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Aldeia guarani no Paraná é um triunfo da resistência cultural

Ambiente Brasil-Brasília-DF
Autor: Mônica Pinto
24 de Jan de 2006

As mulheres vestem blusas compostas e saias longas; os homens, bermudas e camisas do tipo encontrado em qualquer loja. Terminam aí, no entanto, as semelhanças entre os modos de vida do homem branco e dos Mbyá Guarani instalados no município de Piraquara, há aproximadamente 100 Km de Curitiba (PR).

Sua aldeia - Caruguá - nasceu em dezembro de 99, exclusivamente pelo esforço de um índio que antevia a perda de sua cultura ancestral. Marcolino Silva, 53, cacique e pajé, batizado Karaí Tataendy, morava em uma aldeia na cidade paranaense de Mangueirinha. A profusão de igrejas evangélicas a brotar no entorno da comunidade, buscando catequizá-la, começou a incomodá-lo profundamente. "Eu já tenho a minha crença e devemos preservar o que é da gente", defendia.

A esse incômodo, agregou-se o sofrimento pela morte do sogro - "grande pajé de Mangueirinha". Marcolino resolveu ir embora. A idéia começara a nascer um ano antes, em 98, quando o coral da aldeia participou de um evento na capital paranaense. Lá, o índio conheceu Jorge Roberto Grando, à época secretário de Meio Ambiente do município de Pinhais, na Grande Curitiba, onde o coral se apresentou pouco depois, já em 99, a convite do próprio executivo.

Marcolino dividiu com ele sua intranqüilidade quanto ao futuro das tradições guaranis. Jorge Roberto Grando abriu-lhe, então, as portas para seu ideal, oferecendo uma chácara de sua propriedade para que o índio fundasse nova aldeia. A comunidade já nasceu com 40 pessoas, quase todos os membros do coral que, como Marcolino, tinha a meta de preservar não só o dialeto guarani, mas todos os rituais e práticas da etnia.

As terras, logo depois, passaram a ser parte de uma área de preservação permanente da Sanepar - a companhia de saneamento do Paraná. Jorge Grando deu a posse ao cacique e, como os quase 80 membros atuais da aldeia são absolutamente respeitosos em relação ao meio ambiente, a convivência entre índios e empresa é harmônica. "A gente ajuda a tomar conta da reserva e, quando precisa deles para alguma doação, eles também ajudam", diz Marcolino.

No ano passado, a Funai realizou os estudos preliminares visando a demarcação das terras, com 75 hectares de área. O pessoal da Copel - empresa energética - também já esteve lá, para definir como levar energia à aldeia, um conforto desnecessário para o cacique. "Para mim, não era preciso, são as mulheres mais que querem".

Praticamente livres das influências dos brancos, os Mbyá Guarani levam uma existência tranqüila e pacífica. Todos são bilingües. Dos cinco aos sete anos, as crianças só têm aulas em guarani, numa escolinha na própria aldeia. Depois, mais velhas, começam a aprender, em Português, o conteúdo formal. Concretizou-se o ideal do cacique - um basta ao processo de aculturação.

São exercitados diariamente rituais que remontam à ancestralidade dos guaranis. Na casa de reza - opy -, eles se reúnem ao cair da noite para ritos de adoração e cura. Reverenciam seu deus supremo, Nhanderú, e outros, "com menos poderes", como Karaí, que guarda a natureza; Tupã, que cuida de todos os povos, inclusive dos brancos; Jakairá, das águas, e Quaray, o Sol, deus do fogo.

No interior da casa de reza, aquecida e iluminada por uma grande fogueira, homens, mulheres, meninos e meninas fumam o Petyngua, o cachimbo sagrado cuja fumaça elevaria os pensamentos dos guaranis até Nhanderú. Os cantos sagrados entoados pelas crianças, poderosos e energéticos, contribuem para um estado de transe, sem que os índios precisem lançar mão de nenhuma planta especial: o fumo usado é o de corda, comum. A erva-mate, outro produto da tradição guarani, circula em cuias de mão em mão.

Ajuda nem sempre suficiente

A maior dificuldade dessa gente simples e feliz é que, instalada em uma Área de Preservação Permanente, não pode plantar nada. Muito menos é permitida caça ou pesca. Com isso, a aldeia depende exclusivamente de doações para comer e vestir-se. "A gente precisa mais de roupa, que aqui no inverno é muito frio", diz Marcolino.

O padre de Piraquara, frei Rui, é um colaborador freqüente. Presenteia cobertores e, igualmente importante, respeita a fé de seus anfitriões, admirando seus cânticos e rituais. "A primeira coisa que o padre pede, quando chega aqui, é pra gente cantar", diverte-se o líder da aldeia, para quem só falta uma fonte de renda mais estável. O Colégio Bom Jesus, em Curitiba, é outro doador constante.

Hoje, o cacique está articulando a formação de um viveiro de mudas - em especial, de araucárias e árvores frutíferas -, na esperança de que possam vendê-las num futuro breve. O belo artesanato das mulheres também atrai interesse dos escassos visitantes da aldeia e agora está sendo comercializado em Curitiba por intermédio do Núcleo Curativo e Artesanal Rota Onto (telefone: 41-3373-0119).

Marcolino sente falta também de um carro que os ajudasse em eventuais emergências médicas, felizmente raras. As visitas do pessoal da Funasa acontecem com regularidade e, em geral, a saúde de todos é assegurada pelas ervas de Natalina da Silva, Yvã Rete, esposa do cacique. Todos os partos ocorrem sob sua supervisão e agora já com o auxílio da filha, Florinda ou Jirá.

Ambas desvendaram os mistérios das ervas e, quase sempre, fazem da mata em volta sua farmácia. "As índias dão mama aos filhos até três, quatro anos; a mulher branca, não. Elas deviam ficar mais tempo com as crianças", recomenda Jirá, lembrando a conclusão da palestra a que assistiu e onde obteve explicação para um fato concreto: mulheres indígenas quase não têm câncer nos seios.

O conhecimento tradicional não impede Jirá de buscar novos rumos. Ela começa a ter aulas de Inglês. Quer recepcionar melhor os visitantes e eles já receberam norte-americanos. Foi à Alemanha, no ano passado, única índia a participar da Jornada Mundial da Juventude, na cidade de Colônia, convidada pelo Colégio Bom Jesus. "Se tudo der certo, vou de novo, em 2008", sonha.

Talvez, com estes contatos, ela possa disseminar as preocupações de seu pai cacique, que dizem respeito a toda a humanidade. "O homem branco só destrói a natureza, não pensa em preservar, só em destruir. Por isso que existem tantas rodovias e barragens", adverte Marcolino. "O índio só caça e pesca o que consome, nada para a venda."

Confira mais informações sobre os rituais e costumes desta etnia na página da Associação Guarani Nhe´E Porã

Foto 1 - Criançada da aldeia tendo a escola ao fundo.

Foto 2 - Índio com o petyngua, o cachimbo ritual

Foto 3 - Artesanato produzido na aldeia Caruguá

Foto 4 - Yvã Rete: partos e curas com ervas

Foto 5 - Jirá mostra bolsa e colares artesanais

Fotos: Sidney Xambu

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