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Água, o tema da Campanha da Fraternidade

OESP, Geral, p. A7
25 de Fev de 2004

Água, o tema da Campanha da Fraternidade

HERTON ESCOBAR e PAULA PEREIRA

Embora 70% da superfície da Terra seja coberta de água, menos de 1% desses recursos estão disponíveis para consumo humano. Ainda que essa pequena parcela seja mais do que suficiente para suprir as necessidades dos 6 bilhões de habitantes do planeta, cerca de 40% da população mundial não tem acesso à água de qualidade. Conseqüentemente, mais de 5 milhões de crianças morrem anualmente de doenças disseminadas pela água. Foi com base em dados como esses que a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) escolheu a água como tema da Campanha da Fraternidade 2004, com lançamento marcado para hoje em Brasília.
Nos 40 anos da campanha, que tradicionalmente tem enfoques mais sociais e políticos, essa será apenas a segunda vez que a Igreja abordará um tema ligado ao meio ambiente. Em 1979, o mote era "Preserve o que é de todos". O objetivo é conscientizar a população sobre a necessidade ambiental e social de preservar a água e usá-la de forma racional. "A água precisa ser encarada como um bem de toda a sociedade, para que todos cuidem de sua qualidade e evitem o desperdício", disse o presidente da CNBB, cardeal arcebispo de Salvador dom Geraldo Majella Agnelo. "Tratar da água é muito pertinente, pois é o grande assunto deste novo milênio", disse d. Luiz Demétrio Valentini, bispo de Jales, em São Paulo. "Normalmente os temas são mais ligados a questões sociais ou da pessoa, mas agora o apelo ambiental é mais forte."
A campanha ocorre simultaneamente no mundo, sempre a partir do primeiro dia da Quaresma. Mas cada país escolhe seu tema. No Brasil, a proposta partiu da Comissão Pastoral da Terra (CPT). "A razão é simples: sem água não se trabalha a terra, não se produz alimento", disse o sociólogo Pedro Ribeiro de Oliveira, professor da Universidade Católica de Brasília e assessor da CNBB. "O alimento e a água são fontes primárias e indissociáveis de vida.
Não haverá combate eficaz contra fome se não houver garantia de acesso à água", afirma o manual oficial da campanha.
Discussão legal - Além de trazer o debate sobre o assunto nas dioceses, em escolas e na sociedade civil, a CNBB quer propor a discussão de uma Lei do Patrimônio Hídrico Brasileiro. A proposta prevê a criação de um Sistema Nacional de Gerenciamento do Patrimônio Hídrico Brasileiro, do qual participariam os comitês de bacias de todo o País. Esse órgão deliberaria sobre as grandes outorgas de água, a gestão de águas costeiras, subterrâneas e minerais. A campanha vai propor ainda uma política nacional de captação de águas de chuva e reforçar que os serviços públicos de saneamento e abastecimento permaneçam sob gestão do Estado.
"Água não se privatiza, por razões bíblicas tanto quanto éticas", explicou Oliveira. "É um dom de Deus e um bem público, cuja gestão não pode ser confiada ao mercado como um produto qualquer." Se não provocar mudanças na lei, disse o sociólogo, a campanha busca, ao menos, incentivar uma nova leitura da legislação. "A lei vê a água apenas como um recurso, quando deveria tratá-la como um patrimônio. Recurso se usa; patrimônio, se cuida."

Ambientalistas apóiam iniciativa e apostam no alcance da Igreja Eles acreditam que religiosos assumiram um papel que caberia ao poder público
IURI PITTA
A iniciativa da CNBB foi bem recebida por ambientalistas. Para eles, as palavras dos religiosos podem ser mais convincentes do que as dos políticos e gestores públicos. "Há muito tempo esperávamos uma atividade 'ecológica' da Igreja. A água tem um significado importante na religião, representa a vida", disse o integrante do Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema), Carlos Bocuhy.
Para o ambientalista, os padres católicos têm um alcance importante para a questão, uma das mais preocupantes em todo o mundo. "No Brasil, há milhões de pessoas que ouvem a Igreja e incorporam as orientações em seu dia-a-dia.
A proteção da natureza, na filosofia judaico-cristã, é a proteção da criação de Deus."
A coordenadora da SOS Cantareira, Yuca Maekawa, destacou que a Igreja tem contato direto com a comunidade, aumentando a eficiência da comunicação. "A sociedade, incluindo as religiões, ocuparam o papel que há muito o poder público não desempenha", argumentou. "A comunidade precisa saber que cada rio que passa ao lado de sua casa é importante para reverter a situação."
Yuca não poupou críticas ao poder público, por causa dos baixos níveis nos reservatórios do Sistema Cantareira e a demora em implementar o rodízio, e defendeu políticas mais "sérias" de abastecimento e gestão de recursos hídricos. "Quando o governador (Geraldo Alckmin, do PSDB) aparece na TV e diz que ainda não há necessidade de racionamento, quando sabemos que há, ouso dizer que está sendo irresponsável. Essa atitude desestimula as pessoas a usarem água racionalmente", considera.

OESP, 25/02/2004, Geral, p. A7

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