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Água, bem econômico e bem social

GM, Opinião, p. A3
Autor: CAMPOS, José Nilson B.
17 de Nov de 2004

Água, bem econômico e bem social

José Nilson Campos

Há necessidade de políticas que transcendam os períodos de governo. A maneira como a sociedade administra seus recursos em água tem passado por muitas transformações ao longo dos séculos e, mais acentuadamente, nas últimas décadas. Nos três primeiros quartis do século XX, predominou a busca constante e acentuada de aumentar as disponibilidades pela construção de grandes reservatórios. Nesse processo a engenharia de construção predominou e a expressão "gestão de recursos hídricos" foi inserida na linguagem dos técnicos, políticos e da sociedade em geral apenas nos anos 60. A partir de então novos conceitos e paradigmas começaram a ser debatidos. Em 1974 a Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos criou um painel mundial de conselheiros ad hoc para emitir relatório sobre tecnologias promissoras e oportunidades de pesquisas que pudessem ser aplicadas em busca de mais água para terras áridas. Foram discutidas tecnologias como reuso de águas, colheita de águas de chuvas, dessalinização e outras. Já em 1993 a Comissão em Tecnologia e Ciências das Águas organizou evento sobre o sustento de recursos hídricos", no qual foram debatidos temas como: justiça e eqüidade entre gerações e mudanças conceituais em gestão de águas. Atualmente, um dos debates em curso é: seria a água um ente dotado de valor econômico? Seria um ente dotado de valor social? Ou seria um direito humano? Enfim, o que será esse ente água? No aspecto ontológico, que trata do estudo do ser enquanto tal, as respostas podem ser encontradas sem conflitos. A água, em sendo um recurso escasso, em uma sociedade capitalista, certamente sempre encontrará alguém disposto a pagar para obtê-la. Logo, segundo as leis da economia, esse ente é dotado de valor econômico. Por outro lado, o artigo III da Declaração Universal dos Direitos Humanos estabelece que toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal. Porém, como ter direito à vida sem ter direito à água? Nessa premissa, a água é implicitamente um direito humano. Conceito referendado, em novembro de 2002, pelo Comitê da ONU para Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Ademais, em uma sociedade desigual, em que milhões de pessoas vivem abaixo da linha de pobreza, como um bem que é direito humano poderia deixar de ser um bem social? Pelo lado axiológico, o debate continua. Ao se definir a água como um bem econômico, o que se pretende é tornar seu uso mais eficiente. Ao se definir a água como um bem social, o que se busca é evitar que grande parcela da população, sem condições de arcar com os custos da água de qualidade, seja privada desse recurso essencial à vida. Ao se estabelecer a água como um direito humano, o que se pretende é simplesmente dar ênfase à água como bem social. Onde se deve buscar o ponto de equilíbrio entre esses conflitantes valores? Considerando que a gestão de águas deve inserir justiça entre gerações, há necessidade de políticas que transcedam os períodos de governo. Em outras palavras, há necessidade de uma instituição de Estado. No lado institucional, o arcabouço brasileiro, excelente em minha opinião, está em seus primeiros passos. A Agência Nacional de Águas (ANA) cumpre as funções de Estado, a Secretaria de Recursos Hídricos cumpre as políticas públicas de governo emanadas do Ministério do Meio Ambiente e os comitês de bacias fazem com que os anseios da sociedade cheguem ao governo e ao Estado. Concluindo, o grande desafio é estabelecer práticas de gestão de águas que aproximem prática e teoria e compatibilizem a água como bem econômico com a água como bem social.

José Nilson Campos - Presidente da Associação Brasileira de Recursos Hídricos

GM, 17/11/2004, Opinião, p. A3

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