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Autor: Aline Gouveia
13 de Fev de 2024
Pesquisa realizada em territórios dos guaranis-kaiowá, do Mato Grosso do Sul, constatou que a garantia à alimentação e nutrição adequadas depende de conjuntos de fatores
Em 2013, 100% dos indígenas guaranis-kaiowá que habitavam as áreas de Guaiviry, Kurusu Ambá e Ypo'i, localizadas no sul do estado de Mato Grosso do Sul, afirmavam que estavam em situação de insegurança alimentar leve, moderada ou grave. Dez anos depois, 15% dos povos originários desses mesmos grupos, nesses mesmos territórios, relataram que conquistaram acesso à alimentação mais adequado.
Para a maioria desses indígenas (94,9%), a melhoria no índice tem a ver com a retomada de suas "tekoha" - nome dado às terras consideradas sagradas pelos guaranis-kaiowá. Os dados são da Organização pelo Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas e foram divulgados na semana passada, em ocasião do Dia Nacional De Luta dos Povos Indígenas, celebrado na última quarta-feira (7/2).
"Esses resultados apontam para uma melhora, principalmente em relação aos níveis mais severos, nas três comunidades. Sob o olhar do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas há, portanto, maior avanço na primeira dimensão do direito do que na segunda, respectivamente viver livre da fome e ter acesso a uma alimentação adequada em diferentes aspectos. Na perspectiva dos direitos humanos, essas dimensões são indivisíveis, e viver com medo de faltar comida é, por si só, uma violação", comenta a ONG responsável pela pesquisa.
Entretanto, apesar da melhora nos dados, a situação dos indígenas ainda preocupa. "Ainda que tenham melhorado entre 2013 e 2023, são alarmantes os índices nos territórios, bem como os relatos de privação do direito à alimentação e à nutrição adequadas. São necessárias políticas de garantia aos territórios por meio das demarcações, já que a insegurança territorial foi apontada como fragilidade das possibilidades e estratégias de plantio e, consequentemente, de alimentação e saúde", explicou a entidade.
Além de demarcações, a ação do Estado por meio da realização de políticas públicas de transferência de renda foi apontada como uma importante estratégia para melhorar os indíces de segurança alimentar das comunidades indígenas. "O que tem permitido que menos famílias vivam com fome em 2023 do que em 2013 são as entregas de cestas de alimentos e os programas de transferência de renda. No entanto, essas ações são realizadas de forma inconstante e com irregularidades, o que leva à conclusão de que o Estado tem avançado de forma muito insuficiente", relata a pesquisa.
"A garantia do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas só ocorrerá a partir de um conjunto de condições socioambientais, cosmológicas e institucionais. A comunidade internacional pode e deve contribuir para que existam", acrescenta.
Recomendações
A Organização pelo Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas fez uma série de recomendações ao poder público. Segundo a ONG, cabe ao Poder Executivo tomar medidas imediatas para proteger a segurança dos povos indígenas, em especial dos Guarani e Kaiowá, garantindo a realização de inquéritos independentes sobre os assassinatos e os ataques de que esses povos têm sido vítimas por defender os seus direitos humanos e territoriais, de modo que os responsáveis sejam identificados e responsabilizados.
A entidade também orienta que seja desenvolvido um plano de trabalho, com o intuito de dar prioridade à conclusão da demarcação dos territórios reivindicados pelos Guarani e Kaiowá, além da abertura de novos estudos de identificação e delimitação de terras indígenas (TIs). Também há a recomendação de fortalecer e viabilizar a compra direta dos produtos das roças indígenas kaiowá e guarani por meio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e de chamadas públicas do Programa Nacional de Alimentação Escolar.
Ao Congresso Nacional, a pesquisa ressalta a necessidade de medidas efetivas para mitigar os efeitos dos pesticidas na saúde dos povos indígenas e no meio ambiente, incluindo a necessidade de proibir a pulverização aérea, comunicar casos de intoxicação e responsabilizar os infratores. Ao Poder Judiciário, há o apelo para reforçar a rejeição da tese do Marco Temporal, já derrubada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no ano passado, mas aprovada no Congresso.
Já quanto ao governo do Mato Grosso do Sul, a pesquisa recomenda o monitoramento das ações das polícias estaduais, visando impedir o uso de força policial contra indígenas, a exemplo da violência ocorrida no território de Guapo'y no ano passado, quando um indígena foi morto e outros ficaram feridos. "A segurança das comunidades é de competência exclusiva da União e, portanto, as ações policiais dos estados contra os indígenas são ilegais", diz o estudo.
Diagnóstico do Ministério dos Povos Indígenas
No final de janeiro, o Ministério dos Povos Indígenas constatou que os cerca de 7.500 indígenas que vivem em 13 áreas retomadas, visitadas entre 22 e 26 de janeiro, enfrentam situações de subregistro civil, falta de água potável e saneamento básico, insegurança alimentar, contaminação por agrotóxicos, ameaças e ataques paramilitares, violência policial e intolerância religiosa.
"As retomadas convivem com problemas associados a um passivo de regularização fundiária. Desde o final da década de 1970, os guarani-kaiowá realizam ações de recuperação territorial, visando reverter o esbulho territorial", informou a pasta. A expectativa é a de que as visitas técnicas aos territórios terminem em março e resultem em um relatório com recomendações para a atuação emergencial no estado.
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