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Agora a questão é ambiental

O Globo, Economia, p. 29-30
27 de Jul de 2008

Agora a questão é ambiental
Grupo de Daniel Dantas nega, mas há denúncias de plantação de cana sem licença no Pará

Henrique Gomes Batista
Enviado especial-Xinguara (PA)

A próxima dor-de-cabeça do banqueiro Daniel Dantas, sócio do Opportunity, será a questão ambiental, ligada principalmente à empresa Agropecuária Santa Bárbara, braço de agronegócio do grupo. Trabalhadores das fazendas Espírito Santo, em Xinguara, e Cedro, em Marabá, afirmaram ao GLOBO que há plantações de cana-de-açúcar nessas unidades e em outras terras do Opportunity no Sul do Pará, visando ao lucrativo e em expansão mercado do etanol. De acordo com a Secretaria de Meio Ambiente (Sema) do estado, no entanto, a empresa não tem nem nunca pediu licenciamento ambiental para esse tipo de cultivo.
As duas fazendas somam pouco mais de dez mil hectares. Os trabalhadores, que pediram para não ser identificados por temer represálias, informaram ainda que a plantação de cana é uma das estratégias do Opportunity na região. Essa orientação consta dos planos de negócio repassados a alguns funcionários das fazendas, segundo os relatos colhidos pelos repórteres.
A Agropecuária Santa Bárbara negou, por meio de sua assessoria, que plante cana-de-açúcar nas propriedades do Pará. O fazendeiro Benedito Mutran Filho, que vendeu ao menos cinco propriedades ao grupo de Dantas, também afirmou desconhecer a existência do cultivo na região. Os repórteres do GLOBO, porém, encontraram canaviais às margens da rodovia PA-150, embora não seja possível precisar em qual fazenda.
Sema: fortes indícios de problemas
O procurador-geral do estado do Pará, Ibrahin José Rocha, afirmou que o governo do Pará desconfia de irregularidades ambientais como a relacionada à cana-de-açúcar nas terras de Dantas. Por isso, o tema da suposta compra irregular de terras merecerá uma apuração paralela.
- Esta (a investigação de passivos ambientais) será fruto da nossa investigação fundiária. Até porque temos fortes indícios de problemas ambientais (nas propriedades de Daniel Dantas) - disse.
A Sema informou que o licenciamento é necessário para o cultivo de cana-de-açúcar porque a colheita é precedida por queimadas, que têm entre seus objetivos aumentar a concentração de açúcar, o que eleva a produtividade da safra. É preciso haver controle estrito, especialmente em área de floresta, alega a autoridade. Por isso, há necessidade de autorização prévia.
Opportunity tentava vender terras
O órgão ambiental informou ainda que a prática da Agropecuária Santa Bárbara - de acordo com o relato de seus funcionários - é muito comum no estado. O produtor rural inicia uma atividade no campo e vai à Sema apenas para "legalizá-la".
Isso ocorre porque, muitas vezes, se o pedido fosse formulado antes da atividade, ele seria negado.
O órgão esclarece que não existe uma tabela de multas ambientais. O valor só é definido se houver condenação do produtor, depois de todo o processo administrativo. Segundo a Sema, o órgão pode aplicar as multas previstas na Lei de Crimes Ambientais, que podem chegar a R$ 50 milhões.
Além da cana, o braço de agronegócios do Opportunity estava planejando vender títulos de preservação de floresta, segundo conclusões da Polícia Federal na Operação Satiagraha, conforme mostrou O GLOBO há duas semanas.
Gravações telefônicas autorizadas pela Justiça confirmam que Bernardo Rodemburgo, filho de Carlos Rodemburgo, ex-cunhado de Dantas e principal executivo das atividades agropecuárias do grupo, negociava com grupos europeus a venda de títulos.
Segundo o site da instituição negociadora, pessoas poderiam comprar um acre de floresta preservada a US$ 250, ou ainda presentear outras pessoas com esses títulos. Nas ligações, Bernardo é explícito ao afirmar que o grupo possui muitas terras na Amazônia.

