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Africana ganha Nobel da Paz

O Globo, O Mundo, p. 31
Autor: MAATHAI, Wangari Muta
09 de Out de 2004

Africana ganha Nobel da Paz
Ambientalista que luta contra desmatamento no Quênia torna-se a primeira mulher agraciada no continente

OSLO

Muitas guerras no mundo são na verdade travadas por recursos naturais.
Ao controlar nossos recursos, plantamos sementes da paz", disse Wangari Maathai. A queniana que mobilizou africanas numa cruzada contra o desmatamento, que já plantou 30 milhões de árvores, colheu ontem o prêmio Nobel da Paz. 0 anúncio, feito na Noruega, faz dela a primeira africana a receber o prêmio de US$ 1,3 milhão e a coloca numa lista onde estão nomes como Nelson Mandela, o Dalai Lama e Martin Luther King.
A feminista e ambientalista Wangari, de 64 anos, é vice-ministra de Meio Ambiente do Quênia. Começando em 1977 com uma pequena estufa em seu quintal, lançou o Movimento Cinturão Verde, organização formada em sua maior parte por mulheres.
- Não posso receber nada melhor. Talvez só no céu - disse Wangari, que comemorou plantando uma árvore em sua cidade natal, Nyeri, à sombra do Monte Quênia. - Nunca vi tanto dinheiro na minha vida. Parte dele vai para programas ambientais.
0 prêmio, que será entregue no dia 10 em Oslo, gerou controvérsia. Ele frustrou as especulações, centradas nos conflitos no Oriente Médio e que apontavam como favoritos pessoas como Mohamed El-Baradei, da Agência Internacional de Energia Atômica.
- Não se dá o Nobel de Química para um professor de economia - criticou Carl Hagen, líder do Partido Progressista, de extrema-direita, na Noruega. - O Nobel da Paz devia homenagear a paz, não o meio ambiente.
Uma nova dimensão ao prêmio
Ao explicar a escolha, Ole Danbolt Mjoes, presidente do comitê, declarou:
- Acrescentamos uma nova dimensão ao conceito de paz. Enfatizamos o meio ambiente, a construção da democracia e especialmente os direitos da mulher.
Embora Wangari não seja muito conhecida pelo público em geral, ela já é uma lenda entre ambientalistas e feministas. Ela já foi descrita como "ecofeminista", "eco-humanista" e "a militante verde do Quênia".
Seu movimento combate o desmatamento, um processo que devastou 90% das florestas de seu país nos últimos 50 anos. Enquanto crescia, Wangari viu o Quênia verde de sua infância se tornar poeirento.
- Na nossa língua, não tínhamos uma palavra para deserto, porque nunca tínhamos visto um - disse Wangari no documentário "Crossing the Divide", do Programa das Nações Unidas para o Meio ambiente.
Ela observava que as mulheres gastavam cada vez mais tempo para encontrar lenha para cozinhar. No final dos anos 70, já formada em ciências em universidades americanas e professora da Universidade de Nairóbi, sugeriu o plantio de árvores para ajudar moradoras da zona rural. O raio de ação aumentou ao defender direitos humanos e democracia e, mais tarde, ao protestar contra o regime do então presidente Daniel Arap Moi, quando este quis erguer um arranha-céu na única área verde de Nairóbi. Os protestos de Wangari espantaram investidores e hoje a parte do parque que seria destruída é conhecida como "esquina da liberdade".

Entrevista
Wangari Maathai
Chico Mendes também merecia

Ambientalista diz que se houvesse mais investimento em educação, africanos também ganhariam prêmios
Por seu trabalho a favor do meio ambiente, a bióloga queniana Wangari Maathai, de 64 anos, sofreu muito. Foi presa dezenas de vezes quando os ecologistas e ativistas de direitos humanos na África eram vistos como subversivos. Wangari, doutora em biologia por uma universidade alemã, sofreu represálias na própria família por suas atividades atípicas para uma mulher africana. Seu marido pediu o divórcio, alegando que ela era "muito emancipada e bem-sucedida". Depois de uma entrevista à TV queniana, ela falou ao GLOBO, por telefone, afirmando que Chico Mendes também merecia o prêmio. Ela disse ter visto com satisfação um partido de esquerda e defensor dos direitos humanos (o PT) chegar ao poder no Brasil.

