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Zeca do PT quer derrubar direção da Funai

OESP, Nacional, p. A7
17 de Jan de 2004

Zeca do PT quer derrubar direção da Funai
Presidente da fundação resiste e avisa que vai manter colaboradores no Mato Grosso do Sul

João Naves de Oliveira
Especial para o Estado

O governador de Mato Grosso do Sul, José Orcírio Miranda dos Santos, o Zeca do PT, exigiu ontem que a Fundação Nacional do Índio (Funai) substitua os três administradores da instituição que trabalham no Estado. Para ele, a Funai "faz jogo sujo" e incentiva os índios a invadirem as fazendas do Estado.
O presidente da Funai, Mércio Pereira Gomes, resiste à pressão. Ele afirmou que não vai substituir os três administradores em Mato Grosso do Sul. Também declarou desconhecer totalmente a utilização de carros oficiais por funcionários da Funai para transportar índios e elevar o número de invasores nas ocupações de fazendas.
Gomes explicou ao governador que antigamente a Funai era dirigida por uma superintendência regional, e que atualmente são administrações independentes. "Não há a menor possibilidade de um administrador da região de Campo Grande interferir na administração de Amambai, por exemplo", disse.
Depois afirmou que Zeca do PT quer a exoneração do administrador de Campo Grande, o índio terena Márcio Justino, e dos outros servidores por falta de interação entre a Funai e o governo.
"O que vou fazer assim que chegar a Brasília é nomear um funcionário de gabarito, diplomado, para fazer essa interação. Seria uma espécie de superintendente nessa aproximação Funai-governo do Estado." Gomes defendeu seus colaboradores em coletiva à imprensa no gabinete do governador, logo após se reunir por mais de uma hora com Zeca do PT, o secretário de Segurança Pública e Justiça, Dagoberto Nogueira, e com o superintendente da Polícia Federal, Wantuir Jacini.
Zeca não retirou as acusações e voltou a dizer que recebeu informações seguras do uso de índios do Mato Grosso e do Paraguai para fomentar as invasões em Mato Grosso do Sul e pediu que a Funai investigue o caso. Também reforçou as reclamações de que a Funai não tem interlocutor no Estado e negou-se a receber o administrador do órgão em Campo Grande, pela "falta de diálogo do órgão com as autoridades estaduais".
Tensão - O presidente da Funai não foi até as áreas de conflitos nos municípios de Iguatemi e Japorã, alegando acreditar que "as lideranças tomem conhecimento de todas as providências tomadas hoje aqui". Gomes disse que não será necessário, pelo menos por enquanto, ir até as fazendas invadidas. A resposta dos invasores chegou no final da tarde na Funai de Dourados: "Se o presidente da Funai não vier em Japorã e Iguatemi, vamos começar a fazer todas as pessoas brancas que chegarem nas áreas de reféns." Gomes acredita em uma solução pacífica, dizendo que "os índios têm de compreender que a solução é através do diálogo". "As áreas em questão são realmente dos fazendeiros", afirmou.
Ficou decidido que a partir da próxima semana será criado um grupo de trabalho composto por membros do Ministério Público Federal, Funai, entidades de defesa dos direitos indígenas, Polícia Federal e governo do Estado.

Para Terena, governador é 'traidor' da causa indígena Consultor da Funai se diz arrependido de ter votado no petista
ROLDÃO ARRUDA
O líder indígena Marcos Terena disse ontem que está arrependido de ter votado no governador Zeca do PT, de Mato Grosso do Sul, a quem chamou de "traidor da causa dos índios". Para o representante indígena, que atua como consultor na Funai em assuntos de demarcação de territórios indígenas e também junto a organismos internacionais, como a Organização dos Estados Americanos (OEA), repudiou as declarações do governador de que a Funai estaria fazendo "jogo sujo", estimulando índios a invadirem propriedades no Estado.
"Com todo o respeito, acho que ele tinha tomado uísque quando falou isso", disse o terena durante entrevista à Rádio Eldorado, ontem à tarde. Para ele, o governador sabe que os cargos de funcionários da Funai hoje são ocupados por índios desde o governo anterior: "Você acha que eles vão ficar a favor do governador, do fazendeiro, do homem branco?"
Marcos, que faz parte do grupo terena que vive na região do Pantanal, disse que a "traição" do governador parece mais grave quando se considera que "ele foi criado por uma índia terena, que trabalhava na fazenda do pai dele. Para o líder indígena, quem atacou a Funai foi "o Zeca fazendeiro e não o Zeca do PT".
Planalto - Ele disse que esteve no Palácio do Planalto e saiu de lá convencido de que o projeto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para os índios não é o mesmo do governador: "Estamos debatendo com o governo federal um plano de ação que não contempla só a demarcação de territórios. Também trata da identidade cultural, do resgate da auto-estima e do crescimento econômico."
Em mais de um momento da entrevista à Eldorado, Marcos disse que as declarações feitas pelo governador na quinta-feira são reflexo do preconceito que existe em Mato Grosso do Sul contra os índios. "Lá somos chamados de bugres. Mas estamos demonstrando que não somos aquelas pessoas que não valem nada, que temos consciência dos nossos direitos. Não somos bugres. Somos povos dignos. Não aceitamos discriminação, preconceito."
Sobre o conflito pela posse da terra no Estado, afirmou: "Isso que os fazendeiros chamam de invasão é, na verdade, apenas a retomada de terras, baseada em estudo histórico e antropológico, feito pelo governo federal, através da Funai."

OESP, 17/01/2004, Nacional, p. A7

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