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Amazônia ainda espera respostas

OESP, Espaço Aberto, p. A2
Autor: NOVAES, Washington
10 de Fev de 2006

Amazônia ainda espera respostas

Washington Novaes

No início desta semana, por escassa maioria (221 votos a 199), a Câmara dos Deputados deu sua aprovação final ao projeto de lei do Executivo de gestão de florestas públicas, que lhe permitirá conceder até 50 milhões de hectares de florestas, principalmente na Amazônia, para empresas privadas, por até 40 anos.
Embora o projeto tenha recebido apoio de parte das organizações ambientalistas no País e fora, a polêmica continua acesa. E seguem sem resposta convincente quase todas as questões levantadas por cientistas e instituições e aqui comentadas ao longo dos dois últimos anos, principalmente (o projeto de concessão de florestas foi anunciado pela primeira vez ainda no governo anterior).
Do ponto de vista político-institucional, o professor Sérgio Abranches, da UFRJ, publicou em O Eco (4/2) análise difícil de contestar. "Um governo que está acabando", argumenta ele, "não pode garantir que será implementada uma política de longo prazo que porá na rua no apagar de suas luzes." Mais apropriado, pensa ele, teria sido levar à prática todos os instrumentos legais e o aparelho institucional já existentes - em suma, fazer cumprir a lei. Para o professor Abranches, três razões levam a supor que o projeto tenda ao fracasso: 1) a falta de consenso aumenta o risco no próximo governo; 2) é ilusório crer que se mudará com um papel a situação de falência do Estado e da autoridade pública, principalmente na Amazônia; e 3) a inadequação do projeto diante do quadro complexo e de extrema gravidade. Como observa ele, se leis fossem cumpridas, a Amazônia não enfrentaria o que enfrenta.
Difícil responder. Principalmente porque, quase sempre que se lê ou ouve qualquer justificação, ela se baseia no que se poderia chamar de "teoria do já que". Ou seja, já que "não há outra solução"; já que "como está não pode ficar"; já que "é preciso ter apoio da classe política e empresarial da Amazônia, assim como da indústria da madeira". Ou, como recentemente resumiu o diretor do Programa Nacional de Florestas do Ministério do Meio Ambiente ao portal EcoTerra, "não há para onde correr".
Talvez haja. Mas não se encontrará a saída fugindo dos questionamentos de cientistas e de outros conhecedores da questão. Pode-se começar lembrando o que disse o professor Aziz Ab'Saber, reconhecido como um dos cientistas que mais sabem da Amazônia: "É um crime histórico", afirmou ele, "uma ameaça de catástrofe" - lembrando que mais de 40% de terras públicas na Amazônia permitiriam formular e executar um programa exemplar de conservação, sem necessidade de entregar a gestão - que, no seu entender, estimulará a exploração intensiva da floresta nas faixas próximas às rodovias e levará à perda da biodiversidade. A seu ver, as áreas concedidas jamais voltarão ao domínio público, após 40 anos de concessão. E não há país que tenha entrado por esse caminho e não tenha perdido a floresta.
Com a experiência de administrar a área do meio ambiente em governos federal e estadual, além de ONGs, Maria Tereza Jorge Pádua lembra que já existem 19 milhões de hectares de florestas "que nunca puderam ser objeto de concessão por falta de regulamentação fundiária e plano de manejo". Por que não se fez isso? Em sua opinião, a afirmativa de que só se vai tirar meia dúzia de árvores em cada lote e voltar 30 anos depois é ilusória. E tem razão. É preciso abrir estradas dentro da floresta, manter áreas desmatadas para administração, habitação, oficinas, garagens, etc. Como já ocorre nos atuais projetos de manejo, nos quais nem sempre os limites são obedecidos.
Tanto o almirante Ibsen Gusmão Câmara como o cientista Rogério Griebel, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), argumentam que com o manejo seletivo será introduzido um processo de "evolução às avessas" em cada área, partindo dos exemplares mais fracos remanescentes. E sem saber o que acontecerá com a biodiversidade geral de cada área.
Niso Higuchi, também do Inpa, e o escritor amazônida Thiago de Mello acham temerário falar em manejo sustentável num ecossistema onde o tempo de maturação pode variar entre 200 e 1.400 anos - e ninguém estudou isso em cada área. Também Antonia M. Ferreira, da Uerj, e Enéas Salati, da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS), concordam que "existem muitas Amazônias". Não se pode correr o risco de uma abordagem única num dos ecossistemas "mais complexos e frágeis" do planeta.
Deborah Lima (UFMG) e Jorge Pozzobon (Museu Paraense Emílio Goeldi), este já falecido, chamam a atenção: a mais alta sustentabilidade na Amazônia está nas áreas indígenas; a mais baixa, em grandes projetos, inclusive de concessão de florestas. E o agrônomo Ciro F. Siqueira adverte que a devastação na Amazônia não será detida por nenhum caminho se não se conseguir superar uma questão: desmatar e explorar ali um hectare invadido ou grilado custa entre R$ 200 e R$ 300 (porque não se pagam nem a terra nem impostos, se avilta o custo da mão-de-obra), enquanto a exploração legal custa no mínimo R$ 700 por hectare (preço da terra, impostos, custos trabalhistas).
E a própria Federação Brasileira de ONGs e Movimentos Sociais, em carta ao Ministério do Meio Ambiente em agosto de 2005, apontou "o abandono e o esvaziamento do Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento" em todas as suas linhas.
Parte do que acaba de ser repetido está em dois números (53 e 54) da revista do Instituto de Estudos Avançados da USP e foi condensada neste espaço ao longo de dois anos. E tudo continua sem resposta. "Não há para onde correr"?

Washington Novaes é jornalista.

OESP, 10/02/2006, Espaço Aberto, p. A2

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