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Acuados, índios do Pará não têm o que comemorar

O Liberal-Belém-PA
19 de Abr de 2004

Os índios do Pará nada tem a comemorar neste 19 de abril. Eles estão cada vez mais acuados e ameaçados de perder suas terras para madeireiras, empresas de mineração e garimpeiros. No sul do Estado, os caiapós tentam a todo custo se manter nos 3,8 milhões de hectares onde se localizam suas dez aldeias. Convivem com invasores de terra, poluição de seus rios e doenças como malária, tuberculose e diarréias. No sudoeste, mais precisamente na fronteira entre Pará e Mato Grosso, os mundurucus enfrentam posseiros e a ameaça do mercúrio e cianeto jogados no rio Tapajós por garimpeiros, além de madeireiras de Mato Grosso que já se instalaram em seu território.

Os caiapós da reserva Baú, de 1,8 milhão de hectares, entre os municípios de Altamira e Novo Progresso, foram pressionados pelo governo federal a entregar mais de 400 mil hectares para fazendeiros e invasores de suas terras, depois que os "brancos" ameaçaram com um banho de sangue a tentativa de demarcação dos atuais limites. Funcionários da Fundação Nacional do Índio (Funai) e agentes da Polícia Federal foram expulsos da região e nunca mais apareceram por lá.

Outra nação indígena que não tem paz são os tembés, do Alto Rio Guamá, no nordeste paraense. Eles chegaram a manter reféns dezenas de invasores, brigaram e expulsaram madeireiras de suas terras, mas ainda se sentem infelizes e inseguros, porque os "brancos" prometem ocupar novamente seu território. Muitas famílias de agricultores e pequenos comerciantes de madeira ainda vivem nas terras indígenas localizadas entre os municípios de Capitão Poço, Garrafão do Norte, Viseu e Paragominas.

O maior culpado por tantas ameaças e incertezas é o governo federal, que a partir do governo Collor de Mello, ao invés de garantir a demarcação e homologação das terras indígenas, cedeu às pressões de senadores e deputados federais com interesses econômicos, diminuindo em vários casos o tamanho de reservas que estavam com seus limites consagrados.

Entidades fazem levantamento

De acordo com levantamento de entidades independentes ligadas às causas indígenas, como o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e o Instituto Sócio-Ambiental (ISA), entre 1991 e 2001, o reconhecimento das terras indígenas pelo governo federal totalizou 72.802.656 de hectares de terras homologadas.

Elas representam 46% das 580 áreas indígenas existentes no Brasil e correspondem a 70% de sua extensão, que é de 104.508.334 hectares. Uma das pendências mais inquietantes é a não-homologação da terra indígena Raposa Serra do Sol, cuja superfície é de 1 678 000 hectares. Embora demarcada, é grande a pressão local contra sua homologação.

Das 140 terras indígenas em processo de identificação no País, 67 foram declaradas de posse permanente pelo Ministério da Justiça. Algumas são recentes, outras estão em demarcação e há outras sub judice, com o procedimento demarcatório suspenso pelo Poder Judiciário. No total, as terras declaradas alcançam 12.326.943 hectares, representando 11,55% dos 104 milhões de hectares dos índios. Outras 358 terras já estão homologadas ou registradas. Elas somam 85.125.086 de hectares. Noventa e oito por cento dessas terras se localizam na Amazônia Legal.

As pendências na Amazônia Legal são Raposa Serra do Sol, dos índios Makuxi; Wapixana e Ingarikó, em Roraima; Krikati, dos índios Krikati, no Maranhão; Awá, dos Guajá, no Maranhão; Cachoeira Seca, dos Arara; Apyterewa, dos Parakanã; e Baú, dos Caiapós Mekranoti, todas no Pará. Se o governo não agir com rapidez e a Justiça com celeridade processual, os próximos meses poderão reservar desagradáveis surpresas para as autoridades federais nessas áreas indígenas. A pólvora está acesa e se aproxima do barril. (C. M.)

Cacique revela frustração com Lula

Para o xavante Marcos Terena, o dia 19 de abril representa para os indígenas a pureza das crianças quando cantam nas escolas e orgulhosas se pintam com as cores do índio, vermelho do urucum e preto do genipapo, tal como ocorreu em 1500, quando chegou o primeiro homem branco, recebido com cantos de alegria e fraternidade. Ele também tem consciência de que a data não pode mais se restringir aos apelos do passado. Deve conter um clamor para que, no futuro, negros e brancos compartilhem, com as primeiras nações, de dignidade e respeito em nosso Brasil, sem preconceito e exclusão. Sobre o governo Lula, ele argumenta que foi um governo eleito por mais de 95% dos índios em condições de votar. "Foi um governo que gerou muitas expectativas sobre o modelo de política indigenista a ser adotado, na esperança de que seria diferente dos tempos da ditadura militar e do governo neoliberal".

Terena observa que numa aldeia indígena a base do relacionamento é o diálogo, a verdade, a força de sua identidade cultural. São valores que não podem ser transferidos. "Se 95% dos votos indígenas nas últimas eleições foram para Lula, foi por considerá-lo um aliado na caminhada indígena e como pessoa importante no processo do resgate da auto-estima do povo brasileiro".

Ele diz saber que a questão indígena nunca foi prioridade dos governos. Como entender, por exemplo, que o custo da assistência ao índio esteja calculado em apenas R$ 22,00 por ano? "Ou como aceitar que agora o presidente Lula tenha sido induzido a afrontar a Constituição que ajudamos a escrever junto com Ulisses Guimarães, violando os direitos indígenas, ao transferir para o Senado seu papel de demarcar as terras indígenas?".

Para Terena, ele prefere aceitar a justificativa de que existe um vácuo na relação indígena com o novo governo, a falta de uma assessoria indígena ou no mínimo falta de experiência no gerenciamento do poder. "O Partido dos Trabalhadores e a esquerda em geral não têm a obrigação de conhecer a realidade das 230 nações indígenas brasileiras nesses mais de 16 meses do governo Lula, mas não podem ignorar que hoje os povos indígenas sabem o que querem e o que esperam da carta-compromisso escrita como programa de governo".

Aliados - Como mensagem indígena ao homem branco, à sociedade e ao governo, Terena diz ter a clareza de que os índios serão no País os "aliados do futuro", pois seus conhecimentos tradicionais, nos quais se incluem a medicina sem efeito colateral e a alimentação que não aceita transgênicos, "são valores que não possuem preços, que foram protegidos ao longo do tempo, mas que diante do assédio internacional deveriam ser parte de um programa de governo, como fator de soberania nacional". De Lula, o xavante espera a demarcação de todas as terras indígenas, independente de acordos políticos, assumindo assim um compromisso com as primeiras nações, "mas acima de tudo com a vida, tal como a cantam as crianças das escolas urbanas e das aldeias". (C. M.)

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