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Agricultores cultivam na floresta

OESP, Agrícola, p. 6-7
05 de Dez de 2007

Agricultores cultivam na floresta
Sistema de agrofloresta permite sustentabilidade ambiental e dá garantia de renda em Ubatuba e Barra do Turvo (SP)

João Carlos Faria

O sistema de agroflorestas, que chegou ao Brasil no fim do século passado, difundido principalmente pelo suíço Ernest Götsch, conquista cada vez mais adeptos. Gõtsch, que ainda é referência desta forma de cultivar o solo, mora no norte da Bahia, numa fazenda revitalizada graças a esse sistema, variável da permacultura, que imita a dinâmica da natureza na agricultura.

Em Ubatuba, litoral de SP, seis comunidades de agricultores começam a utilizá-la em busca de sustentabilidade. Elas seguem o exemplo de Barra do Turvo (SP) e Parati (RJ). O projeto, chamado Educação Agroflorestal para o Manejo Sustentável das Comunidades Tradicionais da Mata Atlântica, está sendo adotado pelo Instituto de Permacultura da Mata Atlântica (Ipema), com recursos do Programa PDA Mata Atlântica, do Ministério do Meio Ambiente.

MANEJO

Parceiros como a Secretaria Municipal de Agricultura, Pesca e Abastecimento, Parque Estadual da Serra do Mar e Agência Paulista de Tecnologia do Agronegócio (Apta) também estão no projeto. Por enquanto os agricultores estão conhecendo o manejo, sem queimadas, adubos químicos ou capina tradicional.

Também se capacitam para extrair a polpa do palmito juçara, como renda e forma de preservar a espécie. Os frutos de juçara são colhidos sob licença do Ibama e empregados num processo de capacitação de agricultores, para a produção de polpa e sementes, numa unidade montada na Apta local.

São ações que visam à segurança alimentar, à geração de renda e à recomposição das populações naturais desta palmeira. Cada 2 quilos de frutos rendem 1 quilo de polpa. Cerca de 300 quilos de semente já foram produzidos para reposição de árvores.

EXPERIMENTOS

Quanto às agroflorestas, desde março de 2006, no Ipema, no Bairro do Corcovado, há áreas experimentais. Outras seis áreas localizadas nos Quilombos do Camburi e Fazenda, Aldeia Boa Vista, Ubatumirim e Sertão do Corcovado estão iniciando. Outras duas serão instaladas este ano.

São pequenas lavouras de milho, feijão e frutas como abacaxi e mamão, dependendo do tipo e do porte da floresta, com prioridade para plantas tradicionais, como mandioca e banana. A adubação é feita com consórcio de leguminosas como feijão-de-porco e guandu, que cobrem o solo de matéria verde. 'O objetivo é produzir na agrofloresta e fazer o manejo florestal para gerar renda, mantendo as comunidades e preservando o ecossistema', diz o biólogo responsável, Luciano Maciel Corbellini.

Agricultura recuperada em Barra do Turvo

João Carlos Faria

No Vale do Ribeira, entre São Paulo e Paraná, em 1996, quando a agrofloresta chegou, a situação era caótica, com concentração de terras e agricultura de derrubada e queimada, que rendia menos de 2 salários mínimos/ano por família. A virada começou com um curso em Barra do Turvo, promovido pelo agrônomo Osvaldo Luis de Souza e ministrado por Ernst Gõtsch.

A Cooperafloresta, associação que hoje reúne 75 famílias, assumiu a tarefa de tornar viável o cultivo em florestas. 'A regra básica da natureza é a cooperação e não a competição', diz o assessor técnico Nelson Eduardo Corrêa Neto. Nas agroflorestas de Barra do Turvo, são aproveitados os vários 'andares' que formam as florestas, dependendo do porte das árvores. São utilizadas tanto culturas como milho, feijão e mandioca, quanto o café, laranja, banana, frutas e nativas, baseadas na dinâmica e no funcionamento da natureza.

Como abelhas e agroflorestas também são boas parceiras, um projeto financiado pelo Programa Petrobrás Sem Fome está incentivando a apicultura entre os cooperados. 'Além de melhorar a produtividade, por causa da polinização, também vai gerar mais renda', diz Corrêa.

Com financiamento do Programa Petrobrás Ambiental e ajuda da Aopa - Associação para o Desenvolvimento da Agroecologia, de Curitiba (PR), a Cooperafloresta comercializa cerca de 7 mil quilos de alimentos por semana, em feiras da capital paranaense e pela Rede Ecovida, certificadora que leva os produtos a oito feiras ecológicas no País. Em dois anos, a área de agrofloresta passou de 20 para 110 hectares; a renda média mensal cresceu de 0,4 para 0,8 salário mínimo, podendo chegar a 2 salários mínimos, com a colheita da banana e outras frutas, que passaram de 40 mil para 260 mil pés; os palmitos pupunha e juçara, de 50 mil para 180 mil e o café, que tinha apenas mil pés, hoje soma 100 mil pés.

