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Agora falta o fazendeiro

O Globo, País, p. 4
23 de Fev de 2005

Agora falta o fazendeiro

Apolícia diz estar cada vez mais perto de provar que o fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, foi o mandante da morte da missionária americana Dorothy Stang, há 11 dias, em Anapu, no Pará. Ontem, os policiais encontraram na fazenda ocupada por Bida o revólver calibre 38 que teria sido usado no crime. A arma estava escondida num cupinzeiro, no tronco de uma árvore, a 1.500 metros da sede da propriedade. Os policiais acharam o revólver com a ajuda de Rayfran das Neves Sales, acusado de ter executado a freira. Outro pistoleiro, Clodoaldo Carlos Batista, o Eduardo, preso anteontem à noite, também deu informações para a localização da arma. O Ministério Público do Pará anunciou que já tem provas para indiciar Bida como mandante do assassinato.

Outros grandes proprietários de terras também estão sendo investigados. A polícia vai averiguar a possibilidade de mais gente estar envolvida no crime, já que a morte da freira interessava à maioria dos fazendeiros de áreas vizinhas aos assentamentos defendidos por Dorothy. Dos acusados de matar a missionária com prisão preventiva decretada pela Justiça, Bida era o único foragido até ontem.

Anteontem à noite, soldados do Exército, policiais civis e federais prenderam Clodoaldo Carlos Batista, o Eduardo, que até agora vinha sendo identificado com o nome de Uilquelano. Ele é suspeito de ter ajudado Rayfran a executar a missionária. Eduardo foi encontrado no município de Belo Monte, a 60 quilômetros de Altamira.

O fato de a suposta arma do crime ter sido encontrada na fazenda de Bida ajuda a polícia e o Ministério Público a reforçar a tese de que ele está diretamente envolvido no assassinato. Ao ser interrogado ontem pela Polícia Federal, Eduardo complicou ainda mais a situação do fazendeiro.

— Bida está envolvido e vai ser indiciado como mandante — disse o promotor Sávio Brabo.

Pistoleiros falaram com missionária

No depoimento, Eduardo confirmou que ele e Rayfran conversaram com Dorothy momentos antes do crime. Contou que a freira ainda leu para eles dois versículos da Bíblia. Logo depois, foram feitos os disparos.

Os depoimentos confirmam que apenas Rayfran atirou. Eduardo estava na retaguarda, segundo a polícia. Mesmo assim, ele será acusado de homicídio. O primeiro laudo pericial das balas indicava que, além de um revólver, uma pistola teria sido usada na execução. Agora, a polícia diz que teria havido um erro da perícia.

Eduardo contou à Polícia Federal ter combinado com Rayfran de, no caso de serem presos, dizer à polícia que o crime fora encomendado por Francisco de Assis de Souza, o Chiquinho do PT, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Anapu e aliado da missionária. A versão chegou a ser contada por Rayfran no depoimento que prestou à Polícia Civil, na segunda-feira. Horas depois, ele voltou atrás num segundo interrogatório, desta vez na PF. Os dois haviam pensado em envolver Chiquinho no crime para atrapalhar as investigações.

Eduardo deu detalhes que Rayfran omitira. Contou que os dois dividiriam com Amair Feijoli da Cunha, o Tato, os R$ 50 mil prometidos em troca da execução. Tato é acusado de ter contratado os dois pistoleiros para matar Dorothy. Ontem, a polícia pôs os três frente a frente. Na acareação, os dois pistoleiros acusaram Bida e Tato.

— O crime está elucidado. Só falta mesmo a prisão de Bida — disse o delegado Waldir Freire.

Em Anapu, no final da tarde, o vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Anapu, Gabriel Domingos Nascimento, foi ameaçado de morte por meio de um bilhete deixado na sede do sindicato. O bilhete com a ameaça foi encaminhado ao ministro Nilmário Miranda. Nascimento não registrou queixa na polícia.

Mau cheiro facilitou localização de pistoleiro

ALTAMIRA (PA). O mau cheiro de quem estava há dias embrenhado na floresta fugindo da polícia ajudou o Exército a capturar Clodoaldo Carlos Batista, o Eduardo, apontado como um dos responsáveis pela execução da irmã Dorothy Stang. Era noite de anteontem quando uma patrulha de homens do Exército e das polícias Civil e Federal fechou o cerco nas proximidades do cais da balsa que liga os municípios de Belo Monte e Altamira. As tarefas foram divididas. Aos soldados do Exército, acostumados com a selva, coube entrar no mato. E foi o odor que levou um militar a encontrá-lo.

A primeira pista para a prisão de Eduardo partiu do depoimento de Rayfran das Neves Sales, parceiro dele na execução da missionária. Rayfran revelou que, antes de fugirem para lados opostos, haviam marcado para anteontem um encontro à margem do Rio Xingu, perto da balsa para carros, num trecho da rodovia Transamazônica. Com a certeza de que Eduardo estava por ali, fechou-se o cerco. Ele foi capturado no fim da noite.

Na delegacia da Polícia Federal, banho foi primeira providência

O mau cheiro de Eduardo era muito forte. Tanto que, tão logo chegou à delegacia da Polícia Federal em Altamira, a primeira providência dos agentes foi mandá-lo para o banho. O detalhe não é o único a tornar folclórica a captura. Até pouco tempo antes de ser preso, a polícia vinha informando que a identidade verdadeira de Eduardo era Uilquelano Pinto.

Só depois de prendê-lo é que se descobriu que, nos documentos, consta o nome de Clodoaldo Carlos Batista. Eduardo, como ficou conhecido na região de Anapu, é capixaba, tem 30 anos e foi levado para o Pará por Amair Feijoli da Cunha, o Tato, acusado de ser o intermediário do crime. Eduardo ajudou a polícia a encontrar o revólver 38 na fazenda de Vitalmiro Moura, o Bida. A arma estava num plástico preto. Os policiais puseram a arma num saco plástico e a enviaram para a perícia.

A confusão com o nome acabou transformando em procurado da polícia um homem que, em princípio, não teria ligação com o crime. O verdadeiro Uilquelano Pinto é um colono ligado a Tato. O delegado que preside o inquérito, Marcelo Ferreira, disse que o nome dele foi retirado de uma ocorrência policial em que assentados ligados à freira denunciavam estar sendo ameaçados por Tato. Tato depusera em janeiro, negara as ameaças e sugerira Uilquelano como a testemunha que poderia confirmar sua negativa. Um outro delegado disse que é praxe na polícia usar um "nome qualquer" no inquérito quando a identidade verdadeira é desconhecida.

Na segunda-feira à noite, o juiz do caso, Lucas do Carmo de Jesus, suspendeu o segredo de Justiça que decretara à tarde para evitar a divulgação dos detalhes do inquérito. Ele deixou a cargo da polícia a decisão de revelar ou não os passos da investigação. O pedido de segredo fora feito pelo Ministério Público por causa do depoimento de Rayfran que apontava Chiquinho do PT como mandante da morte. Para a promotoria, a divulgação da versão poderia complicar o trabalho da polícia.

Estavam vazando muita informação disse o promotor Sávio Brabo. (Rodrigo Rangel)

O Globo, 23/02/2005, País, p.4

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