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Água e esgoto ainda só no papel

O Globo, Economia, p. 51
28 de Out de 2012

Água e esgoto ainda só no papel
Quase na metade do mandato, governo Dilma investe só 22% do previsto em saneamento

DANILO FARIELLO*
danilo.fariello@bsb.oglobo.com.br
GERALDA DOCA
geralda@bsb.oglobo.com.br

ÁGUAS LINDAS (GO) e Brasília - Tristes ironias cercam Ercival Pereira de Almeida. Ao se aposentar, resolveu deixar Brasília e morar com a família em um local bucólico. Escolheu terreno no topo de um morro, onde constrói desde 1998 um sobrado. Um buraco cavado à enxada, no jardim, deixa antever a esperança de construir uma piscina. O fundo da casa dá para um lago artificial, criado por barragem que formou um reservatório de água. Mas para Almeida realizar seu sonho falta o fornecimento seguro e contínuo de água e esgoto, o que, aliás, ocorre só em metade dos domicílios brasileiros.
A maior ironia é que a cidade que Almeida escolheu para viver se chama Águas Lindas, em Goiás, na divisa com o Distrito Federal, onde está localizado o Lago Descoberto, que abastece 70% de Brasília, mas não deixa nem uma gota no município goiano.
Desde 2007, há expectativa da chegada de R$ 60 milhões do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para saneamento na cidade, além de outros milhões de um acordo entre Brasília e Goiás para instalar a rede em 31 anos, a partir de 2003. Até hoje, porém, o sistema de abastecimento de água na casa de Almeida é o mesmo de quatro anos atrás. A fossa séptica ele mesmo que construiu.
- A água que temos aqui é de poço artesiano e chega para nós de uma forma precária - lamenta Almeida.
Já quase na metade do mandato, a presidente Dilma Rousseff aplicou menos de um quarto do orçamento previsto para saneamento básico. Entre 2011 e 2012 (até a primeira quinzena deste mês), de R$ 16,094 bilhões disponíveis - somados FGTS e orçamento da União - foram desembolsados R$ 3,549 bilhões, ou 22% do programado. Para especialistas, no ritmo atual, o país não alcançará a meta de universalização do serviço até 2030 (com fornecimento público de 100% de água e 88% de esgoto).
Repetir modelo da habitação
Segundo eles, o quadro só vai mudar se o governo abraçar a causa, como fez na habitação, ao criar o Minha Casa Minha Vida com forte subsídio e com foco principal na baixa renda.
Pelos cálculos incluídos no Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), que esteve em consulta pública até setembro, seriam necessários R$ 15 bilhões por ano para atingir a meta. Em 2011, foram investidos apenas R$ 8 bilhões, somados recursos públicos e privados, de acordo com cálculos do setor e neste ano o valor deverá ser ainda menor.
A eficácia do Plansab dependerá, em parte, dos resultados das urnas neste ano, por causa da responsabilidade dos municípios em oferecer acesso a água, esgoto, drenagem e recolhimento de resíduos sólidos.
Mesmo quando contratados, muitos projetos não deslancham por falhas de concepção e resultam em bloqueios das obras. Segundo o Ministério das Cidades, dos R$ 40 bilhões previstos para saneamento no PAC 1, que vigorou de 2007 a 2010, 57% foram efetivamente executados até setembro deste ano. Pelo PAC 2, dos R$ 17,4 bilhões, 5% foram realizadas.
Ministério: não há atraso
O ministério avalia que o andamento está dentro do cronograma e não considera baixo o ritmo de execuções.
- Pelos números do próprio governo, os investimentos não atingem a universalização - disse o presidente da Associação das Empresas Estaduais de Saneamento Básico (Aesbe), José Carlos Barbosa.
De acordo com levantamento da Caixa Econômica Federal, dos R$ 9,648 reservados pelo FGTS para saneamento em 2011 e 2012, apenas R$ 2,560 bilhões foram pagos. Segundo levantamento da Consultoria de Orçamento do Congresso, dos R$ 6,446 bilhões autorizados para obras de tratamento de água e esgoto no período, só R$ 989 milhões foram desembolsados e, ainda assim, utilizando-se restos a pagar de anos anteriores.
- Os recursos não têm sido suficientes para aumentar, de forma significativa, a cobertura - reforçou o especialista em saneamento do Banco Mundial, Thadeu Abicalil.
As desculpas para a falta de investimentos no setor são as mesmas de décadas atrás: faltam bons projetos, concessionárias estão quebradas e estados e municípios não têm capacidade de tomar empréstimos. Além disso, há morosidade nas licitações. O Ministério das Cidades repassa recursos e oferece apoio, mas os projetos dependem das empresas, estados e municípios.
- Falta uma política de recuperação das empresas municipais país afora. A maioria tem uso político e são deficitárias - disse a consultora da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) Maria Henriqueta Arantes.
Enquanto queimava o lixo que nunca foi recolhido de sua casa em Águas Lindas, o pintor Bruno Inácio dos Santos via, ao longe, um asfalto novinho sendo instalado:
- Aqui a pavimentação veio antes.
Ali perto, sua vizinha Laiane Pires da Silva lembra que há algumas semanas equipes do governo deixaram "toquinhos" de madeira no chão, indicando que poderiam fazer o saneamento.
- Depois das eleições não vimos mais ninguém aqui na rua - disse ela.
*Enviado especial a Águas Lindas

