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Álcool e biodiesel na Amazônia

Época, Brasil, p. 50-51
Autor: BRAGA, Eduardo
31 de Dez de 2007

Álcool e biodiesel na Amazônia
O governador do Amazonas propõe plantar nas áreas já desmatadas. É uma idéia inflamável

Alexandre Mansur

Entrevista: Eduardo Braga

A Amazônia é a grande preocupação internacional dos ambientalistas quando se fala em produção de biocombustíveis no Brasil. "Não queremos plantar cana-de-açúcar para produzir álcool nem plantar oleaginosas para produzir biocombustível na Amazônia", afirmou o presidente Lula, em fevereiro. É nesse cenário inflamável que o governador do Amazonas, Eduardo Braga, defende justamente a expansão da área plantada para biocombustíveis na região amazônica. Seu governo tem recebido elogios por conciliar desenvolvimento com preservação, com ações como a criação de um fundo internacional para pagar a conservação da floresta. Como sua nova proposta será recebida?

Quem é
Governador do Amazonas (PMDB). Nasceu em Belém, Pará. É casado e pai de três filhas. Tem 46 anos

Carreira
Empresário, foi prefeito de Manaus entre 1994 e 1997

O que fez
Ganhou fama ambiental com o programa Bolsa-Floresta, que paga para os ribeirinhos preservarem a mata

Época - O senhor defende a produção de biocombustível e etanol na Amazônia?

Eduardo Braga - Em áreas já degradadas, sim. Temos de ser radicais em dizer que não queremos derrubar nenhuma árvore para implantar etanol e biodiesel. Agora, nas áreas onde a Floresta Amazônica já foi degradada, principalmente antes de 1990, por que não implementar programas de biodiesel e etanol? Não há nenhum problema. São áreas que já foram devastadas.

Época - Em geral, quem planta soja argumenta que não derruba floresta. No entanto, incentivar o plantio de cana em áreas de pecuária não estimula o criador de gado a abrir novas áreas desmatando?

Braga - O movimento na Floresta Amazônica é o seguinte: primeiro vêm os grileiros com os madeireiros, que fazem exploração ilegal de madeira. Depois vêm os pecuaristas. E depois a soja. Há uma certa seqüência. Mas isso em áreas novas. Nós não estamos www.achanoticias.com.br www.brasilnoclima.com.br falando de biodiesel e etanol aí. Sou radicalmente contra derrubar uma árvore sequer para implantar biocombustível. Mas por que ser contra recuperar áreas que foram degradadas?

Época - A maioria das fazendas na Amazônia são terras públicas invadidas. Como o Estado pode controlar onde vão plantar cana ou babaçu para biodiesel se não consegue nem evitar a grilagem?

Braga - Monitoramento por satélite. O Estado brasileiro sabe quais áreas estão degradadas na Amazônia hoje, porque tem essa informação via satélite pelo Inpe e pelo Sivam. Portanto, não há motivo para o Brasil não ter controle efetivo dessas áreas.

Época - Como interromper o processo de apropriação indevida das terras públicas?

Braga - Com o uso sustentável da terra pública. Criar reservas onde a terra pública continua sob o poder do Estado com mecanismos para que as populações que lá vivem possam trabalhar de forma responsável e sustentável com a floresta. Isso dá valor, portanto, à floresta em pé e coloca os moradores como protetores dessa floresta, que é fonte de riqueza, desenvolvimento, emprego e renda para eles. Se você faz isso, coloca uma barreira natural a essas ocupações ilegais.

Época - Mas o que ocorre na região é a ocupação irregular de terra pública, contra a vontade dessas populações tradicionais. Os grileiros contratam pistoleiros e jagunços.

Braga - Nesse caso, você precisa reagir. E a presença do poder público e da política pública é fundamental. O Estado do Amazonas está criando um órgão que chamamos de S.W.A.T. ambiental. Vamos aproveitar oficiais da reserva do Exército com experiência e treinamento na selva, além de soldados da reserva da Polícia Militar. Essas pessoas se aposentaram, mas têm o treinamento e estão aptas a essas ações de combate efetivo nessa situação. Com uma pequena reciclagem, podemos ganhar tempo na formação desse grupo especial. Nossa idéia é montar uma polícia voltada para ações pontuais contra esse tipo de grilagem.

