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Wagner vai a Cabrobó propor acordo para encerrar protesto

OESP, Nacional, p. A15-A16
06 de Out de 2005

Wagner vai a Cabrobó propor acordo para encerrar protesto
Recado a bispo é que governo vai abrir diálogo e investir mais na revitalização do rio

Tânia Monteiro
Leonencio Nossa

O ministro das Relações Institucionais, Jaques Wagner, informou ontem à noite que viajará hoje a Cabrobó (PE) para propor um acordo ao bispo de Barra, d. Luís Flávio Cappio, e com isso espera "poder ver o fim da greve de fome" contra a transposição do Rio São Francisco. Wagner citou quatro pontos do documento que levará ao bispo: "Prolongamento do diálogo sobre o tema, revitalização do São Francisco, votação da emenda que garante R$ 300 milhões por ano, durante 20 anos, para a revitalização do rio e o convite para uma audiência do bispo com o presidente Lula". Com isso, o ministro - que irá a Cabrobó com o embaixador do Vaticano no Brasil, d. Lorenzo Baldisseri - disse que o governo está "estendendo o processo de debate e diálogo" sobre o projeto. "Não tem ninguém aqui de cabeça dura que diga esse é o meu projeto e não muda em hipótese alguma. Eu estou prolongando o diálogo."
Indagado se o documento seria suficiente para o bispo suspender a greve de fome, o ministro disse que sim, baseado nos contatos entre interlocutores do governo e do bispo ao longo do dia de ontem. "Eu entendo que aquilo que foi feito por enquanto por entendimento telefônico nos deixa em posição de acreditar que, ao desembarcar lá, ao formalizar a proposta perante o frei Luís e outros, a posição (de parar a greve de fome) se consolidará", disse. À noite, porém, d. Luís disse que não encerrou o protesto e vai aguardar a proposta concreta a ser apresentada, antes de tomar uma decisão. "Ninguém do governo me procurou", afirmou o bispo. "Também não recebi pressão da Igreja para encerrar a greve."
CRONOGRAMA
Na entrevista ontem, o ministro evitou usar a palavra "adiamento" das obras da transposição do São Francisco, mas admitiu que, na prática, o cronograma deve sofrer alterações. O adiamento do início das obras foi anunciado pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), no plenário, depois de conversar com Wagner.
Sobre a possibilidade de que o adiamento abra um precedente que possa inviabilizar outros projetos do governo, o ministro respondeu: "Não acho que abra precedente, porque o governo não está dizendo que absorve ou que vai fazer o que os interlocutores querem. O governo está se colocando aberto a um diálogo, a um debate público, que não é exclusivo com as pessoas que estão com o bispo, para dar tranqüilidade a um projeto que na nossa convicção beneficiará a população do semi-árido."
Para ele, não há prazo para o diálogo terminar. "Quando falo em prolongamento do diálogo é impossível saber onde o diálogo desemboca", disse. "Não precisamos de nenhum trauma para que o projeto se implante. Por isso estamos estendendo o processo de debate que, no entendimento do governo, já tinha sido suficiente (com as 40 audiências públicas feitas). Mas alguns disseram no gesto do frei Luís que ele era insuficiente. O diálogo vai mostrar o caminho."
CIRO
Sete deputados do PV conversaram ontem durante duas horas com o ministro da Integração Nacional , Ciro Gomes. No encontro, pediram que o governo volte atrás no projeto de transposição do São Francisco.
Ciro disse aos deputados que não está mais no comando do processo, pois Lula tomou a frente desde que d. Luís o responsabilizou diretamente pelo resultado da greve de fome.

