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Águas claras

O Globo, Panorama Econômico, p. 28
Autor: LEITÃO, Míriam
17 de Out de 2009

Águas claras

Míriam Leitão

Para quem começou a sonhar com as praias do Rio de Janeiro limpas, a Baía de Guanabara despoluída, a cidade com saneamento, foi um pesadelo ver a foto da semana passada em que surfistas disputaram provas no meio do esgoto que saiu do canal da Visconde de Albuquerque, no nobre bairro do Leblon. Conseguiremos limpar o Rio até os Jogos Olímpicos de 2016?
No filme "Procurando Nemo", de 2003, o simpático peixinho escapa de um aquário e pela rede de esgoto que recebe tratamento chega até as águas da baía de Sidney, na Austrália, despoluídas para as Olimpíadas do ano 2000.

Nemo poderá ser encontrado em águas limpas da Baía de Guanabara, em 2016? Ouvimos vários especialistas.

Eles acham que será possível avançar na despoluição, mas não limpar tudo.

E a Baía é apenas uma parte do problema.

Os Jogos serão no Rio, mas a despoluição da Baía depende de ações de pelo menos 15 municípios em sua volta. Há décadas as águas foram sendo degradadas pelo esgoto doméstico; águas pluviais contaminadas; vazamentos de óleos e resíduos industriais; lixo; desmatamento; destruição de manguezais; assoreamento.

O Programa de Despoluição da Baía de Guanabara (PDBG), de 1995, avançou apenas na parte industrial. O engenheiro Victor Coelho, autor de um livro sobre o assunto, conta que o programa reduziu a carga orgânica jogada pelas indústrias em 90%.

A de óleos, em 97%, e a de metais pesados, em 70%. Mas ainda há muito a fazer.

- O passivo industrial foi bem trabalhado nos últimos anos. Agora, é preciso cuidar do saneamento básico; da qualidade do ar, que acaba virando poluição na Baía levada pelas chuvas; do lixo; e do assoreamento que impede a circulação das águas - explicou Coelho.

O maior problema está no esgoto doméstico e lixo despejados diariamente na Baía.

O professor de engenharia oceânica da Coppe Paulo Cesar Rosman acha que não dá para limpar as águas num período de sete anos, apenas melhorar. Segundo ele, o nível de poluição é tão alto que se, num passe de mágica, todos os problemas fossem resolvidos hoje, as águas só ficariam limpas daqui a um ano: - O grande problema são as três milhões de pessoas que vivem em condições subhumanas, sem qualquer tipo de saneamento básico, nos muitos municípios que rodeiam a Baía. Resolver isso num prazo de sete anos é praticamente impossível.

De acordo com o Plano de Gestão de Sustentabilidade do Rio 2016, hoje, apenas 32% do esgoto que chega à Baía recebem tratamento. A meta é chegar a 50% no ano que vem, saltando para 80% até o início dos Jogos.

A coleta de lixo precisa de atenção especial porque as provas de vela serão realizadas na Baía e o lixo pode diminuir a velocidade dos barcos. O presidente da Cedae, Wagner Victer, acha que haverá mais recursos federais para acelerar as obras.

- Já temos investimentos de R$ 500 milhões para os próximos quatro anos, que aconteceriam com ou sem os Jogos Olímpicos. Queremos mais R$ 500 milhões para andar mais rápido.

Mas ele diz que por questões naturais, em períodos de chuva algumas praias da Baía sempre ficarão poluídas:
- As praias da Baía nunca estarão aptas para banho após as chuvas porque elas receberão a vazão dos rios que desembocam na Baía. Mas em períodos secos, será possível ter um nível de água limpa nas praias de Botafogo e Flamengo, por exemplo.

O PDBG ajuda a aumentar o ceticismo. Durou muito tempo, ouviu-se falar em dinheiro demais vindo do Japão (Japan Bank for International Cooperation - JBIC), do BID, e aí está a Baía suja. No orçamento de 1994, os recursos eram de US$ 793 milhões, dos quais US$ 350 milhões foram financiados pelo BID, US$ 237 milhões, pela agência japonesa, e US$ 206 milhões, pelo governo estadual.

O ex-presidente da Feema Alex Grael diz que o nível de endividamento do governo do Rio criou dificuldades para a execução das obras, porque tinha que haver contrapartidas.

- Os recursos não foram suficientes e foi preciso fazer escolhas e definir prioridades. Se investisse em redes, não haveria dinheiro para estações de tratamento, e vice-versa. Na baía de Sidney era mais fácil despoluir porque ela possui uma abertura maior; as águas entram e saem dela com maior rapidez e volume - explicou.

O economista da Unicamp Lucas Araújo, que participou de um estudo sobre os Jogos de Barcelona, Sidney e Pequim, diz que o principal no caso de Olimpíadas é criar programas que continuem em funcionamento após o término dos Jogos.

- Mesmo que não dê para despoluir a Baía num prazo de sete anos, por que não criar um projeto que continue em funcionamento após as Olimpíadas?
Na Secretaria de Meio Ambiente da prefeitura do Rio, a informação foi que um Comitê Especial de Gestão Ambiental para os Jogos será criado, mas ainda não se sabe se ele será presidido pelo governo federal ou não.

Seria bom decidir logo. Em Londres, a decisão de fazer uma Olimpíada verde em 2012 envolveu até a logística das obras. Em vez de o material de construção ser transportado por caminhões, o escoamento é feito por barcas no Rio Tâmisa.

Só isso já reduziu o impacto ambiental do projeto.

oglobo.com.br/miriamleitao o e-mail: miriamleitao@oglobo.com.br
Com Alvaro Gribel

O Globo, 17/10/2009, Panorama Econômico, p. 28

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