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Xikrin não será indenizado

O Liberal-Belém-PA
08 de Set de 2004

Análise feita pelo Museu Goeldi comprova que não há base para que índios recebam indenização por terem habitado área de exploração da Vale

A reivindicação dos índios Xikrin do Cateté, vizinhos da Vale do Rio Doce que pedem recompensas por supostamente terem habitado uma área onde está localizado o projeto Sossego, não tem fundamento técnico nem jurídico. Os índios, que vivem hoje em uma reserva indígena já demarcada próxima ao município de Canaã do Carajás, habitaram três aldeias diferentes às margens do rio Parauapebas entre os anos 50 e 70, antes de chegarem às margens do rio Cateté, onde hoje existem duas aldeias, Cateté e Djudjekô.

Há cerca de três meses, os índios pediram formalmente à Fundação Nacional do Índio (Funai) de Marabá uma análise da possibilidade de a mineradora ressarci-los por terem vivido na área. No entanto, o estudo feito desde 2000 pelo Departamento de Arqueologia do Museu Paraense Emílio Goeldi não detectou nenhum objeto que possa ser referência para a etnia kayapó, cujos Xikrin do Cateté fazem parte.

Segundo a coordenadora do Programa de Arqueologia Preventiva na Área Mineral da Serra do Sossego, Edithe Pereira, o local foi habitado por fazendeiros nos últimos anos e, por isso, o solo foi muito remexido para plantação e pasto. "O que encontramos foram pedaços de cerâmica tupi-guarani coletadas aleatoriamente por quem vivia nessa área", explica a arqueóloga. Detalhe - cerâmica não faz parte da cultura artesanal dos kayapó, que se utilizam de penas e folhas de buriti.

O programa de arqueologia conseguiu, no entanto, encontrar, a poucos quilômetros da área do Sossego, um sítio arqueológico tupi-guarani quase intacto (leia texto nesta página). Mesmo sem essa primeira comprovação, os índios terão ainda uma nova chance de conseguir provar suas teses através de um estudo de campo da própria Funai. O administrador regional da Funai de Marabá, Eimar Araújo, disse que o pedido já foi enviado para o órgão em Brasília, que só poderá incluir o estudo de campo no orçamento no ano que vem por questões de verba.

Mesmo se comprovada a vivência dos Xikrin na área, que é margeada pelos rios Sossego e Parauapebas, é pouco provável que eles consigam algum tipo de benefício financeiro por essas questões do passado. Segundo o procurador da República Felício Pontes Júnior, não há jurisprudência para indenização por área já habitada. "Além do mais, eles já têm uma área demarcada e protegida", disse Pontes. O procurador ressalta, entretanto, que essa questão pode mudar dependendo do laudo antropológico feito no local.

O projeto Sossego, inaugurado oficialmente em julho deste ano, deve garantir a sustentabilidade brasileira em relação ao cobre. A mina conta com 245 milhões de toneladas de cobre e a Vale do Rio Doce pretende produzir cerca de 140 mil toneladas do minério por ano. A projeção é que sejam produzidas 650 mil toneladas até 2010.

História -A relação dos Xikrin do Cateté com a Vale do Rio Doce começou na década de 1970, com o início do Projeto Carajás, quando o empréstimo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) exigia compensações aos povos tradicionais que habitavam a região. A demarcação, por exemplo, foi apoiada e financiada, em parte, pela companhia.

Hoje, apenas os Xikrin e os Gaviões, que fazem parte do mesmo grupo linguístico dos kayapó (Jê), tem acordos sem prazo determinado para acabar.

Os dois grupos indígenas recebem benefícios que vão diretamente para as suas associações. Há cerca de dois meses, os Xikrin do Cateté fizeram uma manifestação em Canaã do Carajás, exigindo o pagamento de dívidas contraídas no comércio local. Uma equipe da Funai esteve na região levantando os dados para decidir o que é, e o que não é, responsabilidade da empresa multinacional.

Técnicos do Museu fazem pesquisa arqueológica inédita na região amazônica

O Departamento de Arqueologia do Museu Paraense Emílio Goeldi conseguiu encontrar na área próximo ao projeto Sossego um sítio arqueológico tupi-guarani praticamente intacto. São 72 km2 em uma propriedade que margeia a estrada construída pela Companhia Vale do Rio Doce para ter acesso ao projeto Sossego.

"Tivemos muita sorte, porque o proprietário da terra, muito sensível ao nosso trabalho, manteve o sítio para pesquisarmos, mas o prazo está se esgotando", disse a coordenadora do programa, Edithe Pereira.

Ainda não há uma definição clara da idade do sítio, já que os objetos encontrados ainda estão sob análise e esperando o resultado do exame por carbono 14. "Sabemos apenas que a média de idade das ocupações tupi-guarani na região datam de mais de mil anos", detalha a arqueóloga. Pelo menos seis peças inteiras e vários fragmentos foram encontrados.

O ineditismo do programa está, no entanto, em manter a área para poder identificar o modo de vida dos tupi-guarani como um todo. Até agora, a maioria dos estudos arqueológicos sobre esse grupo, que ocupou grande parte do território brasileiro, estava restrito a sítios reduzidos que não mostram o dia-a-dia desses povos.

A equipe, que conta com 25 profissionais entre técnicos, antropólogos, biólogos, botânicos, geofísicos e arqueólogos, quer chegar a detalhes como o que comiam os tupi-guarani. Nesta semana, parte da equipe está em campo, mas, segundo a arqueóloga Edtihe Pereira, seria preciso pelo menos mais duas viagens que não estão no orçamento da Vale, que financia o projeto, para concluir essa parte da pesquisa.

Além da questão científica, os pesquisadores têm feito um trabalho junto à comunidade de Canaã dos Carajás para que as pessoas entendam a importância do tesouro histórico que possuem. O programa de educação patrimonial envolve famílias inteiras do município, que têm feito artesanato com motivos tupi-guarani, além de aprender a história desses povos para depois servirem de guias arqueológicos.

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