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Além da métrica das emissões

Valor Econômico, Opinião, p. A13
Autor: MORENO, Camila; CHASSÉ, Daniel Speich; FUHR, Lili
31 de Mar de 2016

Além da métrica das emissões

Por Camila Moreno, Daniel Chassé e Lili Fuhr

Ao longo dos últimos dez anos, o termo "mudanças climáticas" tornou-se quase sinônimo de "emissões de carbono". A redução de gases de efeito estufa na atmosfera, medido em toneladas de "equivalentes de carbono" (CO2 e), passou a ser o objetivo primordial no esforço pela preservação do planeta. Mas uma abordagem tão simplista não vai resolver as crises ecológicas, extremamente complexas e interligadas, que enfrentamos.
O foco unidimensional em políticas ambientais mundiais em "métricas de carbono" reflete uma obsessão mais ampla com mensuração e contabilização. O mundo é compreendido com base em abstrações - calorias, quilômetros, quilos e, agora, toneladas de CO2 e - que são aparentemente objetivas e confiáveis, especialmente quando incorporadas a um discurso "de especialistas" (muitas vezes economistas). Em consequência, tendemos a ignorar os efeitos de cada abstração na história e nas dinâmicas de poder e de política que continuam a dar-lhes forma.
Um exemplo central de uma poderosa e algo ilusória abstração mundial é o produto interno bruto (PIB), adotado após a Segunda Guerra Mundial como principal medida de desenvolvimento econômico e desempenho de um país, quando as potências mundiais estavam construindo instituições financeiras internacionais que deveriam refletir o poder econômico relativo. Hoje, no entanto, o PIB tornou-se uma fonte de frustração generalizada, pois não reflete as realidades da vida das pessoas.
Ainda assim, o PIB continua a ser, de longe, a medida dominante de prosperidade econômica, refletindo a obsessão com a universalidade que acompanhou a expansão do capitalismo por todo o mundo. Imaginações complexas, cheias de nuances e qualitativas que refletem especificidades locais simplesmente não são tão atraentes quanto explicações lineares, abrangentes e quantitativas.
No que diz respeito às mudanças climáticas, essa preferência se traduz em apoio focado unicamente em soluções que reduzem marginalmente as emissões "líquidas" de carbono - soluções que podem impedir grandes transformações econômicas ou comprometer a capacidade das comunidades de definir problemas específicos e desenvolver soluções adequadas. A origem dessa abordagem pode ser rastreada à Cúpula da Terra de 1992, no Rio de Janeiro, onde a política climática embarcou numa trajetória acidentada e violenta de alternativas esquecidas. No decorrer de um quarto de século, pelo menos três erros críticos foram cometidos.
Primeiro, os governos introduziram a unidade de cálculo de CO2 e para quantificar de forma coerente os efeitos de gases de efeito estufa distintos, como CO2, metano e óxido nitroso. As variações entre esses gases - em termos de seu potencial de aquecimento, quanto tempo eles permanecem na atmosfera, onde aparecem e como interagem com os ecossistemas e as economias locais - são profundas. Uma unidade de medida única simplifica as coisas consideravelmente, permitindo que os formuladores de políticas busquem uma solução "tamanho único" visando atingir uma meta abrangente específica.
Em segundo lugar, a convenção da ONU sobre mudanças climáticas privilegiou técnicas "fim de processo" (métodos que visam a remoção de contaminantes da atmosfera). Isso permitiu que os tomadores de decisões desviassem a atenção para longe do objetivo politicamente mais difícil de limitar em sua origem as atividades que produzem essas emissões.
Em terceiro lugar, os políticos decidiram concentrar-se em emissões "líquidas", considerando processos biológicos que envolvem terra, plantas e animais, juntamente com aqueles associados à queima de combustíveis fósseis. Assim como instalações industriais, arrozais e vacas foram tratadas como fontes de emissões, e florestas tropicais, plantações monoculturais de árvores e pântanos, como sumidouros de emissões. Os formuladores de políticas começaram a procurar soluções que envolvessem compensar as emissões no exterior, em vez de cortá-las em casa (ou na fonte).
Em 1997, quando o Protocolo de Kyoto entrou em vigor, "maior flexibilidade" era a ordem do dia, e a comercialização de licenças de emissão (ou permissões para poluir) foi a opção preferida. Quase duas décadas depois, o esforço para compensar as emissões está não apenas enraizado na política do clima; o esforço também abriu seu caminho para debates mais amplos de política ambiental.
Novos mercados para os chamados "serviços ecossistêmicos" estão surgindo. Por exemplo, "bancos de mitigação de manguezais" nos EUA são um dos mais antigos entre tais mercados. Essas iniciativas implicam preservação, melhoria ou criação de, por exemplo, um manguezal ou curso d'água que compense os impactos adversos de um projeto planejado para um ecossistema semelhante em outro lugar. Isso é feito através da emissão de certificados que podem ser negociados. "Esquemas de compensação de biodiversidade" funcionam basicamente da mesma maneira: uma empresa ou indivíduo pode comprar "créditos de biodiversidade" para compensar sua "pegada ecológica".
Se esses esquemas soam um pouco práticos demais, é porque o são. Na verdade, eles baseiam-se em um conceito tão imperfeito quanto o do comércio de emissões. Em vez de mudar nosso sistema econômico para adequá-lo aos limites naturais do planeta, estamos redefinindo a natureza para que ela se ajuste a nosso sistema econômico - excluindo outras formas de conhecimento e alternativas reais.
Agora, na esteira da cúpula do clima de Paris, em dezembro, o mundo está à beira de assumir mais uma opção errada, ao abraçar a ideia de "emissões negativas", pressupondo que novas tecnologias serão capazes de remover CO2 da atmosfera. Entretanto, essas tecnologias ainda estão por ser inventadas, e mesmo que o fossem, sua implementação seria extremamente arriscada.
Em vez de buscar soluções comprovadas - deixar os combustíveis fósseis no subsolo, abandonar a agricultura industrial e abraçar a agroecologia, criando economias sem desperdício, e restaurar ecossistemas naturais - estamos contando com que alguma inovação milagrosa venha nos salvar em cima da hora. A loucura dessa abordagem deveria ser óbvia.
Se as métricas de carbono continuarem a moldar as políticas climáticas, as novas gerações conhecerão apenas um mundo com restrições ao carbono - e, se tiverem sorte, um mundo com baixo teor de carbono. Em vez de perseguir uma visão tão simplista, deveríamos buscar estratégias mais ricas visando transformar nossos sistemas econômicos para que operem dentro de - e interagindo com - nosso ambiente natural. Para isso, necessitaremos uma nova maneira de pensar que estimule participação ativa para retomar e conservar os espaços onde abordagens alternativas possam crescer e florescer. Não será fácil, mas valerá a pena. (Tradução de Sergio Blum)

Camila Moreno é pesquisadora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
Daniel Speich Chassé é professor de história na Universidade de Lucerna.
Lili Fuhr dirige o departamento de Ecologia e Desenvolvimento Sustentável na Heinrich- Boll-Stiftung, em Berlim. Copyright: Project Syndicate, 2016.
www.proj ect-syndicate .org

Valor Econômico, 31/03/2016, Opinião, p. A13

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