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Abração !

O Globo-Rio de Janeiro-RJ
Autor: Maurílio Alves Neto
06 de Mar de 2004

Abrindo portas na universidade

É impossível entender as representações sobre os índios sem levar em conta as representações que os brasileiros fazem do seu país, afirma o antropólogo Antonio Carlos de Souza Lima, do Museu Nacional, idealizador do projeto "Trilhas do conhecimento - O ensino superior de indígenas no Brasil", que terá o apoio da Fundação Ford. Ao desenvolver o projeto que visa a criar condições para o ingresso dos índios na universidade, com cursos de pré-vestibular e acompanhamento ao longo da graduação, deve-se considerar, diz ele, questões como o preconceito, o lugar que o índio pode ocupar na sociedade, o valor de sua História e de suas culturas.

- Reconhecer que índio não é só quem usa pena na cabeça significa reconhecer um país plural. Há duas possibilidades: pode-se dizer que os índios com pena estão lá e nós aqui, que um não tem nada a ver com o outro, embora estejam no mesmo território. Ou vamos reconhecer que não há uma unidade no Brasil, o que significa rever muita coisa, sobretudo no nosso aparelho jurídico e na política. Significa rever em grande medida os princípios de representação política, reconhecer uma cidadania diferenciada, mas teoricamente igual - afirma.

O objetivo do "Trilhas do conhecimento" é preparar as universidades para receber os índios. Segundo Souza Lima, esse tipo de ação afirmativa, que independe da reserva de vagas estabelecida por lei, envolve questões totalmente diferentes da política de cotas para negros. No caso do índio, trata-se de receber não indivíduos, mas povos com pessoas que muitas vezes não dominam o português. Hoje, no Brasil, há pelo menos cinco mil índios que tentam ingressar na universidade. A Funai concede bolsas a muitos estudantes, mas, de acordo com o antropólogo, não promove o acompanhamento necessário para sua inserção na academia. E as bolsas nem sempre são para as instituições mais capacitadas.

- Ao se abrir espaço para o índio na universidade, reconhece-se não a soberania territorial desses povos, mas a autonomia política, o que significa, num país com a obsessão da unidade, como o Brasil, o reconhecimento da pluralidade. É uma tensão muito forte no Brasil. A construção historiográfica, nos anos 30, 40, na era Vargas, foi voltada para a idéia de unidade e a imagem da dissolução das raças num povo mestiço único. O que os índios reivindicam, e que demonstram ser possível, é que eles não se dissolveram - destaca o antropólogo, um dos coordenadores, com João Pacheco de Oliveira, do Laced, do Museu Nacional.

A partir da imagem que se tem do índio, constroem-se as políticas públicas. Organizados, os índios divulgaram no fim de 2002 suas propostas para uma nova política indigenista no governo Lula. Mas não houve mudança.

- O governo não sabe o que fazer com a questão indígena, não tem idéias, não ouviu quem tem. No momento, há uma grande desconexão, esforços díspares no governo. Propunha-se a criação de um conselho paritário para tratar de política indigenista, inclusive com a participação dos índios, pois se reconhecia que a Funai não dava mais conta disso há décadas. Mas isso não foi levado adiante, apesar de ter sido uma reivindicação ampla dos índios - diz Souza Lima, que aponta a necessidade de se entender melhor o poder das elites regionais, antiindígenas.

A Funai, afirma, deveria passar por uma redefinição de sua função. Nos anos 90, devido às mudanças na Constituição que acabaram com a tutela dos indígenas, muitas conquistas sociais foram obtidas.

- Mas no Estado elas continuam não sendo reconhecidas. A Funai tem um tipo de administração piramidal, de fundo militar, que não responde mais à realidade da organização étnica no país - diz ele. - Nos anos 90, houve um crescimento extraordinário das organizações indígenas, porque elas tiveram de lidar com coisas que não tratavam antes, e passaram a ter um entendimento muito maior do mundo do branco. Aprenderam a se defender.

Mesmo os guaranis, que têm uma organização muito mais descentralizada que os índios em Roraima, têm hoje outra compreensão dos problemas. Pouco a pouco, eles estão se impacientando com a falta de posição do governo.

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