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Acusado no caso Dorothy pega 30 anos de prisão

OESP, Nacional, p. A10
16 de Mai de 2007

Acusado no caso Dorothy pega 30 anos de prisão
Um dos mandantes do crime, fazendeiro Bida foi condenado por homicídio duplamente qualificado

Carlos Mendes

O júri popular, por 5 votos a 2, condenou ontem a 30 anos de prisão o fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, como mandante do assassinato da missionária norte-americana naturalizada brasileira Dorothy Stang, em fevereiro de 2005. Ele foi considerado culpado por homicídio duplamente qualificado com agravante de a vítima ser idosa.

A decisão foi comemorada por 900 agricultores de vários municípios do Pará que há quatro dias montaram acampamento na frente do Fórum Cível. A defesa prometeu recorrer, alegando que a sentença foi contrária à prova dos autos, mas o juiz Raimundo Moisés Flexa negou ao réu o direito de aguardar o recurso em liberdade. Bida terá direito a um segundo julgamento, pelo fato de sua pena ter sido superior a 20 anos, de acordo com a legislação penal.

"Falta agora condenar o Taradão, mas a Justiça está demorando muito para fazê-lo sentar no banco dos réus", disse David Stang, irmão da missionária, referindo-se a Regivaldo Pereira Galvão, o segundo denunciado como mandante do crime. O outro irmão da missionária, Thomas Stang, declarou que estava "muito feliz" com a decisão do júri.

Próximo a ser julgado, Galvão está em liberdade, beneficiado por decisão do Supremo Tribunal Federal, enquanto aguarda julgamento de recurso em que pede a exclusão do processo. Seus advogados alegam que ele foi arrolado no processo por vingança de outro acusado - Amair Feijoli, o Tato -, com quem teria divergências.

Para o promotor Edson Cardoso e o assistente de acusação Aton Fon Filho, havia provas de sobra para os jurados condenarem Bida. Segundo Cardoso, a missionária era tida como uma ameaça para os fazendeiros, em virtude das atividades sociais que exercia, principalmente na região da Transamazônica.

A acusação também explorou as contradições dos réus já condenados no processo - além de Tato, Rayfran Sales, o Fogoió, e Clodoaldo Batista, o Eduardo -, que negaram, em depoimento na véspera, a existência de um consórcio para financiar a morte de irmã Dorothy, bem como a promessa de pagamento de R$ 50 mil pela execução do crime. "Houve uma orquestração para que os depoimentos fossem modificados, inocentando Bida de qualquer acusação relativa ao crime, mas os jurados não caíram na armadilha da defesa", acrescentou o assistente da acusação José Batista.

O advogado Américo Leal, defensor de Bida, passou mais de uma hora acusando a vítima de ser uma mulher "perigosa e vingativa", que incitava famílias a invadir terras e mandar matar quem cruzasse seu caminho. Os ataques foram respondidos com vaias pelos agricultores que acompanhavam o julgamento por meio de caixas de som colocadas na calçada em frente do fórum.

Irmãos cobram investigação sobre denúncia de consórcio
Para eles, mesmo a condenação de todos os envolvidos no assassinato não encerrará o caso

BELÉM

Os gêmeos David e Thomas Stang, irmãos da missionária assassinada, afirmaram que mesmo a condenação de todos os envolvidos no processo não encerrará o caso. Para eles, fica faltando investigar com maior profundidade o "consórcio" de fazendeiros e madeireiros que nunca aceitou o projeto de desenvolvimento sustentado do governo federal que Dorothy defendia como se fosse dela.

"Pouca gente lembra, inclusive a polícia, do relatório feito por uma comissão do Senado brasileiro a respeito das circunstâncias do crime, inclusive a descoberta do consórcio para matar a nossa irmã", disse David. Dessa comissão fazia parte a atual governadora do Pará, Ana Júlia Carepa (PT), que, ontem, depois que Vitalmiro Moura, o Bida, foi condenado a 30 anos de prisão, recebeu em seu gabinete David e Thomas.

Segundo Thomas, a freira fez do Brasil seu país e da floresta de Anapu, sua casa. "Ela morreu porque queria uma vida melhor para os agricultores com quem trabalhava", acrescentou. No dia do crime, ele mal acreditou quando seus irmãos, ao telefone, informaram que Dorothy tinha sido morta com seis tiros por pistoleiros. "Como puderam fazer isso com quem só fazia o bem, preocupada com a saúde, a educação e os direitos dos trabalhadores?", completou David.