Empresas vão propor isenção de PIS-Cofins
Entidade apresenta sugestões a governo em novembro

BRASÍLIA e Ceilândia (DF) O setor privado apresentará ao governo até novembro um conjunto de propostas para ajudar na universalização do saneamento básico no país. As sugestões listadas pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção Civil (CBIC), que serão entregues aos ministérios das Cidades e do Planejamento, atacam os principais gargalos que travam investimentos do setor. A primeira proposta da entidade é isentar de PIS-Cofins obras de saneamento, vinculando a desoneração a uma melhoria de eficiência e redução de perdas operacionais das empresas, principalmente as estatais.
O fim dessa cobrança foi uma promessa de campanha da presidente Dilma, lembrou o presidente das Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe), José Carlos Barbosa. Segundo ele, as companhias recolhem com PIS-Cofins R$ 2 bilhões por ano. A CBIC também vai propor que a União tenha previsão fixa de recursos não-onerosos (fundo perdido) para os municípios comprovadamente deficitários, ou seja, sem orçamento disponível para investimentos de longo prazo.
- Para o saneamento deslanchar, o governo deve oferecer recursos a fundo perdido, do Orçamento Geral da União, como no Minha Casa Minha Vida - disse Carlos Eduardo Lima Jorge, secretário-executivo da Comissão de Obras Públicas da CBIC.
PPP pode ser a solução
Também faz parte do rol de soluções para o setor, segundo a entidade, mais incentivos e melhor regulamentação para empresas privadas participarem dos sistemas de saneamento, por meio de Parcerias-Público Privadas (PPPs).
Segundo o Banco Mundial, as PPPs representam inovação nas fontes de financiamentos e deveriam ser expandidas em redes de esgoto. A instituição cita como bons exemplos de PPPs a estação de tratamento na Área de Planejamento 5 (AP5), na zona oeste do Rio, e iniciativa similar em Recife.
A CBIC vai apresentar um apelo ao governo pela melhoria dos planos para instalação de redes de água e esgoto. Segundo Carlos Eduardo Jorge, para atender à exigência legal de criação de um plano de saneamento, a maioria dos municípios tem elaborado planos de péssima qualidade, o que ajuda a travar investimentos. O ministério promete, em 2013, capacitar prefeituras para isso.
Edmilson Oliveira Silva, carroceiro de 44 anos, mora há 14 no condomínio Sol Nascente, em Ceilândia, cidade satélite de Brasília, onde já ouviu diversas promessas do saneamento que nunca veio. Ele despeja parte de seu esgoto em uma fossa que construiu e outra parte escorre pela rua.
- Em época de eleição os políticos fazem promessas, mas depois vão embora e a coisa fica igual.
Investimentos de R$ 21,6 milhões na rede coletora de esgoto no Sol Nascente e no condomínio vizinho, Pôr-do-Sol, tiveram seleção feita em janeiro de 2008 pelo PAC, mas só no início deste ano as obras começaram. (Geralda Doca e Danilo Fariello)

O Globo, 28/10/2012, Economia, p. 51

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