Época - A Amazônia brasileira é o único lugar do mundo com uma área tão grande de terra sem propriedade definida e vulnerável à apropriação indevida. Por que o Brasil não regulariza isso?

Braga - Essa é uma boa pergunta. O Brasil deveria fazer isso e tem os mecanismos necessários. O BNDES poderia criar um mecanismo com o governo federal e os governos estaduais da Amazônia de financiamento com algum tipo de incentivo para a estruturação da política fundiária na Amazônia. O BNDES ainda não tem linhas de crédito para desenvolvimento sustentável na escala em que o Brasil precisa. E nós estamos muito esperançosos que o Luciano Coutinho (presidente do BNDES) implemente isso.
Precisamos de uma indústria que possa comprar os produtos sustentáveis da floresta, com incentivo fiscal

Época - Por que as indústrias da Zona Franca de Manaus não fabricam produtos a partir da biodiversidade da Amazônia, como remédios e cosméticos?

Braga - Isso está começando a acontecer. Hoje já temos 14 indústrias que montaram laboratórios para estudar a biodiversidade da www.achanoticias.com.br www.brasilnoclima.com.br floresta. Mas, para que possamos criar um pólo de indústrias cosméticas ou farmacêuticas, precisamos da aprovação do Ministério de Ciência e Tecnologia e do Ministério de Desenvolvimento da Indústria e do Comércio Exterior. Isso pode tornar mais robusto o programa de sustentabilidade que o Amazonas tem. Precisamos de uma indústria que possa comprar os produtos sustentáveis da floresta, agregar valor e exportar. Xampu de andiroba ou de castanha poderia ser produzido na Zona Franca de Manaus. Hoje, você tira a andiroba da Amazônia e leva para indústrias de outras regiões. Nós gostaríamos que todos esses estágios fossem feitos no interior do Estado do Amazonas com incentivo fiscal.

Época - Por que o Brasil deveria subsidiar a Amazônia?

Braga - O Brasil é considerado o quinto maior emissor de carbono do mundo. Isso não acontece por causa dos combustíveis, mas pelo desmatamento e pela queimada das florestas. Até porque o Brasil tem um modelo de geração de energia muito limpo. Portanto, se o Brasil diminuir o desmatamento e as queimadas, deixa de emitir carbono e contribui para que as mudanças climáticas diminuam.

Época - O Sudeste é o maior mercado mundial de madeira tropical. Dá para preservar a floresta e manter o abastecimento de madeira para São Paulo e Rio de Janeiro, os maiores consumidores?

Braga - Dá, porque está provado que se nós manejarmos a floresta prestaremos dois bons serviços. Primeiro, pouparemos várias árvores que nós não precisaríamos derrubar para tirar a que presta para a indústria da madeira. Hoje, no Brasil, funciona assim: se eu quero ter madeira legal, a maneira mais fácil é entrar com um projeto de desmatamento de 20% da minha terra na Amazônia para o Ibama aprovar. Ao desmatar isso, aproveitam-se 20 metros cúbicos de madeira. O resto não tem valor. Será queimado e emitirá carbono. Com o manejo, tiram-se apenas os 20 metros cúbicos de madeira aproveitável, com valor de mercado e adulta. Isso rejuvenesce a floresta. Em vez de emitir carbono, ela irá seqüestrá-lo, já que quanto mais jovem uma floresta mais carbono ela tira da atmosfera.

Época - Algumas empresas de madeira com selo verde internacional tentaram fazer esse manejo. Mas foram invadidas por madeireiros ilegais. Como garantir a segurança desses negócios sustentáveis?

Braga - Com monitoramento, com o envolvimento da população no mesmo processo em que essas empresas estão. No Amazonas, nós temos exemplos bem-sucedidos e malsucedidos. Temos os dois lados da história para contar. E veja que perversidade: o câmbio baixo como está penaliza aqueles bem-sucedidos no processo, como a Mil Madeireira. Por outro lado, acredito que, se nós tivéssemos uma política pública de crédito, assistência técnica, para agregar valor a essa madeira e estabelecer incentivos para esse tipo de madeira manejada, estaríamos invertendo o ciclo atual de grilagem, madeira ilegal e devastação para um novo ciclo de manejo, sustentabilidade e valor agregado.

Época, 31/12/2007, Brasil, p. 50-51

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