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Amazônia é maior preocupação do Exército

FSP, Brasil, p. A13
14 de Nov de 2004

Amazônia é maior preocupação do Exército
"Guerra de guerrilha" é uma das principais estratégias para defesa do território contra possível invasor mais bem estruturado

Rubens Valente
Enviado especial ao Rio

Comandante da mais alta academia de formação do militar brasileiro, a Eceme (Escola de Comando e Estado-Maior do Exército), o general Luiz Eduardo Rocha Paiva, 53, pega na sua mesa um exemplar do livro "O Vietnã Segundo Giap", numa edição de 1968 da editora Saga, que condensa ensinamentos do general vietnamita Vo Nguyen Giap, considerado um dos maiores estrategistas do século passado, artífice da derrota americana na década de 70.
Rocha Paiva abre o livro na página em que o autor explica a importância do apoio da população local para o sucesso de uma "guerra de resistência" ou "guerra de guerrilha". O parágrafo foi assinalado a caneta pelo general.
Longe de se tratar de mero interesse pessoal do general, a "guerra de resistência", contra um possível invasor na Amazônia, é hoje tema recorrente no Exército. Rocha Paiva, que comanda a escola do Rio freqüentada por 285 alunos graduados, revela que a guerra de guerrilha tornou-se parte fundamental da doutrina militar brasileira e passou a ser, como prioridade, ensinada e analisada nas escolas militares.
Cientes de que o possível exército invasor seria bem mais estruturado que o brasileiro, os militares têm estudado uma estratégia incomum para uma força regular.
"[A guerra de resistência] é de aplicação em qualquer parte do território nacional onde exista a presença de um poder político, militar, [contra o qual] você não tenha condições, com seus meios convencionais, de fazer face a ele. Não é só isso, mas, em síntese, é a guerra de guerrilha. O que nós estamos fazendo aqui [na Eceme] é estudando e vendo como ela pode ser adaptada para a nossa realidade", explicou Rocha Paiva.
A escola recorre às experiências do Afeganistão, durante a invasão da União Soviética (1978-1992), e do Vietnã. A doutrina trabalha com um cenário no qual a Amazônia é invadida por uma coalizão de países que declararia a região de "interesse internacional".
Essa hipótese catastrófica tem outra vertente: um ataque prévio da coalizão contra alvos no Sul e no Sudeste, com vistas a enfraquecer o Exército na Amazônia e facilitar a invasão pelo norte.
"Subterrânea"
A doutrinação dos novos militares é seguida de medidas muito concretas do Exército: o efetivo na região amazônica cresceu de 6.000 homens, nos anos 70, para 25 mil neste ano.
A preocupação chega aos alunos. Das 388 monografias aprovadas pela Eceme entre 2000 e 2002, pelo menos 41 trataram da Amazônia e temas correlatos, como o Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia) e o projeto Calha Norte. Muitas dessas teses foram declaradas "reservadas", e o acesso é negado aos civis -como a intitulada "A Aplicação da Estratégia de Resistência na Amazônia e seus Efeitos nos Campos Não Militares do Poder Nacional Brasileiro", de Ricardo Célio Chagas Bezerra.
Em sua tese de formatura em 2002, o coronel de infantaria Alei Salim Magluf elenca 23 ações que, para ele, o Exército deveria empregar já, como a criação de "baterias de artilharia antiaérea, uma por comando de brigada".
Outra medida seria "manter a ênfase no adestramento voltado para a Estratégia da Resistência, aprimorando o preparo para a guerra irregular" e "emprego de forças especiais e irregulares".
O coronel propõe executar, permanentemente, "operações psicológicas visando atingir os seguintes públicos-alvo: organizações não-governamentais, comunidades indígenas, garimpeiros, organizações religiosas, contraventores em geral e a população como um todo, principalmente no interior da Amazônia".
Operações psicológicas, segundo o site oficial do Exército, são um "conjunto de ações de qualquer natureza (políticas, econômicas, psicossociais e militares) destinadas a influir nas emoções, nas atitudes e nas opiniões de um grupo (inimigo, hostil, neutro ou amigo), com a finalidade de obter comportamentos predeterminados e favoráveis ao objetivo que se pretende atingir".
Em sua monografia "Apoio ao Movimento na Amazônia: Estrutura, Missões e Emprego da Arma de Engenharia naquela Área", de novembro de 2002, o major de engenharia Marcelo Pagotti João explica que "esse assunto tem a relevância evidenciada à medida que o Exército brasileiro experimenta novas concepções estratégicas".
A tese do major de infantaria Marcelo Soneghet Pacheco detalha a atividade de uma "Força Marupiara" na Amazônia, que existe em cada batalhão de infantaria de selva e faz um exercício de terreno por mês. O trabalho dessa força consiste em "atuar na seleção e catalogação de elementos civis que poderão integrar uma Força de Sustentação ou Força Subterrânea" e de "planejar, conduzir e realizar operações de inteligência e de reconhecimento profundos e de longa duração".
O marupiara (pessoa feliz na caça ou na pesca) entrega à sua unidade militar uma "carta de situação da área", na qual indica "os eixos já reconhecidos, a catalogação dos recursos locais, o levantamento de recursos sensíveis e a catalogação de elementos civis".
O major acrescentou uma fotografia de um exercício dos marupiaras: dois soldados barbados, descalços e de bermuda, sem nada que os identifique como militares em ação.

Frase
"[A guerra de resistência] é de aplicação em qualquer parte do território nacional onde exista a presença de um poder político, militar, [contra o qual] você não tenha condições, com seus meios convencionais, de fazer face a ele. Não é só isso, mas, em síntese, é a guerra de guerrilha. O que nós estamos fazendo aqui [na Eceme] é estudando e vendo como ela pode ser adaptada para a nossa realidade"
Luiz Eduardo Rocha Paiva general, comandante da Eceme

FSP, 14/11/2004, Brasil, p. A13

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