Caldeirão de revolta
Concentração de terras por Daniel Dantas provoca reação do MST

A ocupação, pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), da Fazenda Maria Bonita, em Eldorado dos Carajás, sextafeira, foi só um indício de que a concentração de terras em mãos de Daniel Dantas aumentou a tensão social no Sul do Pará.
Para os movimentos sociais locais, não pode haver equilíbrio onde há 80 mil sem-terra e uma empresa que concentra meio milhão de hectares - quase o tamanho dos 20 municípios do Grande Rio -, empregando 1.600 pessoas.
Para um dos integrantes da ocupação de sexta-feira, Raimundo do MST (que não quis dizer seu sobrenome), a tensão é a pior dos últimos dez anos:
- Quem nos conduz à ocupação não são os nossos pés, são os pés dos nossos filhos. Dantas está se apropriando de tudo, temos que acabar com isso.
A região foi palco do mais sangrento confronto fundiário do país: o massacre de 19 pessoas em Eldorado dos Carajás, em 1996. Os sem-terra se revoltam contra a aquisição de terras por Daniel Dantas, pois algumas são consideradas públicas pelo estado. Para Jailton Bezerra, do MST, as desigualdades mantêm o movimento forte. Diante do memorial das vítimas do massacre, ele diz que a lembrança das mortes incentiva o engajamento dos jovens:
- Quando passamos aqui, lembramos que não lutamos em vão.
Também há queixas de tratamento desigual. O Acampamento Sardinha, que a Liga dos Camponeses Pobres mantém há um ano e meio em Redenção, com 70 famílias, nunca foi visitado pelo Iterpa, o Incra local.
- Não podemos produzir nada, o pessoal do meio ambiente não deixa a gente mexer em um graveto. Mas amigos que trabalham nas fazendas da Santa Bárbara contam que estão derrubando árvores, que compraram tratores para isso - acusa Edmar Souza, da Liga.
Os moradores esperam, a qualquer instante, novas invasões às propriedades da Agropecuária Santa Bárbara, braço agrícola do Opportunity. Eles contam que nos últimos dias aumentou o número de policiais na região. (Henrique Gomes Batista, enviado especial)

Compra de fazendas de Dantas pode causar prejuízos de R$ 500 milhões Empresa afirma que as propriedades estão em fase de regularização

