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Acordo em Bali é improvável, afirma analista americano

FSP, Ciência, p. A25
Autor: DIRINGER, Elliot
01 de Dez de 2007

Acordo em Bali é improvável, afirma analista americano
Para pesquisador do Pew Center, situação política atual não favorece mandato de negociação completo e forte, que envolva todas as maiores economias; pós-Kyoto precisa de regras mais flexíveis, defende

Entrevista: Elliot Diringer

Da redação

Um acordo completo e forte para o pós-Kyoto precisará de metas com peso de lei para todas as grandes economias do mundo. E isso provavelmente não estará negociado em 2009, prazo que a ONU estipulou. Quem diz é o analista americano Elliot Diringer, pesquisador do Pew Center on Global Climate Change, um núcleo de estudos da Virgínia, EUA. "Seria extremamente ambicioso imaginar um acordo completo e eficaz em 2009. Podemos mirar nisso, mas, sendo realista, acho que é improvável", afirmou.
Isso porque os países que já têm metas de redução a cumprir por Kyoto não estão preparados para adotar compromissos ainda maiores sem que nações como Brasil, China, Índia e África do Sul façam sua parte. Diringer e seu colega Daniel Bodansky lançarão em Bali uma proposta para tentar resolver o impasse: a chamada "abordagem integrada em vários trilhos", que consiste em metas flexíveis -mas obrigatórias- e por setor da economia.
"Nós gostamos de Kyoto, mas ele não é factível para as economias emergentes", disse o pesquisador à Folha, por telefone. Leia a entrevista. (CA)

Folha - O que é a abordagem integrada e em vários trilhos?

Elliot Diringer - No próximo estágio do esforço climático nós precisamos de todas as grandes economias engajadas. E, para nós, a forma de engajamento é adotar compromissos. Até agora, só os países desenvolvidos tiveram compromissos. Para que possa haver um acordo efetivo, será preciso que as grandes economias tenham alguma forma de compromisso. Mas esse grupo inclui países desenvolvidos, em desenvolvimento, economias em transição, e o tipo de abordagem que funciona para alguns não necessariamente funciona para outros. O acordo internacional deve ter mais flexibilidade e permitir diferentes tipos de compromisso. Em Kyoto, além de você ter só uma fração dos países com compromissos, você também tem só um tipo de compromisso, que são metas absolutas de emissão nacionais.
Precisamos permitir outras formas de compromisso por esses países. Ao mesmo tempo, é crítico que esses trilhos sejam integrados para aumentar o esforço total.
Folha - Quando o sr. fala sobre trilhos diferentes, uma coisa que vem à mente é algo que o Brasil defende: um grupo de países agindo sob a Convenção do Clima, outro adotando metas obrigatórias numa extensão de Kyoto. É isso?

Diringer - Pode ser, conquanto ambos estejam integrados num pacote. Eu imaginaria múltiplos trilhos sob a convenção. Metas do tipo Kyoto são um tipo. Outro é o que chamamos de compromissos baseados em políticas públicas. Nesse caso, o país não estaria se comprometendo a um nível de emissões, mas a implementar um tipo de política. A China tem hoje políticas que ajudam a reduzir ou moderar emissões. Tem metas de energia renovável muito ambiciosas. Tem padrões para economia de combustível em automóveis que são mais estritos que os dos EUA. Então, a China poderia se comprometer a implantar essas políticas -isso poderia ser seu compromisso. O Brasil poderia se comprometer a políticas que reduzam o desmatamento.

Folha - E se não reduzirem? Qual é a punição?

Diringer - Essa questão não foi resolvida nem no Protocolo de Kyoto. Uma forma potencial de cumprimento é que seu acesso ao mercado de carbono dependa de você cumprir o compromisso. Outra forma de compromisso são acordos internacionais setoriais. Digamos que o setor de transporte tenha um acordo entre os governos sobre padrões de emissão ou de consumo de combustível. Há trilhos sob Kyoto, sob a convenção ou talvez até mesmo sob outro protocolo.
Folha - Mas isso torna a negociação muito mais complicada. Vai dar tempo de concluí-la até 2009?

Diringer - Eu acho que nosso objetivo deve ser conseguir o acordo mais forte possível o mais rápido possível. Há negociações sob Kyoto que começaram há dois anos. Elas falam apenas de novos compromissos para os países que já têm metas. E é extremamente improvável que essas negociações cheguem a uma conclusão, porque a maioria dos países que já têm metas não estará preparada para adotar metas mais fortes após 2012 sem os EUA e sem algum tipo de compromisso por parte das nações em desenvolvimento. Sim, o que eu estou descrevendo aqui é mais complexo. Mas nossa análise é que, sem essa flexibilidade, você não conseguirá um acordo.

Folha - Então não é possível um acordo antes de 2009?
Diringer - Seria extremamente ambicioso imaginar um acordo completo e eficaz em 2009. Podemos mirar nisso, mas, sendo realista, acho que é improvável.
Folha - E os encontros das grandes economias convocados pelo presidente George W. Bush?

Diringer - Conceitualmente, acho uma boa idéia. Mas esse consenso político não será atingido até que os EUA adotem ações e estejam prontos para negociar compromissos. E os EUA não estão prontos.

Folha - Há nos discursos de Bush algumas idéias semelhantes às que vocês defendem: grandes economias, flexibilidade...

Diringer - Tem uma diferença crucial: compromissos internacionais com força de lei. Você não pode ter cada país decidindo independentemente o que é um esforço razoável. Isso precisa ser uma negociação, que leve a compromissos internacionais com peso de lei.

Folha - Como o sr. acha que isso vai se desenrolar em Bali?

Diringer - Eu não acho que a política do momento vá levar a um mandato forte de negociação. O que nós realmente precisamos é de um mandato de negociação claro sob a convenção que antecipe compromissos de todas as grandes economias. Mas não acho que a política do momento vá permitir isso.
Folha - O que nos deixa em maus lençóis, porque no ano que vem os EUA estarão entre governos...

Diringer - Você entendeu o dilema (risos). Teoricamente, se tivermos eleições e o presidente eleito seja um democrata comprometido com ações fortes nesse assunto, pode haver um momento político forte para um engajamento dos EUA. Certamente haverá expectativas de outros países, mas pode haver expectativas ainda maiores de dentro dos EUA. O que é essencial em Bali é que nós não nos travemos em um processo que vá tornar o acordo mais difícil de obter no final. Precisamos de um processo flexível que, mesmo que não seja ambicioso no começo, tenha o potencial para evoluir.

Folha - O quão provável é que Bali produza essa mudança?

Diringer - Eu acho que há um consenso forte sobre a necessidade de um processo. Neste ano, os EUA irão a Bali preparados para concordar com um processo. A questão é que tipo de processo. Eu acho que os governos estão mais preparados do que nunca para agir, mas provavelmente ainda não para entrar em negociação formal.

FSP, 01/12/2007, Ciência, p. A25

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