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Zoneamento do Mato Grosso exclui agricultura familiar e economia florestal, diz ambientalista

Amazônia - www.amazonia.org.br
Autor: Fabíola Munhoz
12 de Abr de 2010

Os deputados estaduais do Mato Grosso aprovaram, em primeira votação realizada no último dia 30, o projeto de lei que cria o Zoneamento Socioeconômico e Ecológico do Estado (ZSEE/MT). O texto aprovado, o substitutivo 3 da proposta inicial, só foi apresentado à sociedade no dia 31, por meio do site do poder legislativo estadual. Ou seja, a proposta foi criada e aprovada para, somente depois, ser apresentada aos mato-grossenses.

De acordo com o Grupo de Trabalho de Mobilização Social, formado por representantes de entidades ligadas ao meio ambiente, educação, povos indígenas, populações tradicionais e agricultura familiar de Mato Grosso, essa última versão para o projeto não sana as graves falhas técnicas, legais e sociais já observadas no substitutivo 2, apresentado antes. Além disso, a proposta aprovada desconsidera a consulta popular feita por meio de audiências públicas para construção da primeira versão do plano.

João Andrade, coordenador do Instituto Centro de Vida (ICV), organização mato-grossense que se opõe ao substitutivo 3 do projeto de zoneamento, concedeu entrevista ao site Amazonia.org.br. Andrade fala sobre as falhas da proposta aceita pelos deputados, dentre as quais a exclusão de sugestões da sociedade e permissão do avanço da agricultura mecanizada sobre áreas que deveriam ser preservadas.

Amazonia.org.br - Por que o ICV discorda do substitutivo 3 de ZSEE aprovado para o Mato Grosso?

João Andrade- Tem dois pontos. Primeiro, os aspectos técnicos e, segundo, os aspectos legais e jurídicos. Nos aspectos técnicos, não encontramos no documento razões que justifiquem a ampliação das áreas de agricultura mecanizada sobre áreas de manejo específico. Essas áreas mecanizadas avançam sobre áreas de manejos específicos, que são aquelas com restrições, sejam por terem muitas florestas, seja por serem áreas de nascentes, com produção de recursos hídricos significativa, ou por terem o bioma Pantanal ou alguma fragilidade ambiental.

Em termos numéricos, esse avanço das áreas de agricultura mecanizada sobre as de manejo específico é significativo, representa quase 70%. Em hectares, essa ampliação é da ordem de nove milhões de hectares sobre as áreas de manejo específico e sobre as áreas propostas para a criação de Unidades de Conservação. Não há qualquer documento com critérios que justifiquem esse avanço, mas eles falam que muitas dessas áreas para onde avançou a parte de agricultura mecanizada já estavam muito abertas. Nós começamos a fazer algumas análises, em que buscamos quantificar, a partir de dados do Prodes [sistema do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial que monitora o desmatamento], a cobertura vegetal que ainda existe nessas áreas. Elas chegam a quase 70% da área, então não se justifica dizer que essas zonas já estão abertas.

Quanto à questão legal e jurídica, essa proposta não leva em conta o zoneamento da cana, que é uma lei federal que determina que não se pode plantar cana no Cerrado e na Amazônia em todo o estado do Mato Grosso. Com relação à flexibilização de área de reserva legal, eles estão usando a data de 2005, mas a legislação fala em 1998 para fins de recomposição ou regeneração. Esses pontos podem comprometer a aprovação da proposta pelo Conama [Conselho Nacional de Meio Ambiente] e pela Comissão Nacional de Zoneamento. Isso pode inviabilizar a aprovação de um zoneamento para esse ano.

Amazonia.org.br: Quais as diferenças do substitutivo 3, com relação ao 2?

Andrade- Não tem muita mudança. Eles apenas tiraram as principais aberrações. Por exemplo, no 2, eles tinham retirado as áreas indígenas e, depois de várias críticas, no substitutivo 3, eles incluíram algumas delas. O documento que a gente acha que saiu razoável é o substitutivo 1, que apoiamos, porque foi fruto de estudos técnicos de vinte anos, quando teve início a história do zoneamento no Mato Grosso.

Além disso, uma vez pronto, esse primeiro projeto foi entregue em 2008 à Assembléia, quando começou uma série de audiências públicas, que aconteceram ao longo de 18 meses, com grandes embates. Foram 15 audiências, cada uma com três dias de trabalho. Foi um amplo processo de consulta, em que foram incorporadas ao documento técnico o que as pessoas que vivem na região viam da realidade. Então, o primeiro substitutivo traz o documento técnico do Executivo, o resultado das audiências, e gera um primeiro substitutivo. Ele trouxe esses anseios da sociedade e está embasado do ponto de vista técnico. Por isso, estamos apoiando esse projeto, que respeitou o processo participativo e está embasado do ponto de vista técnico.

Amazonia.org.br- O que o substitutivo 1 trazia que não é observado pelo substitutivo 3, aprovado pela Assembleia?

Andrade- Primeiro, com relação ao avanço da área de agricultura mecanizada sobre as de manejo específico. Outro aspecto tem relação com as diretrizes criadas para cada zona, que vão nortear os investimentos, o apoio do Estado, a linha de crédito dos bancos em cada área. Nessa última versão, eles alteram muitas diretrizes, tratando a economia agrícola do Estado como se não existisse diferença entre pequeno e grande produtor. Eles tratam tudo como se fosse uma coisa só. Mas, aqui no Estado, o pequeno agricultor depende muito de assistência técnica, enquanto o grande produtor não. Então quando você homogeniza as diretrizes, como se todo produtor fosse igual, você não cria políticas específicas para agricultura familiar.

