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37 t de mercúrio contaminam Pará

OESP, Vida, p. A17
12 de Jul de 2005

37 t de mercúrio contaminam Pará
Pesquisa mostra que solo, plantas, água, peixes e moradores de garimpo estão expostos ao metal em níveis alarmantes

Claudia Ferraz

Um estudo realizado pelo Centro de Tecnologia Mineral (Cetem), instituto ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, indica que os níveis de contaminação por mercúrio nos solos, nas plantas, nas águas, nos peixes e até nos moradores da Reserva Garimpeira da Bacia do Tapajós, no Pará, estão acima das concentrações máximas aceitas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O garimpo do Tapajós é a origem de metade de todo o ouro extraído no Brasil.
Um grupo de 23 pesquisadores do Cetem coletou em 2003 mais de mil amostras ambientais e biológicas nas pequenas comunidades de São Chico e Creporizinho, que pertencem ao município de Itaituba, no sudoeste paraense. Eles constataram que, no caso dos peixes, 60% tinham teores altíssimos de mercúrio no organismo. E estimaram em 37 toneladas o total desse metal liberado nos rios e na atmosfera nos últimos 15 anos somente nas duas comunidades.
"O objetivo do estudo era saber como os garimpeiros e a população não garimpeira estão contaminando a si próprios e o ambiente", explica Saulo Rodrigues Filho, o coordenador da pesquisa.
Os limites da Organização Mundial da Saúde foram ultrapassados também nas plantas. Na comunidade de São Chico, por exemplo, 18 amostras de vegetais chegaram a ter 2.400% do metal acima do valor aceitável. A concentração máxima de mercúrio, 1.280 partes por milhão (ppm), foi observada numa teia de aranha coletada numa loja de ouro na vila.
Complica a situação a grande mobilidade do mercúrio. "Por ser um metal pesado, sofre poucas transformações. O mercúrio que vai para o rio, por exemplo, alcança grandes distâncias, até 20 quilômetros", diz Saulo.
Depois de coletado, o ouro é posto em contato com o mercúrio, que o separa de outros materiais. Em seguida, é feita a queima do amálgama (mercúrio misturado com ouro) para purificar o ouro. A contaminação ocorre nesses dois momentos, quando o mercúrio escapa para a água e para a atmosfera.
SAÚDE
No caso da saúde da população ribeirinha daquelas comunidades, a pesquisa analisou as duas principais vias de exposição ao mercúrio: pelo vapor liberado durante a queima do amálgama e pelo consumo do peixe dos rios. Isso foi feito por meio da análise de amostras de sangue, urina e cabelo.
Os sintomas nas comunidades ainda não são agudos. Mas, como o efeito da contaminação é cumulativo, deverão aparecer a longo prazo. Muitos moradores da região já reclamam: 50% relataram gosto metálico na boca, tremor e palpitação e 40% tinham sensações de formigamento, adormecimento ou ardência nas mãos e nos pés.
A doença decorrente da intoxicação de mercúrio ficou conhecida como mal de Minamata. Na década de 1950, milhares de pessoas que se alimentavam de peixes e de frutos do mar na baía de Minamata, no Japão, desenvolveram sintomas no sistema nervoso e cérebro. O mercúrio era jogado por uma indústria química num rio que desaguava no mar.
"Até hoje não há uma conclusão epidemiológica de quantas pessoas de fato foram afetadas porque os estudos realizados na época eram precários", explica o toxicologista Sergio Graff. "Mas o resultado da catástrofe foi no mínimo de 1.400 mortes."
CAMPANHA
A população do garimpo paraense ainda não sabe que aqueles são sintomas da exposição ao mercúrio. Só agora uma campanha do Cetem vai mostrar aos moradores do local os resultados da pesquisa e ensinar como extrair o ouro sem riscos. Com rimas de cordel, a campanha vai tentar recuperar o tempo perdido. Cartilhas, bonés e camisetas com as rimas serão distribuídas. Mais à frente, deverão ser entregues equipamentos mais seguros para a prospecção de ouro.
Esse projeto de conscientização ganhou uma concorrência mundial preparada pela Organização das Nações Unidas (ONU) e se tornou o braço brasileiro do Projeto Mercúrio Global, cujo objetivo é diminuir a poluição por mercúrio em águas internacionais. Há iniciativas semelhantes em países como Laos, Sudão e Tanzânia.
A pesquisadora Zuleica Castilhos, coordenadora da campanha, explica por que os bonés e as camisetas de conscientização serão comprados antes dos equipamentos de segurança. "Primeiro precisamos convencer os garimpeiros de que é importante usar materiais seguros em seu trabalho. Mostraremos as vantagens e só depois forneceremos o que pode melhorar a qualidade de vida de fato. Se eles não sabem quais as vantagens, podem chegar a nem usar as novas tecnologias."
As amostras da pesquisa já foram apresentadas em Brasília a pesquisadores, a organizações não-governamentais e a representantes dos ministérios da Saúde, do Meio Ambiente, de Minas e Energia, da Educação e do Trabalho.
Segundo a pesquisadora do Cetem, a campanha também tem o objetivo de alcançar a outra ponta que move o mercado do garimpo. "Podemos atingir também o consumidor final, conscientizar as lojas de jóia e o mercado financeiro para que eles ofereçam recursos para o minerador."

Cartilha alerta garimpeiros para o perigo
RIMA: "Queimar ouro não é errado, mas o azougue vai disfarçado, vira fumaça, o bicho danado" diz uma das rimas da cartilha preparada pelo Cetem para explicar como se proteger do azougue, denominação popular do mercúrio. Com desenhos, o livreto mostra a necessidade do uso de máscaras e de um equipamento chamado retorta, que não permite que o mercúrio evaporado contamine o ambiente.
Segundo a pesquisadora Zuleica Castilhos, quando retortas são utilizadas, as perdas são muito baixas, menos de 0,05% do mercúrio. Sem o equipamento, mais de 50% do mercúrio vai para o ambiente. "Essa prática de reciclagem é um dos procedimentos fundamentais para se reduzir a sobrecarga de mercúrio n o ambiente", diz.

A verba da ONU para o Projeto Mercúrio Global é de US$ 3 milhões para 6 países. No Brasil, foram gastos US$ 130 mil. Cerca de US$ 34 mil serão para a campanha de esclarecimento. O Cetem ainda não sabe qual é o custo da fase final, mas crê que os equipamentos novo estarão listados até o fim do ano. O Cetem coordena o projeto junto com o Instituto Evandro Chagas e a Fundação Nacional de Saúde.

OESP, 12/07/2005, Vida, p. A17

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