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Xamãs: da perseguição à tolerância religiosa

A Critíca - http://www.acritica.com/
Autor: Leandro Prazeres
23 de Mai de 2010

A história religiosa recente do povo baniwa é marcada por episódios de violência, terror e resistência. Desde o início do contato com os "brancos", em meados do século XVIII, a etnia teve de se defender dos traficantes de escravos, militares, garimpeiros e das doenças que dizimaram parte de sua população.

A partir do século XIX, foi a vez de os missionários religiosos chegarem à região e iniciarem uma guerra cultural. Apoiados, em grande parte, pelos governos da época, os católicos foram os primeiros a aportar na calha do rio Içana. Instalaram missões com internato e hospitais onde os índios recebiam educação formal da época e eram proibidos de falar seu próprio idioma.

Se de um lado, os católicos ofereciam "educação" e assistência médica, por outro, promoveram o início de uma "caça às bruxas" ao perseguir as práticas xamânicas. As malocas, moradias coletivas onde uma ou mais famílias viviam, também foram condenadas e os índios, obrigados a destruí-las e a construir casas nos moldes ocidentais. "Os missionários, evangélicos ou católicos, consideravam as malocas, os rituais e as flautas do Jurupari, elementos satânicos que tinham de ser extirpados da vida indígena", lembra o cientista social e antropólogo Geraldo Andrello, professor da Universidade Federal de São Carlos (UFscar) e estudioso do Alto Rio Negro há quase 20 anos.

Intolerância
Na década de 40, a cultura baniwa sofreu um dos golpes mais fortes. A chegada dos missionários protestantes à região e, em particular, da norte-americana Sophie Muller, criou um cenário de tensão inédito. Sophie aprendeu o idioma baniwa e terminou o "trabalho" iniciado pelos católicos no combate à pajelança, entretanto, atuando com muito mais truculência. Ela ordenou aos pajés que jogassem fora ou queimassem seus instrumentos acusando-os de charlatanismo e curandeirismo.

Manoel da Silva, o "Mandu", lembra da perseguição. "Sophie mandava a gente jogar nossas coisas (pariká, pedras e maracá) no rio. Muito pajé desistiu de ser pajé porque as pessoas não acreditavam mais nele", lembra.

Francisco da Silva, 65, pajé de corpo franzino, olhos opacos vítimas de uma catarata severa, também se lembra do período em que ser pajé era quase proibido. "Eles diziam que pajé era coisa do demônio. Os verdadeiros pajés se esconderam ou viraram crente", diz Francisco.

O antropólogo Robin Wright, diz que a campanha protagonizada pelos evangélicos foi responsável por uma redução de até 80% no número de pajés baniwas. "Antes dos missionários chegarem, cada aldeia tinha o seu pajé. Mais de 80 aldeias se converteram ao evangelismo", explica.

Resistência
Na avaliação do antropólogo, mais que reduzir o número de pajés, a conversão ao cristianismo entre os baniwas lhes tirou algo mais valioso: o orgulho de ser um xamã. "A redução (no número de pajés) é mais devido à falta de uma certa coragem, rigor e orgulho de ser pajé que os caracterizavam no passado", afirma Wright.

Apesar do cenário aparentemente não ser favorável à continuidade da pajelança entre os baniwa, os especialistas no assunto não acreditam que ela vá acabar. "Não vai acabar não. Enquanto eu estiver no mundo, a pajelança do meu povo não morre, não. Quero que os jovens aprendam o que eu sei pra isso não morrer comigo", diz Manuel da Silva, de Uapuí-Cachoeira.

O antropólogo e pesquisador Renato Athias, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), diz não acreditar que a pajelança esteja acabando. "Acho que estamos passando por um momento em que ela está sendo revitalizada em muitas áreas. Apesar da repressão, os pajés sempre estiveram presentes nas aldeias. Sei de pelo menos oito alunos de outras etnias do Alto Rio Negro que estão estudando para ser pajé", diz Athias.

Márcio Meira, presidente da Funai, concorda com Athias. "Estamos vendo um movimento de reforço étnico e cultural em diversos povos do Brasil. Que hoje, há menos pajés do que havia há alguns anos, não há dúvidas, mas não acho que eles vão desaparecer", afirma.

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