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A 50 quilômetros de Porto Alegre, escola indígena vive intercâmbio de saberes

Correio do Povo - correiodopovo.com.br
Autor: Gabriea Sardi
13 de Ago de 2024

A última quinta-feira (9/8) foi Dia Internacional dos Povos Indígenas, data instituída pela ONU em 1995; para celebrar a efeméride, conheça uma das 90 escolas indígenas em atividade no RS

O sol tímido concorreu com a chuva que ia e vinha nesses primeiros dias de retomada letiva na Escola Estadual Indígena de Ensino Médio Nhamandu Nhemopuã, em Viamão. Em guarani-mbyá, o nome da instituição pública de ensino homenageia o astro. "Se não fosse o sol, não teria vida. Mesmo com chuva, quando ele não aparece, a luz permanece", diz o professor Irineu Gomes.

Localizada nas dependências da aldeia Tekoá Pindó Mirim, no distrito de Itapuã, a Nhamandu nasceu em 2011, mas só foi homologada oficialmente como escola estadual no final do ano seguinte. A ideia partiu de um dos fundadores da aldeia, Turíbio Gomes, pai do professor Irineu. Para concretizar o plano de ver seus jovens munidos do conhecimento dos "juruá" - pessoas não indígenas -, transformou a própria casa em sala de aula. É um retrato do ancestral, pendurado na parede de uma das construções da escola, que abençoa os dias passados por ali. Apesar da retomada formal do ano escolar, para os guarani-mbyá o tempo não comporta interrupções. "A gente vai e volta, retoma e avança", explica a professora Adriana Marques, assinalando que "tudo é circular".

Tempo velho que semeia o futuro
Com 12 turmas, entre Ensino Fundamental, Médio e a Educação de Jovens e Adultos (EJA), a escola vive congregada à rotina da aldeia. Com a proximidade do fim do "ara ymã", o "tempo velho", chega a época de plantio. A aprendizagem, por esses dias, se dá nas roças que cada uma das 25 famílias mantém ao lado de casa. Na mesma terra que outrora abrigava um extenso eucaliptal - que abastecia de madeira o Hospital Colônia Itapuã, inaugurado nos anos 1940, como parte da política de isolamento dos portadores de hanseníase -, os indígenas cultivam melancia, aipim, batata doce, feijão e outros gêneros. Tudo o que vingar e servir para nutrir o corpo. Já mais afastado da escola, em área de mata fechada, há outra diversidade de plantas, as de nutrir o espírito. Também existem as que fazem mal, e dessas as crianças são ensinadas a manter distância. O diretor da escola, Leandro Subtil Moura, revela que já sarou suas dores com preparos medicinais dos indígenas. "Mas se perguntar o que é, eles não contam. É conhecimento ancestral que precisa ser resguardado", confidencia.

Em sala de aula, os alunos vivem em constante intercâmbio cultural. Professores indígenas e não indígenas se unem, em diálogo permanente, para proteger a cultura guarani-mbyá. E, nessa empreitada, a ordem dos fatores faz diferença. As crianças primeiro conhecem a história dos "nhanderu", os deuses da cultura guarani, para depois ter notícia do Big Bang, ou de como os "juruá" explicam o surgimento do Sistema Solar.

Na alfabetização, os alunos são primeiro habituados com a grafia da Língua Portuguesa, para depois aprender a ler na língua materna, essencialmente oral. Nessa interação idiomática, projetos, como o de elaboração de histórias em quadrinhos bilíngue ou o que envolve a troca de cartas com estudantes da Escola Municipal de Ensino Fundamental Frei Pacífico, também em Itapuã, surgem para agregar.

O professor Irineu Gomes, responsável pela alfabetização em guarani-mbyá, encara o trabalho pedagógico como uma "construção". Ele ressalta: "Estar à frente das crianças da tua comunidade é uma grande responsabilidade. Elas esperam que a gente mostre um caminho. Estamos projetando o futuro deles". Ana Gabriela, filha de Irineu e aluna da escola, aos 8 anos já projeta como será esse tempo vindouro. "Quero ser enfermeira, para dar 'kutu' [injeção] nos outros", confessa, rindo.

Novas conquistas
Os povos indígenas estão, a duras penas, conquistando seu espaço também no Ensino Superior. Recentemente, no final de abril deste ano, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), em Porto Alegre, anunciou duas novas nomeações ao quadro docente: Bruno Kaingang e Rosani de Fatíma Fernandes, primeiros professores indígenas da história da instituição. Ambos irão lecionar na Faculdade de Educação (Faced). Já no Ministério da Educação (MEC), está sendo estudada a criação da 1ª universidade indígena do país, demanda antiga dos povos originários.

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