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Água poluída abastece Reservas

Zero Hora-Porto Alegre-RS
Autor: Carlos Wagner
07 de Jan de 2002

O drama das crianças indígenas gaúchas, que estão sendo dizimadas pela fome e pela desnutrição, é revelada por uma reportagem que Zero Hora iniciou ontem e termina hoje. A elevada taxa de doenças e mortes entre os indiozinhos de zero a cinco anos tem várias causas, e uma das principais é a qualidade da água consumida pelas comunidades, cujas fontes estão poluídas.

As águas das fontes e das nascentes usadas para beber pela população indígena estão causando doenças. Os técnicos suspeitam de que seja devido à contaminação por produtos químicos despejados nas lavouras e pelos dejetos dos moradores das reservas. Os mais atingidos são as crianças, a maioria delas com o organismo debilitado pela desnutrição.

O verão é o período mais crítico. As equipes médicas da Fundação Nacional da Saúde (Funasa) tentam contornar o problema recomendando que as mães fervam a água antes de usá-la. O número elevado de crianças internadas nos hospitais das cidades próximas às 27 reservas indígenas do Estado tem mostrado que a recomendação não está funcionando.

- Até porque há casos, principalmente na região da soja, em que água é tão barrenta que, mesmo fervida, continua com cor escura - explica Marli Caingangue, da reserva da Serrinha, na região de Ronda Alta.

A região da soja referida por Marli são as terras do norte do Estado, repartidas em pequenas e médias propriedades rurais de exploração agrícola mecanizada e intensiva. É justamente nessa região que se localizam as reservas dos caingangues, que ao lado dos guaranis somam 19 mil pessoas no Estado, a maior população indígena do sul do Brasil. Os caingangues são a maioria, em torno de 90%.

- Nossas águas estão contaminadas porque as aldeias estão cercadas de lavouras. Então, o que acontece? As águas da chuva provocam erosão nas roças, e a terra acaba dentro das fontes - diz o cacique Carlos Alfaiate, da reserva da Guarita, a maior do Estado.

A maioria dos habitantes da Guarita é formada por crianças na faixa de zero a cinco anos, segundo levantamentos extra-oficiais de enfermeiros que trabalham na área. São as principais vítimas da água contaminada. Um técnico da Funasa explica que a terra da lavoura não contamina as águas de nascentes e fontes apenas porque as deixa barrenta. O problema são os produtos químicos usados na plantação: o adubo, que ajuda a planta a crescer, o veneno agrícola, usado para matar as pragas, e o herbicida, empregado para eliminar as ervas daninhas.

Há mais um problema: durante duas décadas, os solos da Guarita foram arrendados de maneira clandestina para quadrilhas de brancos, que os exploravam de maneira predatória. Foram expulsas pela Polícia Federal (PF). Mas os danos causados ao ambiente não foram reparados, explica o cacique Alfaiate.

À leste da Guarita fica outra reserva caingangue, a de Nonoai. A água das fontes é transparente, mas está contaminada.

- Nosso maior problema é que as comunidades ao redor das lagoas e das nascentes cresceram. E a água já não dá mais para todo mundo. Na confusão, muitos acabam tomando água ruim e adoecem - explica Paulo Vergueiro, um dos líderes da tribo.

A água ruim, segundo um técnico em recursos hídricos, deve-se à exploração intensiva das nascentes, contaminadas pelos dejetos. Geovana da Rosa, sete anos, 11 quilos, é uma das vítimas. Seu organismo desnutrido está afetado pela água poluída.

A concentração de moradias ao redor das nascentes em Nonoai e outras reservas ocorre há quatro décadas. Foi incentivada por antigos dirigentes do Serviço Nacional de Proteção ao Índio (SPI), extinto e substituído pela Fundação Nacional do Índio (Funai), órgão responsável pela subsistência das tribos. O atual administrador da Funai no Estado, o caingangue Neri Ribeiro, 53 anos, lembra que a lógica de incentivar grandes aglomerados de índios era baratear os custos dos investimento oficiais em infra-estrutura como eletricidade e escolas. Até então, os indígenas se organizavam em pequenos povoados dentro da reserva.

Muitos desses povoados foram feitos à força. É o caso da reserva de Votouro, em Benjamin Constant. Nos anos 60 - conta Nelson Pinto, 41 anos, um dos líderes da tribo -, o governo terminou com a reserva indígena Ventarra, no atual município de Erebango, e forçou seus moradores (em torno de 150 famílias) a se mudarem para Votouro. A Constituição garantiu aos índios a retomada de Ventarra há dois anos. Eles voltaram, deixando para trás as águas contaminadas de Votouro.

- Os doutores (médicos) brancos dizem que nossas crianças morrem porque não sabemos cuidar delas. Jamais falaram que é pelo ajuntamento de muitas famílias em um mesmo lugar. Coisa que fomos obrigados a fazer pela política do homem branco - critica Pinto.

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