VOLTAR

Adotados por famílias brancas, xavantes têm prazo para retornar às aldeias

Correio Braziliense-Brasília-DF
Autor: Bernardino Furtado
14 de Abr de 2003

Em julho próximo, a reserva xavante do Rio das Mortes celebrará a maior festa dos últimos 15 anos. Será o derradeiro rito de iniciação dos meninos internados no Hö, a casa dos solteiros, ou, numa tradução conceitual, a escola espiritual dos xavantes. A grandiosidade da festa decorre do aumento da população. Há muito tempo não se conseguia reunir tantas crianças. No centro da aldeia Pimentel Barbosa, a mais antiga e populosa da reserva, estarão em posição de destaque os xavantes enviados, na década de 70, pelo velho cacique Apowê, para serem educados em Ribeirão Preto. O grupo produziu três caciques - Suptó Wa'iri, André Suruprédo e Cipatsé - e o vice-cacique Paulo Supretaprã. Os demais - José Paulo, Roberto, Tsetetó e Siridiwê - gozam de notório prestígio na comunidade.

Numa sociedade de consumo, vale perguntar, porém, se a conquista de um lugar de liderança social compensa a troca da vida de classe média na cidade pelo cotidiano da aldeia. Em suas ocas sem eletricidade, banheiro e água corrente, Suptó e seus companheiros enfrentam borrachudos no verão e carrapatos no inverno. O Correio mostrou como é a vida dos xavantes que são adotados por famílias brancas em Ribeirão Preto (SP). (Veja em matérias relacionadas). Mas o retorno - obrigatório - ás vezes é tão complicado quanto a ida.

Roberto, de 43 anos de idade, enumera as vantagens de viver na aldeia. ''Aqui é a liberdade, não temos que seguir aquele monte de regras da cidade e não se paga imposto''. Confessa, porém, que, ao voltar à aldeia em 1980, sentiu muita falta da comida feita com óleo, da carne diária à mesa, dos filmes de bangue-bangue e dos programas de Sílvio Santos. Sofreu também para se acostumar à falta das músicas de Roberto Carlos. ''Agora já passou. Sou feliz aqui'', afirma.

Vídeos e discos

José Paulo, de 42 anos, só lamenta não ter podido estudar além da sexta série. ''Eu gostava de escola. Poderia ter virado advogado.'' Em 1980, ele voltou à aldeia para se casar. Tirou carteira de motorista e conseguiu um emprego na Fundação Nacional do Índio (Funai), que lhe garante, atualmente, um salário de R$ 1.300. Assumiu mais duas mulheres e teve 12 filhos. Para garantir alimento, planta roças com os irmãos, cunhados e genros.

As justificativas prosaicas de Roberto e José Paulo não conseguem ocultar o fundamental: o profundo sentimento de fidelidade étnica. Amados por seus pais adotivos, alguns abastados, poderiam ter lhes cobrado apoio para se manter na cidade. Nem mesmo aqueles que quebraram tabus tribais se conformaram com a rejeição na sociedade original. Siridiwê, por exemplo, se uniu a uma mulher não-índia, com quem teve um filho. Depois de um longo ostracismo, conseguiu ser aceito na reserva. Desempenha o papel de divulgar a cultura xavante e buscar patrocínios para a produção de vídeos e discos.

Cipatsé casou com Siveriah, uma índia Karajá, etnia inimiga dos xavantes. Passou meses brigando com os parentes até conseguir a bênção para o casamento numa cerimônia tradicional de seu povo. Acabou sendo ungido cacique da aldeia Wederã, para onde levou Siveriah para dirigir a escola. ''Lutei para que meu casamento fosse aceito porque eu e minha companheira queríamos trabalhar para a comunidade'', lembra Cipatsé.

Para voltar ao meio xavante, Paulo Supretaprã teve de pôr fim a um noivado. Ele atribui o rompimento à oposição da família da moça. Com 18 anos de idade e empregado numa indústria de sapatos, Supretaprã parece ter sentido mais as pressões contrárias dos parentes, que foram a Ribeirão Preto buscá-lo, e dos pais adotivos. ''Fiquei com muita raiva'', conta o vice-cacique de Pimentel Barbosa, casado, dez filhos e professor de ensino fundamental na aldeia, com salário de R$ 270. A manutenção da cidadania xavante lhe deu compensações. Depois de visitar cinco países da Europa para exibições de dança, ele quer conhecer o Egito.

Como convém a um cacique, Suptó garante que nunca teve dúvida sobre o lugar que deveria ocupar no mundo. Educado por um procurador da Fazenda Nacional e uma professora, Suptó orgulha-se de ter sido escolhido cacique aos 25 anos de idade graças ao dom de falar com os espíritos. Como chefe político, goza de dois privilégios visíveis. Na sua oca está instalada a única televisão da aldeia - de 18 polegadas - e tem prioridade para pilotar uma vistosa caminhonete F-250. Quando se dirige à cidade para levar doentes e buscar remédios, coloca em alto volume uma fita de música xavante no toca-fitas.

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.