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Agenda positiva, clima e parceria estratégica: Qual o resultado prático da visita de Macron a Lula?

OESP - https://www.estadao.com.br/
28 de Mar de 2024

Agenda positiva, clima e parceria estratégica: Qual o resultado prático da visita de Macron a Lula?
Giro de Macron por cidades brasileiras reforça questão climática como ponto comum para Brasil e França e visa colocar Lula como liderança ambiental, segundo analistas

Daniel Gateno

28/03/2024

Investimentos, aumento de parceria estratégica e reforço na liderança ambiental foram alguns dos temas da agenda entre o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e o presidente da França, Emmanuel Macron, que se encerra nesta quinta-feira, 28, em Brasília, após três dias de viagem.

A passagem de Macron pelo Brasil fez parte de uma agenda positiva que visava beneficiar tanto o presidente francês quanto o brasileiro em meio a uma queda na popularidade dos dois governantes, segundo analistas entrevistados pelo Estadão.

"O principal foco da visita foi tentar retomar a projeção do Brasil em cima da ideia de que o país é uma liderança ambiental", afirma Daniel Buarque, pesquisador do pós-doutorado do Instituto de Relações Internacionais da USP e editor-executivo do portal Interesse Nacional. Já Macron busca se posicionar como um líder global na luta contra o aquecimento global, tema importante para o público francês.

A questão climática é importante independente dos partidos na França, diz o professor de relações internacionais da FGV-SP, Vinicius Rodrigues. "Até Marine Le Pen, que é de extrema direita e foi adversária de Macron em duas eleições, ressalta a temática".

Liderança ambiental

A primeira parada de Macron no Brasil já ditou qual seria o foco da viagem. O presidente francês desembarcou em Belém na terça-feira, 26, foi recebido por Lula e visitou a Ilha do Combu para conhecer a produção artesanal de cacau. Condecorou o líder indígena Cacique Raoni, da etnia Kaiapó, com a medalha da Ordem Nacional da Legião de Honra, a mais alta condecoração da França e prometeu apoiar a causa indígena.

Lula e Macron anunciaram também um programa que pretende investir 1 bilhão de euros (R$ 5,4 bilhões) na bioeconomia da Amazônia brasileira e da Guiana Francesa, território ultramarino da França na América do Sul. Os investimentos devem ser direcionados principalmente para ações de conservação e manejo sustentável das florestas e o planejamento e valorização econômica dos ecossistemas e áreas florestais.

Para Buarque, esta é uma oportunidade do Brasil de focar em um tema que consegue ter mais relevância e protagonismo. "Não tem nenhum outro país que está levantando a bandeira ambiental como sua principal bandeira e o Brasil pode fazer isso, pode deixar de lado as controvérsias em relação à Ucrânia e a guerra em Gaza e focar nisso. Se o País fizer isso, não haverá muita competição. Este pode ser o foco do governo Lula", destaca o pesquisador do Instituto de Relações Internacionais da USP.

Brasil e França encontraram um ponto em comum na questão climática, aponta Carolina Pavese, professora de relações internacionais da ESPM-SP e especialista em Europa. "Ano que vem o Brasil vai sediar a COP 30 em Belém, então ter um encontro entre Lula e Macron na cidade é muito simbólico".

Apesar disso, Buarque avalia que a possível exploração de petróleo na bacia do rio Amazonas, no Estado do Amapá, pode prejudicar a colocação do Brasil como liderança ambiental. O Cacique Raoni também mencionou um ponto incômodo ao governo Lula durante a sua cerimónia de condecoração ao pedir que o presidente brasileiro não permita a conclusão das obras de uma das principais ferrovias de interesse do agronegócio brasileiro, a "ferrogrão", entre Sinop (MT) e Mirituba (PA). A ferrovia sofre objeção de indígenas e ambientalistas por causa dos possíveis impactos na conservação florestal, mas é considerada estratégica para o escoamento da produção do Centro-Oeste.