Henrique Gomes Batista
Enviado especial

O banqueiro Daniel Dantas é um homem de superlativos. Suas atividades agropecuárias lhe rendem o título de cidadão com mais terras no Pará: 510 mil hectares, gleba pouco menor que todo o Distrito Federal, distribuídos por 43 fazendas em nove cidades.
Nesta imensidão pastam 500 mil bois, rebanho que deve ser duplicado até 2010. O sócio do Opportunity, porém, também já é considerado por autoridades locais seu maior problema fundiário. Seu reinado na região de Marabá pode ter causado um rombo de meio bilhão de reais aos cofres públicos, o que deve fazer de Dantas o principal réu do Pará ainda este ano, segundo a Procuradoria Geral do Estado.
O grupo é suspeito ainda de plantar cana-de-açúcar, visando à produção de etanol, sem licenciamento ambiental.
- Sem dúvida nenhuma Daniel Dantas é o nosso caso mais emblemático e importante no esforço que estamos fazendo para regularizar a situação fundiária no Pará - afirma o procurador-geral do estado, Ibrahim José Rocha
A ofensiva é decorrente dos métodos que Dantas utilizou para montar seu império. A Agropecuária Santa Bárbara Xinguara, braço de agronegócio do grupo de Dantas, adquiriu propriedades que estavam em aforamento - autorização para a exploração de terra pública - que, em tese, não poderiam ser vendidas, segundo o governo.
Outros empresários adquiriram terra da mesma forma.
Vendedor fica com as pendências dos imóveis
Além disso, o grupo, segundo Rocha, utiliza uma profusão de contratos de gaveta, que dificultam a investigação das origens dos recursos e da real titularidade das terras. O GLOBO teve acesso a alguns destes documentos que estabelecem, entre outras coisas, que caberá ao vendedor resolver todas as pendências dos imóveis no governo do Pará - o que, para alguns especialistas do mercado, significa uma assunção da irregularidade jurídica dos imóveis por parte dos compradores.
Este é o caso da Fazenda Cedro, uma espécie de "fazenda modelo" de 4 mil hectares em Marabá: adquirida há dois anos do pecuarista Benedito Mutran Filho, ela continua registrada em seu nome no cartório local, apesar de ser administrada pela Santa Bárbara, que ostenta seu nome em um grande pórtico na propriedade. Este tipo de entrada, aliás, se repete nas outras propriedades do grupo, sempre muito bem vigiadas por seguranças armados e pela comunicação por rádio entre funcionários uniformizados, se destacando em relação às demais fazendas da região.
- Isto dificulta a investigação, mas sabemos que ele (Dantas) é o proprietário deste imóvel e de outros que estamos pesquisando, junto a um levantamento inédito das propriedades do estado - informou José Helder Benatti, presidente do Instituto de Terras do Pará (Iterpa).
Benatti sustenta que o problema de Dantas não é apenas com a compra de terras de aforamento e seus contratos de gaveta. Segundo ele, o Iterpa identifica fortes indícios de compra de terras griladas:
- Em dois anos eles adquiriram mais de meio milhão de hectares. Acompanhamos, há quatro anos, uma tentativa da Vale de comprar cem mil hectares legalizados e ela não conseguiu. Porque praticamente não há terras legais disponíveis no estado, apenas 20% do total.
O procurador do estado acredita que, somando os casos de compra por aforamento e de fazendas em áreas "griladas", o prejuízo que Dantas causou ao estado pode chegar a R$ 500 milhões. Só a Fazenda Cedro foi vendida, segundo o mercado local, por R$ 85 milhões.
O vendedor da Cedro, Benedito Mutran, afirma que não tem a obrigação de confirmar o valor porque já o teria informado à Receita Federal. Segundo ele, a propriedade já estava escriturada em seu nome e, assim, não era necessário pedir autorização para vendê-la, embora a legislação estadual diga o contrário.
Ao ser questionado por que a fazenda ainda está em seu nome no cartório de Marabá, Mutran alterou sua versão:
- Ela ainda está em processo de venda. Tenho uma promessa de compra e venda com Carlos Rodemburgo (ex-cunhado de Dantas e dirigente da Santa Bárbara, que também teve a prisão pedida na Operação Satiagraha) e vou transferi-la após a conclusão do pagamento.
O presidente do Iterpa afirma que não se trata de uma investigação específica contra Dantas, mas de tentar regularizar as terras públicas do estado, algo que sempre gerou conflitos.
Este levantamento ficará pronto entre o fim de agosto e o começo de setembro.
- Ao concluirmos este levantamento, vamos tentar resolver o problema destas fazendas e acionar Dantas, inclusive judicialmente, ainda este ano - disse o procurador, segundo o qual o grupo do banqueiro será o maior réu do Pará tanto em valores cobrados quanto em importância do caso.
Ele disse que não está certo se o governo tentará receber os valores das propriedades ou se tentará obter sua posse real, para revendê-las ou fazer reforma agrária. Isso será decidido no momento oportuno.
Santa Bárbara diz que compra foi legal
Em nota, a Santa Bárbara informou que não procedem as acusações de irregularidades nas negociações que efetuou no Sul do Pará. A empresa confia que o processo de investigação do governo estadual vai concluir que a compra das terras foi legal.
O grupo informou ainda, por meio de sua assessoria, entender que as propriedades de Mutran não eram mais aforamentos quando foram adquiridas pela Santa Bárbara e sustentou que está em curso um processo de regularização junto ao Iterpa de seis dos 11 lotes comprados do empresário. O instituto, porém, diz que para obter a regularização, a Agropecuária Santa Bárbara terá que comprovar a exploração de castanhas nas terras, como prevê a legislação.

Incentivo aos castanhais

Grande parte dos problemas fundiários do Pará é decorrente de políticas da década de 50, que visavam a incentivar a produção da castanha-do-pará. Nesta época, o estado decidiu conceder a poucos empresários a exploração dos castanhais, o chamado aforamento. A terra continuaria do estado, mas os resultados seriam do empreendedor, que recolheria apenas uma porcentagem ao governo, uma espécie de royalty. De acordo com o Instituto de Terras do Pará (Iterpa), foram concedidos 178 aforamentos em 11 municípios da região de Marabá.
Diversas leis foram sendo editadas entre os anos 60 e 70, criando ainda mais facilidades aos "concessionários", como a possibilidade de ampliar em 50% a área de aforamento. Com estes benefícios, eles foram deixando de explorar castanhas e aumentaram o desmatamento, para introduzir novos cultivos e a pecuária.
Posteriormente, foi permitida aos empresários a compra das terras pagando ao governo 10% do valor de mercado. Como grande parte já não produzia castanhas, quase nenhum regularizou a situação.
Outra lei também permitiu o repasse das terras a terceiros, desde que mantida a exploração de castanhas, mediante aprovação prévia. O governo receberia laudêmio.

O Globo, 27/07/2008, Economia, p. 29-30

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