Ele já esteve sete vezes no Brasil e prometeu vir dos EUA quantas vezes necessário para acompanhar a parte final do processo. Perguntado se acredita na Justiça brasileira, respondeu que nunca deixou de confiar no trabalho dos juízes e do Ministério Público.

No Pará, mais de 15 mortes sem punição
Muitos dos casos, todos por disputa de terra, já completaram 20 anos

BELÉM

A Justiça do Pará tem sido muito cobrada para dar celeridade aos processos de mais de 15 casos de assassinatos que continuam impunes, todos envolvendo disputa pela posse da terra. Muitos dos casos, todos de grande repercussão no Brasil e no exterior, já completaram 20 anos e, se não forem logo instruídos e julgados, beneficiarão pistoleiros e mandantes. Apenas 6, nos últimos 30 anos, enfrentaram julgamento.

Enquanto a Justiça caminha a passos lentos na punição dos crimes, aumenta o número de líderes sindicais, religiosos e militantes de direitos humanos ameaçados de morte no Pará.

Próximo de Altamira, onde a irmã Dorothy Stang foi assassinada, outro crime ainda não foi julgado: o do sindicalista Bartolomeu Moraes da Silva, o Brasília, seqüestrado, torturado e morto por pistoleiros em 2002. Silva denunciava grilagem de terras e execuções de lavradores. Os três acusados do crime respondem ao processo em liberdade e apenas o pistoleiro continua preso. O júri do caso foi desaforado para Belém e marcado para o final deste mês.

Em julho de 2004, Adilson Prestes, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), foi morto com quatro tiros. Prestes, que denunciava a devastação de florestas e invasões de grandes fazendeiros, entregou um dossiê às autoridades do Pará com mais de 30 nomes de supostos integrantes do crime organizado local. O caso também não teve desfecho.

Em 1998, os líderes do Movimento dos Sem-Terra (MST) Onalício Araújo Barros e Valentim Serra foram mortos a tiros durante ocupação de duas fazendas, entre Marabá e Curionópolis. Segundo o MST, as mortes foram encomendadas por um "consórcio de fazendeiros", denunciados pelo Ministério Público.

Outra morte, há 22 anos, foi a do advogado e defensor de posseiros em Marabá Gabriel Pimenta, assassinado a tiros dias depois de audiência em que defendeu invasores de um castanhal. Relatório da CPT cita ainda outras mortes, como as dos sindicalistas Francisco Euclides de Paula, em 1999, José Dutra da Costa, em 2000, e José Pinheiro Lima, mulher e filho em 2001. Além dessa lista da impunidade, há uma relação de 140 pessoas ameaçadas de morte no Pará, feita pela Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Pará.

Repercussão internacional

Clarín com
Encomenda: O jornal argentino Clarín anunciou a condenação de Vitalmiro Bastos de Moura por "encomendar e pagar" a morte da freira Dorothy Stang. Segundo o site, o juiz considerou agravante o fato de Dorothy ter idade avançada, 73 anos. O Clarín comenta que o caso teve grande repercussão e mobilizou centenas de pessoas, entre agricultores, índios e religiosos que trabalham na Amazônia.

BBC
Disputa pela terra: Com o título Brasileiro condenado pelo assassinato de freira americana, o site da rede britânica BBC anunciou o resultado do julgamento de Bida. O texto diz que Dorothy lutava pelos direitos de agricultores pobres e pela preservação da floresta e sua morte ocorreu após uma disputa com fazendeiros. Segundo a BBC, nos últimos 30 anos mais de mil pessoas foram mortas em disputas por terras no Brasil.

theguardian
Pena máxima: Ao anunciar a condenação de Bida, o jornal britânico Guardian enfatizou o fato de que ele recebeu a pena máxima, "num caso visto como crucial para o governo" na tentativa de garantir a lei na Amazônia. Segundo o jornal, ativistas dos direitos humanos comemoraram o julgamento, que consideraram um teste para saber se mandantes de crimes no Pará podem ser levados à Justiça.

OESP, 16/05/2007, Nacional, p. A10

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