Abertura com o Ocidente

A pomposa agenda de Macron no Brasil também ressaltou a linha do Itamaraty de que o Brasil não está alinhado com um eixo anti-Ocidente, representado por Rússia e China, e que consegue manter boas relações com todos os países.

Lula se envolveu em diversas polêmicas desde o início de seu mandato em janeiro de 2023, com declarações consideradas favoráveis ao presidente da Rússia, Vladimir Putin e críticas contundentes à ofensiva israelense na Faixa de Gaza. "A visita sinaliza que o Brasil continua interessado na pluralidade de parcerias, que não deu as costas para o Norte Global", afirma a professora de relações internacionais da ESPM-SP e especialista em Europa.

Apesar de nunca ter rompido com o Ocidente, a agenda de Lula e Macron ocorre em um clima mais tranquilo do que a visita do Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, em fevereiro, que aconteceu logo após Lula comparar a atuação das Forças de Defesa de Israel (FDI) na Faixa de Gaza ao Holocausto.

"Eles não perderam tempo brigando por assuntos que não concordam, Os dois estão no Brasil para divulgar uma agenda em comum para o público interno", diz Buarque. A intenção foi reforçada pelas fotos divulgadas pelo Planalto, que mostram Macron e Lula de mãos dadas e em clima amigável em Belém e no Rio de Janeiro. Em novembro de 2021, Lula foi recebido por Macron no Palácio do Eliseu em Paris com honrarias de chefe de Estado. O presidente francês não tinha uma boa relação com o mandatário brasileiro na época, o ex-presidente Jair Bolsonaro.

Investimentos

O tour de Macron pelo Brasil também passou por Rio de Janeiro e São Paulo na quarta-feira, 27. Em uma cerimônia no Porto de Itaguaí, no Rio, a primeira-dama Rosangela da Silva, a Janja, batizou um dos cinco submarinos de uma parceria entre Brasil e França.

A embarcação que foi chamada de Tonelero foi construída no Brasil pelo Programa de Desenvolvimento de Submarinos (PROSUB), parceria firmada entre Brasil e França em 2008, durante o segundo mandato de Lula. O Tonelero é o terceiro submarino convencional com propulsão diesel-elétrica construído totalmente no Brasil.

Durante a cerimônia de inauguração do submarino, Macron defendeu um aumento da parceria entre Brasil e França, ressaltando que os dois países "compartilham a mesma visão de mundo e rejeitam a conflituosidade".

A professora de relações internacionais da ESPM, Carolina Pavese, ressaltou que os países têm o potencial de ampliar ainda mais o comércio nos setores de ciência e tecnologia e que os franceses podem contribuir para o processo de reindustrialização do Brasil. Segundo dados do Banco Central, a França é o terceiro maior investidor no Brasil, com mais de US$ 38 bilhões.

O presidente da França desembarcou no Brasil com uma comitiva de 140 empresários que querem atrair investidores brasileiros a Paris. A comitiva inclui empresários ligados a soluções ambientais, bioeconomia, proteção florestal e conservação de espécies.

"É interessante que investidores brasileiros aumentem o seu aporte na França. O Brasil pode extrair benefícios deste engajamento e potências menores como Índia, Turquia e África do Sul já fazem esse movimento de investir em áreas que são carentes na Europa e que os investidores do Sul Global tem força para movimentar", aponta Vinicius Rodrigues, da FGV-SP.

Mesmo com o intuito de não tocar em temas indigestos para os dois países, Macron reforçou ser contra o acordo Mercosul-União Europeia neste momento. Durante sua participação no Fórum Econômico Brasil-França na Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), o presidente francês defendeu a criação de um novo acordo.

"O acordo Mercosul-UE como está sendo negociado agora é um péssimo acordo. Foi negociado há 20 anos", afirmou no discurso de fechamento do evento. "Acho que tem que se considerar [no acordo] a biodiversidade e o clima, e isso não está, por isso não dá para defender, eu não defendo."

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