentativa de intimidar e forçar a saída do pequeno agricultor Luiz Moraes de Brito de uma terra desapropriada pelo governo. "No dia 26 (quarta-feira) por volta das 6 horas, esse sr. Tato veio à frente da casa do agricultor Luiz e disse para o mesmo desocupar a casa e sair com toda a sua família, pois do contrário encheria todo mundo de bala", relata a carta.

Suspeito de ter contratado os pistoleiros que mataram irmã Dorothy, Tato se entregou à polícia no sábado. O capataz trabalhava para o fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida. As cartas que chegaram ao Planalto também apresentam denúncias contra Gilberto e Gabriel Zucatelli e José Ricardo Ferreira Andrade, que teriam mandado pistoleiros expulsarem famílias da área onde o governo criou um Plano de Desenvolvimento Sustentável.

Exército 'chegou tarde demais', critica ouvidor

O ouvidor agrário do Pará, desembargador Otávio Maciel, declarou ontem que a ação do governo "chegou tarde demais". Para ele, o envio de tropas federais, incluindo militares e policiais, às regiões onde predominam conflitos pela terra "é importante, mas não vai resolver, não vai adiantar".
Maciel é coordenador da comissão de mediação de conflitos fundiários no Estado. "Para que reine a paz não basta prender os fulanos (os assassinos da irmã Dorothy Stang)", sustenta. "O Incra tem que ir lá para fazer o serviço, as vistorias para tirar os grileiros e os madeireiros que estão atuando na área. Não adianta só a força policial fazer a grande operação porque eles vão continuar pintando e bordando."

A grande operação, segundo o desembargador, "é boa porque fez com que alguns suspeitos ficassem com medo, mas a morte da irmã poderia ter sido evitada". De acordo com Maciel, cerca de 20 dias antes de ser executada, Dorothy Stang foi recebida pela vice-governadora do Pará, Valéria Pires Franco, e pelo secretário especial dos Direitos Humanos, Nilmário Miranda, aos quais fez um relato sobre as ameaças que vinha recebendo.

"A irmã abriu mão de proteção, mas a polícia deveria ter aberto inquérito e intimado as pessoas que ela apontou", argumenta Otávio Maciel. "A morte dela poderia ter sido evitada. Ela veio, denunciou quem a estava ameaçando. Com um inquérito, a coisa mudava. As providências vieram tarde demais. As denúncias da irmã deveriam ter sido investigadas. A polícia deveria ter chamado esse pessoal à razão, isso não foi feito, então não adianta agora chorar o leite derramado."

REINTEGRAÇÃO

O ouvidor revelou que existem "centenas de mandados judiciais" de reintegração de posse que não foram cumpridos. "O grande problema é que o trabalhador sem-terra invade uma fazenda, o fazendeiro vai à Justiça e consegue liminar, que no entanto não é cumprida. Isso acontece porque há resistência na terra invadida. A polícia faz levantamento da área, isso demora um pouco e aí a invasão se consolida. São centenas de liminares não cumpridas."

Maciel destacou que, em agosto de 2004, se reuniu com autoridades policiais do Pará e alguns fazendeiros de Marabá que tiveram propriedades invadidas e obtiveram liminar judicial que lhes garantia a retomada da área. "Foram relacionados 46 mandados para serem executados e até hoje não foi cumprido nenhum", observa o ouvidor agrário paraense. "Havia uma proximidade das eleições municipais, desocupação gera conflito, conflito gera voto contrário a quem manda", anota Maciel.

OESP, 22/02/2005, Nacional, p. A5

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