Graça Magalhães-Ruether
Correspondente Berlim

O Globo: Em abril, quando a senhora esteve em Berlim para receber o Prêmio Petra Kelly, disse que os países em desenvolvimento estão cada vez mais conscientizados em relação ao meio ambiente. O Prêmio Nobel vai aumentar os direitos dos ecologistas na África?

Wangari Maathai: 0 prêmio vai ter um grande efeito no aumento da conscientização e do número de pessoas preocupadas com o meio ambiente. E deve aumentar também os direitos dos ecologistas porque agora os governos dos diversos países verão mais concretamente a importância do nosso trabalho. Mas já no passado houve uma grande mudança. Eu já fui presa várias vezes, recebi muitas pancadas pelo meu trabalho. E eu não queria revolução, apenas defender o meio ambiente, plantar árvores, porque com o equilíbrio da natureza aumentamos as nossas chances de sobrevivência.

Houve muita resistência dos quenianos quando a senhora foi nomeada vice-ministra?

Wangari: Não, porque o governo já havia mudado. Na época de Daniel Arap Moi, um tirano autocrata que não valorizava o povo queniano, seria impensável que o meu trabalho fosse aceito pelo governo. Mas com a democratização, o presidente Mwai Kibaki me convidou para ser vice-ministra. Eu aceitei, mas disse logo que não queria apenas estar ali como álibi ecológico, mas atuar e exigir que o governo cumpra as suas promessas. Agora lutamos pelas árvores e por todo o meio ambiente, pelos animais e pelos direitos das mulheres e das minorias.

Como foi o início do seu trabalho apoiando as mulheres do campo?

Wangari: Foi com o trabalho com as mulheres que tudo começou. Eu sempre me preocupei com o que acontece ao meu redor e me concentrei em buscar soluções para os problemas que via. Quando falava com as mulheres simples do campo - aqui no Quênia as mulheres são as principais responsáveis pelo trabalho na agricultura - elas reclamavam que não tinham mais lenha para cozinhar porque não havia mais árvores. Aí pensei comigo: e se todos nós começarmos a plantar árvores?

Resolvemos esse problema e melhoramos a qualidade do solo, combatendo a erosão, e melhoramos também o ar que respiramos. Até hoje, já conseguimos plantar 30 milhões de árvores, não só no Quênia, mas também em alguns países vizinhos que a( aderiram a nossa associação, chamada de Movimento Cinturão Verde.

Havia no início do movimento ecológico intercâmbio entre os verdes africanos, os europeus e os ecologistas brasileiros?

Wangari: Não, porque cada país tinha as seus próprios problemas. Em cada região do mundo, o objetivo da luta era diferente, mas em todos a preocupação era ecológica. Eu acompanhava de perto o que acontecia na Europa, de onde tiramos inspiração para criar o nosso partido verde. No Brasil, acompanhava também o trabalho de Chico Mendes, que lutava pela preservação das árvores da Amazônia. Ele também teria merecido o prêmio. E acompanhei também, com satisfação, a democratização do Brasil, um país que admiro, e gostei de ver um partido de esquerda e defensor dos direitos humanos chegar ao poder.
Os países do Primeiro Mundo acusavam os países em desenvolvimento de destruir o meio-ambiente.
No caso do Quênia, com o aumento do trabalho ecológico há mais ajuda financeira internacional para a realização de projetos?

WANGARI: Há ajuda, mas ainda não o bastante. No caso do Quênia, temos a sorte de sediar em Nairóbi o Pnuma, o programa da ONU para o meio ambiente, que vê mais de perto os nossos problemas e tem nos ajudado também financeiramente. A necessidade de recursos, porém, é muito maior.

No ano passado, a iraniana Shiri Ebadi recebeu o Prêmio Nobel da Paz. Ontem, a austríaca Elfriede Jelinek ganhou o Nobel de Literatura. Hoje é a vez da senhora. Por que, na sua opinião, a comissão organizadora do Nobel premia cada vez mais mulheres, porque há mais mulheres no comitê que decide?

WANGARI: Eu acho que hoje o número de mulheres que exerce um papel importante na sociedade é maior e daí aumenta também a probabilidade de reconhecimento. Mesmo na África há um manancial de talentos enorme. Se houvesse mais chances de educação, os países do continente teriam mais chances também de receber os prêmios científicos.

O Globo, 09/10/2004, O Mundo, p. 31

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