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Água mais pura de SP está ameaçada

OESP, Metrópole, p. C1
08 de Abr de 2007

Água mais pura de SP está ameaçada
Sistema que abastece 48,7% da população da região metropolitana sofre com invasões e lançamento de esgoto

Sérgio Duran

Enquanto as represas Billings e Guarapiranga engolem rios de dinheiro em projetos de recuperação, os mesmos problemas que condenaram os dois reservatórios começam a atingir o mais importante e preservado sistema de abastecimento da capital paulista: o Cantareira. Responsável por 48,7% da produção de água - que serve a cerca de 8,5 milhões de habitantes nas 39 cidades da Grande São Paulo - , ele é composto por cinco represas e tem na Barragem Paiva Castro, localizada no limite entre os municípios de Mairiporã e Franco da Rocha, na região metropolitana, seu ponto mais ameaçado por favelas, loteamentos clandestinos e lançamento de esgoto in natura em águas puras trazidas de longe por uma rede que inclui túneis cortando montanhas.

Documentos obtidos pelo Estado revelam que a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) sabe de 145 invasões em área de sua propriedade na região da Paiva Castro. Entre elas, está parte da Vila Petroria, ocupação ilegal em Franco da Rocha que abriga cerca de 2 mil famílias e não pára de crescer. Outra ocupação, em Mairiporã, ocorreu em área de várzea da barragem, que ficava cheia regularmente antes da estiagem dos últimos anos e hoje está completamente habitada. Com isso, em períodos de chuva, a população sofre com enchentes.

Um mapa da Sabesp identifica 13 pontos diferentes de lançamento de esgoto no reservatório, incluindo parte dos dejetos de Mairiporã, que são recolhidos pela própria companhia. E a poluição do reservatório final, antes da Estação Elevatória Santa Inês e da Estação de Tratamento de Água (ETA) Guaraú, leva a uma situação descrita reservadamente por técnicos da Sabesp como "jogar água Perrier no esgoto".

Loteamentos anteriores à criação das leis de proteção aos mananciais, de 1976 - portanto, regulares -, têm sistemas próprios de tratamento de esgoto sem que a Sabesp saiba onde os dejetos são lançados. Detalhe: os conjuntos de mansões e casas de classe média margeiam quase toda a barragem.

Trabalho de consultoria feito para a companhia pela empresa Figueiredo Ferraz identificou 151 loteamentos do gênero na região da Paiva Castro. Para piorar a situação, a Sabesp foi proibida pela Lei dos Mananciais de instalar rede de esgotos nesses condomínios.

A Paiva Castro está no meio de uma região rica em biodiversidade, na transição entre a Mata Atlântica e o cerrado. A primeira é a vegetação predominante do Parque Estadual da Cantareira; a segunda, a do Parque Juqueri. Por isso, o crescimento populacional não só afeta a água que o paulistano bebe, como também duas importantes reservas verdes da região metropolitana.

Sede da barragem, o município de Mairiporã registra crescimento anual da população de 6,6% e tem 83% de seu território em área de proteção de mananciais. As montanhas e as represas formam uma das paisagens mais bonitas da região metropolitana. Além da beleza, a barragem fica perto da capital. Pela Estrada Santa Inês, que liga o bairro do Tremembé, na zona norte, a Mairiporã, fica a pouco mais de 20 quilômetros da Marginal do Tietê. Além disso, o local é bem servido por transporte público. Tudo acaba servindo de indutor para a ocupação.

As invasões ou mesmo o crescimento de Mairiporã resultam em assoreamento da barragem. O documento da Sabesp estima que a Paiva Castro e o Canal do Rio Juqueri sofreram assoreamento de 839,8 metros cúbicos, o que corresponde à perda da capacidade do reservatório de guardar água.

Para se ter uma idéia da extensão desse assoreamento, 839,8 metros cúbicos são 35% superior à capacidade do Reservatório Águas Claras, a última represa por onde passa a água do Sistema Cantareira antes de seguir para a Estação de Tratamento Guaraú e, de lá, para a casa de milhares de moradores da região metropolitana de São Paulo.

