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A zona da Zona Franca

CB, Brasil S/A, p. 8
Autor: MACHADO, Antônio
29 de Jan de 2004

A zona da Zona Franca
Interesses mesquinhos que quase fizeram aprovar o projeto que dá isenção de impostos aos negócios em toda Amazônia Ocidental e o Amapá colide na Câmara, que recusa aprovar este novo Paraguai

Por Antônio Machado
cidadebiz@correioweb.com.br

O estranho projeto do senador José Sarney, que estende a toda a Amazônia Ocidental e mais o Amapá o regime de isenção fiscal da Zona Franca de Manaus, desmente os esforços de parlamentares para fazer das duas casas do Congresso um recinto de decisões transparentes e eles próprios alvo da estima e da confiança dos eleitores. O projeto de lei é lesivo aos interesses nacionais. Recebeu pareceres contrários da Secretaria da Receita Federal, já que a isenção pretendida fere a Lei de Responsabilidade Fiscal, e dos Ministérios do Desenvolvimento e das Relações Exteriores, que alertam para a afronta de acordos internacionais do país no âmbito do comércio exterior e do Mercosul. Não foi suficiente.

Razões mesquinhas puseram o braço político do governo a sabotar o que a sua vertente racional e legalista advertia - e se deu início a uma série de manobras de bastidores para fazer aprovar, primeiro no Senado, depois na Câmara, o que exigia intensa discussão e não chicanas parlamentares. Se não fosse o alerta da imprensa, do PSDB e de um vasto bloco de deputados da própria base governista, dos quais muitos do PT, Inês a esta altura estaria morta. O apoio de Lula a projeto tão iníquo foi uma deferência ao ex-presidente da República. Como expoente do PMDB, Sarney trabalhou pela adesão formal do partido à base governista, além de favorecer, como presidente do Senado, o encaminhamento dos projetos do governo.

O clamor que este, assim por dizer, afago de Lula em Sarney à revelia de interesses econômicos mais amplos já fez surgir na Câmara um princípio de luz: os líderes do PT, PSB, PL e até do PMDB de Sarney retiraram suas assinaturas, somando-se ao PSDB que sempre foi contra, do requerimento de urgência para a tramitação do projeto que pode criar um imenso Paraguai tributário em quase um quarto do território nacional. A proposta terá agora que passar pelas várias Comissões técnicas da Câmara, permitindo o que no Senado se sonegou: o exame profundo da pertinência da matéria e seu confronto com o contraditório.

A rigor, o projeto, apresentado por Sarney cinco anos atrás e no início circunscrito ao Amapá - onde tem domicílio eleitoral apenas para se eleger sem maior esforço, pois de fato vive no Maranhão, estado do qual já foi governador -, nem deveria ainda tramitar como uma espécie de Freddy Krueger da política nacional. Ele conflita com a Lei de Responsabilidade Fiscal, que exige a cada concessão de subsídio e isenção ou desoneração tributária a existência de contrapartida no orçamento federal.

Ou seja: em primeiro lugar, o Congresso tem de saber exatamente quanto vai custar a boa ação - coisa que ninguém tem a mais vaga noção. A receita de impostos que deixar de entrar para os cofres da União - parte da qual depois é partilhada com municípios e estados -, tem de ser compensada com mais arrecadação, segundo a LRF, ou com corte de despesas em igual montante.

Ambas ações, obviamente, prejudicam os contribuintes em geral em beneficio de uma parcela restrita do país. Sem falar na perda de empregos em outras regiões, já que muitas empresas seriam tentadas a usufruir as benesses fiscais, transferindo suas instalações para a Amazônia û como ocorreu com a indústria eletroeletrônica, que se mudou quase toda para o paraíso fiscal da Zona Franca de Manaus. Nascida para gerar apenas exportações, mas que virou um entreposto aduaneiro de maquilagem de produtos vendidos em todo país.

Com tantas e tamanhas conseqüências, inclusive ambientais, pois se trata de ocupar a porção do país sujeita à exploração econômica restrita e acompanhada, surpreende que o projeto tenha sido votado e aprovado no Senado sem praticamente nenhuma divulgação pelos senadores. E só não se deu o mesmo na Câmara porque na última sessão do ano passado, véspera do Natal, o deputado Juthay Magalhães, líder do PSDB, escorado também por deputados petistas, contestou a intenção do presidente da casa, João Paulo Cunha, de levar o projeto a voto sem passar por qualquer comissão.

Não há dúvida de que daqui para frente, montada na ampla maioria que conquistou após a adesão do PMDB, o governo terá muito mais facilidades para aprovar o que quiser. O que só reforça o papel das oposições - limitada ao PSDB, PFL, PDT e a um naco dissidente do PMDB - e daquela parcela do PT, não pequena, que não aceita prato pronto sem antes saber bem o que se passou na cozinha.

Governo ignora a boa nova
Passou praticamente em branco o comunicado da Cia. Siderúrgica Nacional de que seu conselho de administração decidiu investir US$ 850 milhões na ampliação da mina Casa de Pedra, em Congonhas, Minas Gerais, e no porto de Sepetiba, no Rio, além da construção de uma usina de pelota de ferro. Os investimentos vão estar concluídos em trinta meses e deverão adicionar ao faturamento da CSN uma receita de US$ 700 milhões a US$ 800 milhões. As obras vão gerar quase 7.000 empregos diretos.

Deve ser o maior investimento privado feito no país desde o fim do ciclo de privatizações e, com certeza, é o maior realizado no governo Lula. Para um governo que vive a cobrar iniciativa do empresariado e clama por investimentos mundo afora, como o presidente Lula fará agora em Genebra, ao participar de seminário com cerca de 200 empresários europeus, estranha o tratamento burocrático que deu ao novo empreendimento. Maior prova de confiança na economia não poderia existir, mas, vai ver, os comunicólogos oficiais preferem ouvir a retórica dos discursos triunfalistas a notícias concretas, sem firulas.

CB, 29/01/2004, Brasil S/A, p. 8

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