Na mesma área, 400 espécies
Café, banana, cacau, canela, além de várias plantas medicinais e lavouras anuais convivem em harmonia

João Carlos Faria

Uma das primeiras propriedades a adotarem a agrofloresta foi o Sítio Cachoeirinha, no Bairro do Taquaral, em Ubatuba. O proprietário, Washington Moreira Moura, trabalha com agricultura orgânica há mais de 30 anos e há cerca de um ano passou a trabalhar com a agrofloresta. 'Comecei intuitivamente e depois fiz curso no Ipema', diz.

O produtor acha que a saída é economicamente viável para áreas protegidas, porque permite a convivência harmoniosa com a natureza. Na feira, duas vezes por semana, ele vende cerca de 200 quilos de alimentos produzidos naturalmente, entre hortaliças, frutas e plantas medicinais, com renda média de R$ 400.

GELÉIAS

De frutas como pitanga, goiaba e jabuticaba ele faz geléias para consumo da família e para venda. Aos poucos, Moura diz que pretende ocupar com agrofloresta os 20 hectares cultiváveis do sítio, que tem área de 110 hectares, mais de 50% de Mata Atlântica. Por enquanto, ele cultiva apenas uma área de 3,5 hectares.

Nesse espaço convivem mais de 400 tipos de plantas, como café, banana, cacau, canela, cambucá, além de 36 espécies de medicinais e aromáticas, cerca de 50 variedades de pimenta, milho, feijão e diversas hortaliças e legumes. 'A diversificação sempre garante renda', explica Moura.

No sítio ele também tem 16 colméias, com uma novidade: em vez de uma rainha são duas por colméia e as caixas são montadas em sistema de 'terraços'. 'A produção dobra, podendo chegar a 80 quilos/ano por colméia', afirma. Sua intenção é ter 120 colméias.

O biólogo Corbellini aponta o rigor da legislação e a atuação da Polícia Ambiental como formas de pressão intensa sobre as comunidades tradicionais, que vivem da agricultura na região. 'O que vigora é só a proibição' diz, apontando que práticas tradicionais como a retirada do cipó para o artesanato e da madeira para a construção de canoas também são conflituosas com a legislação. 'É difícil convencer as pessoas de que elas não podem plantar mais, se elas sempre plantaram e viveram disso', afirma Corbellini. Para solucionar esses conflitos, a meta é ter um plano de manejo e uma legislação para regulamentar a extração do palmito juçara e a agrofloresta.

Informações: Ipema, (0--12) 3848-9292

Propriedade já tem 55% de mata
Em Amparo (SP), o agricultor Guaraci Diniz quer transformar 30 hectares em floresta produtiva

Tânia Rabello

Quando, em 1985, o produtor Guaraci Diniz assumiu o sítio da família, em Amparo (SP), quase não havia mata nos 30 hectares da propriedade. Duas décadas depois, o cenário é outro. Quem chega ao sítio nota algo totalmente diferente de uma propriedade agrícola convencional.

A primeira impressão é a de que Diniz 'planta' mata nativa. O que não deixa de ser verdade. Só que desta mesma mata ele tira o sustento de sua família. 'Além de recuperar e garantir a diversidade ecológica e a manutenção do ecossistema e água em abundância.' Diniz replanta a mata para dela colher frutas, grãos, sementes, plantas medicinais e outros produtos.

Com frutas como maracujá, mamão, jabuticaba, carambola e manga, produz geléias, vendidas para escolas que visitam regularmente a propriedade. A banana é transformada em passas. Além disso, colhe plantas medicinais e corantes naturais, além de milho, feijão, abóbora, mandioca, pequi, uvaia e vários outros produtos. 'Um dos princípios básicos da agrofloresta é o da luz', explica.

'É como ocorre numa floresta: quando uma árvore cai, abre uma clareira que dá oportunidade para várias sementes germinarem e, com isso, eternizar a mata', continua. 'Na agrofloresta, o homem interfere com as podas, aumentando a incidência de luz em alguns pontos da mata e permitindo o surgimento das plantas que interessam.'

Diniz conta que, dos 30 hectares, 55% já estão recobertos com florestas. 'A idéia é ter 90% da área com floresta, ou agrofloresta', continua Diniz. 'Dos 10% restantes, 5% têm um solo muito ruim e 5% são áreas de benfeitorias.'

'As atividades geram o mínimo impacto', diz. Sua propriedade é objeto de estudo do Laboratório de Engenharia Ecológica e Informática Aplicada da Unicamp, em Campinas. Em 2004, a Unicamp pesquisou todos os processos feitos na propriedade e calculou o índice de 60% de sustentabilidade e 0,4 de impacto ambiental, numa escala de um a dez.

OESP, 05/12/2007, Agrícola, p. 6-7

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