Num só ano, 221 afogamentos

A utilização da Barragem Paiva Castro como equipamento de lazer, para piquenique, prática de esportes náuticos ou mesmo para nadar, criou mais um problema para a Sabesp. Na temporada 1999/2000, de acordo com documento elaborado pela companhia, foram registrados 221 afogamentos - ou seja, a cada semana, morreram cinco pessoas afogadas na barragem.
Naquele ano, foi firmado um convênio com o Corpo de Bombeiros, que mantém um batalhão vizinho à Paiva Castro. Com isso, na temporada 2000/2001, o número de afogamentos caiu para 32, enquanto os bombeiros registraram 512 salvamentos.

O convênio previa o destacamento de um salva-vidas nos pontos da barragem e do canal do Rio Juqueri, onde mais se registravam afogamentos. O acordo entre Sabesp e bombeiros, porém, foi rompido na temporada 2002/2003, que registrou 167 salvamentos e 21 afogamentos.

Presídios alimentam crescimento das invasões

A Vila Petroria não tem água encanada nem luz. Os telefones são todos extensão de uma ou duas linhas. As ruas não se transformam em um lodaçal, com a água que mina do chão, típico de região de mananciais, porque os moradores jogam cascalho rotineiramente. Mesmo assim, não pára de chegar gente nova na favela, localizada em Franco da Rocha.

Segundo os moradores, são os presídios que alimentam o crescimento populacional da ocupação ilegal às margens do canal do Rio Juqueri e da Barragem Paiva Castro. Antes da inauguração da terceira cadeia do local, a Vila Petroria era pequena. A construção de uma unidade de progressão penitenciária foi decisiva para a vila, vizinha ainda de uma unidade da Fundação Casa (ex-Febem).

Após progredirem para o regime semi-aberto, os presos e familiares encontram na região terrenos por cerca de R$ 2 mil, com escola e posto de saúde próximos, apesar da estrutura precária. "Aqui era mais barato para morar", afirma a comerciante Edvânia Cruz de Oliveira, de 35 anos. "Dava para criar os meus filhos."

Edvânia constrói uma casa de alvenaria no topo da colina, em um terreno íngreme. Ela aponta para outro lote ao lado e comenta: "Não parece, mas isso é uma rua. Eu moro na Rua Graúna, 321". "Agora, está chegando gente que não acaba mais", reclama.

O negócio recém-inaugurado de Edvânia é um brechó. Funciona em um barraco com frente para a rodovia SP-23, que corta a região, ligando Mairiporã a Franco da Rocha. Do brechó, ela sobe por uma escadaria cavada no barranco direto para sua casa.

A vila também sofre com a violência, mas já passou por dias piores, segundo o pedreiro Nilval da Silva Santos, de 49 anos. "Aqui era mal falado. Teve muita morte feia", diz. "Mas isso não tem nada a ver com esse pessoal do semi-aberto. É essa juventude mesmo, é a droga", conta.

As melhorias do bairro são promovidas pela Associação dos Moradores do Parque Petroria (Amoppre), que promove bingos cuja renda é revertida para cascalhar as ruas ou qualquer outra obra.

O comerciante Isval Oliveira, de 53 anos, elogia a união dos moradores. "Gosto de morar aqui, apesar do desleixo da prefeitura. Vivo muito bem com esse comércio, não passo por situação difícil", diz. Oliveira mantém um pequeno mercado na entrada da Vila Petroria.

Ele mora há dez anos na favela. No começo, conta, qualquer um podia andar livremente procurando um terreno no morro e construir um barraco sem pagar nada a ninguém. "Agora não dá. Já tem dono. Ninguém chega assim, sem mais, e constrói", diz, admitindo saber que os proprietários daquele imenso terreno são, na verdade, a Sabesp e o governo do Estado de São Paulo.

OESP, 08/04/2007, Metrópole, p. C1

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