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Além da floresta, uma escola do futuro

Estado de S. Paulo-São Paulo-SP
Autor: DAVID MOISÉS
09 de Mar de 2003

Criada pela Fundação Bradesco, ela atende uma das regiões mais carentes de Roraima

Na sala de aula, filhos de migrantes pobres e indígenas convivem com os mais avançados recursos tecnológicos e pedagógicos

O professor Rhayder Abensour estava no pátio central da Escola de Boa Vista quando o portão se abriu para as crianças, pela primeira vez, na manhã de 6 de fevereiro. "Elas entraram correndo, mas aos poucos iam parando, encantadas com o que começavam a ver", conta ele. Filhos de migrantes pobres e descendentes indígenas da periferia da capital de Roraima, os alunos chegavam ao amplo saguão de entrada e mergulhavam num cenário nunca visto ali: ao fundo do pátio, uma alta cobertura sustentada por colunas coloridas abrigando o complexo esportivo; mais adiante, o campo de futebol com gramado impecável; à direita, a "Bibliotheca", duas salas de informática, laboratório de Ciências, consultório odontológico e sala de recursos audiovisuais; à esquerda, as salas de aula e, no fim do saguão, uma cantina com jeito de lanchonete.

Rhayder, como é chamado o professor de Ciências, diz que não se esquece daquele dia, quando uma escola de R$ 6 milhões, dotada de avançados recursos tecnológicos e pedagógicos, acolheu os filhos de uma comunidade carente, num dos pontos mais remotos ao norte do Brasil - depois da Floresta Amazônica.

"Vi os olhos das crianças e fiquei emocionado", conta ele, um descendente dos índios Makuxis, com 27 anos, formado em Química pela Universidade Federal de Roraima, também professor na rede pública e guitarrista da banda Mr. Jungle. "Acho que aqui vamos poder realizar um trabalho social amplo."

"Trabalho social", em Roraima, pode significar desde a assistência imediata a famílias urbanas sem renda nenhuma até o apoio especializado a povos indígenas como Yanomami, Wai-Wai ou Makuxi. "A região tem todo tipo de problema e necessidade", diz a diretora da escola, Maria Edith Romano Siems.

E a Fundação Bradesco tem um plano ousado para esta que é sua 39.ª escola construída no País: quer fazer ali um posto avançado para projetos sociais em diversas áreas. "Atingimos em Boa Vista nossa primeira meta histórica, de termos pelo menos uma escola em cada Estado brasileiro, dando apoio ao ensino público, e agora vamos diversificar o atendimento", explica Nivaldo Marcusso, gerente de Tecnologia da Informação e Educacional da Fundação Bradesco.

Modelos - O projeto fundamental é o ensino regular, evidentemente. "Queremos garantir a estas crianças educação de qualidade, que lhes dê perspectivas de vida", diz Marcusso. Nos 22 mil m2 da Escola de Boa Vista - 4.989 m2 de área construída -, os 840 alunos iniciais integram grupos que vão da educação infantil, na faixa dos 6 anos, até o 1.o ano do Ensino Médio, com duas turmas noturnas de 45 adolescentes cada.

"Assumimos com estes jovens do 1.o ano o compromisso de chegar ao fim do Ensino Médio como modelos de aprendizado e formação", relata a diretora Edith.

Será preciso recuperar o tempo perdido. A sondagem inicial indicou que o conteúdo assimilado pelos alunos da 4.ª série, por exemplo, equivale ao da 1.ª série. "A USP produziu para nós uma apostila adaptada a estes estudantes, para ajudá-los a superar o atraso", informa Edith. Nestas primeiras semanas da nova escola, muitos alunos já perceberam diferenças.

"Os professores explicam mais, não ficam só no exercício do livro", diz Tiago de Souza, 13 anos, da 7.ª série. Luciana Paes Silva, também com 13 anos mas na 8.ª, vê por toda a escola o incentivo ao aprendizado. "Temos tudo o que precisamos: espaço, ventiladores nas salas, banheiros limpos..."

A rotina da escola é cheia de desafios e estímulos à aprendizagem, para alunos e professores. Crianças que nunca haviam comido nada além de farinha e carne seca começaram a aprender a importância de uma dieta variada. Para muitas, o aprendizado é doloroso. "Vários alunos que comeram legumes pela primeira vez na vida tiveram vômitos e desarranjos", relata a diretora. Uma dieta de adaptação foi providenciada. Escovar os dentes, usar o calçado e o uniforme completo - doados pela Fundação -, tudo é tema de estudo, pesquisa e discussão. "Vamos mostrar às crianças, no laboratório, o que elas removem dos dentes quando usam a escova", planeja Edith.

Profissionalização - Na área contígua ao campo de futebol, será criada uma horta para que os estudantes aprendam sobre os vegetais e sobre técnicas de cultivo a baixo custo, para enriquecer a alimentação e, quem sabe, ajudar as famílias a desenvolver negócios no setor de hortaliças. Assim, a escola faz ligação direta entre o ensino regular e a profissionalização que a Fundação Bradesco quer oferecer a alunos e pais.

"Queremos que a escola produza benefícios a toda a comunidade", afirma Marcusso.

A oferta de vagas aos filhos das famílias carentes é um benefício limitado diante da enorme demanda - "mais de 4.800 pessoas procuraram vagas", segundo Edith. Mas a Escola de Boa Vista está absorvendo ao longo deste ano, além dos 840 alunos, mais 960 jovens e adultos em programas de alfabetização e capacitação profissional. Salas de aula são usadas à noite para alfabetizar adultos - na maioria, pais de alunos - e um dos laboratórios de informática é destinado também a cursos para a comunidade, sempre com professores especializados.

Só por ter sido construída ali, numa zona de transição entre o perímetro planejado da cidade e o cinturão de moradias pobres, a Escola de Boa Vista já produziu outro benefício, atraindo asfalto e iluminação pública melhores para a região do Bairro Jardim Floresta. Além disso, foram criados 50 empregos diretos e a manutenção do estabelecimento movimenta pelo menos R$ 30 mil mensais.

O efeito multiplicador da educação das crianças nas famílias é outro resultado positivo, assim como a qualidade do ensino pode servir de estímulo às outras escolas. Mas é possível ir mais longe. Há cerca de 200 escolas indígenas em toda a região de Boa Vista, e a Fundação Bradesco planeja ajudá-las. A italiana Loretta Emiri, que trabalhou por 17 anos com os Yanomami e formou o primeiro professor indígena para alfabetização em língua nativa, em 1982, sabe como é necessário este apoio. "O branco precisa saber que o índio tem língua e religião", diz ela.

O professor Rhayder quer, na Escola de Boa Vista, servir de ponte para o diálogo entre o mundo urbano e os povos da floresta, "educando as crianças sem preconceitos raciais" e promovendo o "intercâmbio de tecnologias" de brancos e indígenas. Ele acha que sua escola é o berço de uma grande transformação

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