Outra diferença é com relação às áreas propostas para futuras unidades de conservação. Há uma redução de 4 milhões de hectares nessas áreas pela nova versão do plano. Essa redução é significativa, levando em conta que o Estado tem poucas unidades de conservação, que não chegam nem a 10% do território do Estado. Com a proposta, essas áreas se reduziram muito. Com isso, a conservação da biodiversidade ficaria restrita a algumas áreas privadas, terras indígenas e unidades de conservação.

Esse projeto também não traz o processo participativo da produção do primeiro substitutivo, em que o relator disponibilizou os resultados das audiências públicas e demonstrou a metodologia utilizada para incluir as sugestões das audiências. O segundo substitutivo foi tirado da cartola. Eles não disponibilizam como foi o seu processo de construção, nem apontam critérios para a expansão da área de agricultura mecanizada, e isso nos leva a crer que esse processo não foi participativo.

Amazonia.org.br- Por apresentar ilegalidades, esse projeto pode sofrer alguma ação judicial futuramente, caso aprovado?

Andrade- Ele não vai ser aprovado se for ilegal. Porque daqui para frente o projeto sai como está e vai à instância federal, que vai apontar essas ilegalidades. Então, o projeto vai ter que voltar para a assembléia, reiniciando o processo, e fazendo as adequações necessárias. Essa ilegalidade, portanto, não faz haver o risco de que o projeto seja aprovado. Isso pode, no entanto, retardar a aprovação. O zoneamento, que é uma política de ordenamento territorial do Estado, corre o risco de não existir nos próximos anos. E ele é fundamental para você dizer onde pode plantar a soja, onde pode o manejo de florestas, etc. Então, essa ilegalidade levará à retardação do zoneamento por mais alguns anos.

Amazonia.org.br- O que você pensa sobre argumentos, apresentados por deputados estaduais, de que excluíram terras indígenas do substitutivo 2 pelo fato de não poderem legislar para criação dessas reservas que, segundo eles, ainda não teriam sido homologadas?

Andrade- Essa argumentação é equivocada, porque já existia um mapa do Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] com as terras que estavam em processo de homologação. Então, as áreas que foram excluídas pelos deputados já tinham sido mapeadas. Eles resolveram que iriam retirar, não respeitando esse processo que já corria no Incra. De fato, as terras indígenas que foram excluídas do projeto ainda estão em processo de implementação. Mas, já foram reconhecidas, e estão em processo de homologação. Então, não há justificativa para eles terem excluído essas áreas do plano. O substitutivo 3 incorpora dez das quatorze áreas excluídas pelo 2. E eles fazem isso a partir de informações do mapa do Incra. Então esse mapa já existia, e eles que fizeram questão de ignorar.

Amazonia.org.br- O projeto, aprovado em primeira votação na Assembleia Legislativa, ainda será analisado pela Comissão de Constituição e Justiça para depois voltar à apreciação do Plenário. Como o ICV pretende agir para que o projeto não seja aprovado em próximas votações?

Andrade- Estamos tentando influenciar alguns deputados, mas é muito difícil eles terem sensibilidade para essa questão ambiental, onde há muito interesse pelo agronegócio. Mas, a gente está aconselhando, produzindo alguns estudos. No final dessa semana, vamos apresentar um relatório, e a ideia é que esse documento possa subsidiar a decisão dos deputados. O que nós podemos fazer agora é produzir análises e conhecimento embasado para tentar subsidiar as decisões na segunda votação na Assembleia. Também vamos disponibilizar esses documentos para o Executivo, já que ele pode vetar ou aprovar a proposta. Fora isso, existe uma insatisfação da agricultura familiar, de associações indígenas e ONGs do Estado, que provavelmente podem liderar manifestações na medida em que o projeto seja aprovado.

Amazonia.org.br- Que impactos negativos poderá trazer o substitutivo 3 do ZSEE, caso seja definitivamente aprovado?

Andrade- Nos documentos 2 e 3, o plano deixou de ser um documento validado pela sociedade para ser um instrumento político. Estamos em época de eleição e talvez seja interessante para o deputado que está lá na Assembléia aprovar um documento como esse, que representa um setor. Esses últimos substitutivos excluem a agricultura familiar e a economia florestal, que é a terceira maior fonte de renda do Estado. Além disso, ele se mostra como um documento que atende às representações da Assembleia, e não representa os interesses da sociedade como um todo, que foram observados no primeiro substitutivo resultante das assembléias.

Essa versão aprovada agora pode representar um tiro no pé dos próprios deputados. Isso porque, se o documento não for aprovado pelas instâncias federais, vai abandonar essa visão construída nos últimos quatro anos, de implementação de políticas de combate ao desmatamento, regularização ambiental das propriedades. No segundo período do governo do Blairo [ex-governador de Mato Grosso, Blairo Maggi], vinha-se mudando um pouco a cara do Estado, o desmatamento reduziu bastante. A gente está preocupado com o impacto de um documento desse, que fere a legislação federal e mostra um retrocesso do que foi o avanço na área ambiental nos últimos quatro anos. Isso pode ter uma repercussão lá fora muito negativa e pode ter um reflexo na produção da soja no Mato Grosso.

Esses deputados, que estão tendo visão de curto prazo e usando isso como instrumento de barganha política, estão talvez dando um tiro no pé porque, mais para frente, a imagem do Estado pode ser manchada novamente, havendo retaliação. Essa visão de curto prazo pode prejudicar o próprio setor mais para frente.

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