Lula elogia 'grandeza' do bispo, mas defende projeto
"Não pode haver suspensão porque é uma obra que não tem data marcada para começar", diz presidente

Ricardo Brandt

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou ontem, em São Paulo, que o projeto de transposição do Rio São Francisco não vai parar. Ele acredita que o governo encontrará "um bom termo" para pôr fim à greve de fome do bispo de Barra (BA), Luís Flávio Cappio, iniciada em protesto contra a obra.
"Não poderia haver suspensão porque é uma obra que não tem data marcada para começar", afirmou o presidente durante sua visita à Inova Senai - Feira Senai Paulista de Inovação Tecnológica, realizada no Anhembi. Antes, Lula participou da abertura da Olimpíada do Conhecimento, promovida pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
Para Lula, a posição do bispo é compreensível. "Quando você faz greve de fome é porque você tem uma forte razão", argumentou, lembrando que ele próprio já utilizou esse recurso. Mas defendeu o projeto da transposição. "Acho que é uma obra que tem um forte caráter social e acho que o bispo tomou uma posição pessoal que eu respeito, porque eu também já tomei a decisão na minha vida de fazer greve de fome", declarou.
Para Lula, a "grandeza" do bispo é um dos fatores que o fazem acreditar num acordo que ponha fim ao protesto. "Todas as pessoas que tomam a decisão de fazer greve de fome são pessoas que têm grandeza", argumentou. "Por isso estou consciente de que a gente encontrará um bom termo."
Questionado se ele mesmo iria conversar com d. Luís Cappio, que está em Cabrobó (PE), o presidente disse que outras pessoas estão incumbidas da tarefa. Citou ainda a posição da Igreja como um fator que pode ajudar nas negociações. Para a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a greve de fome até a morte não é "moralmente aceitável".
Lula fez questão de afirmar que o projeto de transposição do rio "está pronto" e o governo tem atuado para recuperar o rio. "A primeira coisa que nós começamos foi a revitalização de muitas cidades, porque esse rio foi abandonado durante muito tempo", explicou. "Vejo alguns governantes defendendo o rio, mas a vida inteira jogaram esgoto dentro do rio e permitiram que fizessem carvão com as matas ciliares."

Discurso do Planalto tenta camuflar recuo
Lula desiste de levar projeto a ferro e fogo, mas teme abrir um precedente se assumir mudança de posição

Vera Rosa
Ribamar Oliveira

Foi um dia de idas e vindas. Preocupado com o desgaste causado pela greve de fome do bispo de Barra (BA), Luís Flávio Cappio, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tentou por toda lei resolver o problema sem recuar. Mas não teve jeito: acabou voltando atrás na decisão de levar a ferro e a fogo o projeto de transposição das águas do Rio São Francisco. Num jogo de palavras, porém, Lula não admite que cedeu, como ficou claro em discurso feito por ele na manhã de ontem, em São Paulo.
Coube ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), anunciar à noite que o governo concordara em abrir o diálogo em torno do projeto. Renan pôs fim a um dia inteiro de especulações ao relatar uma conversa, no fim da tarde, com o ministro-chefe de Relações Institucionais, Jaques Wagner. "Ficou claro que as obras de transposição serão suspensas?", perguntou o senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA). "Ficou claro", respondeu Renan.
Antes disso, no entanto, tudo estava nebuloso. Lula, que é teimoso e odeia ser pressionado, não queria abrir precedente. "Daqui a pouco vai haver uma greve de fome atrás da outra para reivindicar coisas nesse País", disse o presidente. "O governo não pode passar a imagem de fraqueza."
Renan sugeriu a Lula a "saída política" para o impasse: lembrou que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já tomara a decisão de suspender as obras de transposição do São Francisco. "Eu disse ao presidente que, a partir dessa decisão do STJ, seria possível construir uma saída política para o problema e que o Senado estava interessado em ajudar", contou Renan.
Além disso, Lula foi aconselhado por amigos ligados à Igreja Católica a fazer um gesto. O presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), d. Geraldo Majella, disse a ele que d. Luís é um homem sério. "Não tem jeito. Se o bispo morrer, a tragédia será debitada na conta do próprio presidente", observou um ministro. O presidente decidiu, então, enviar Wagner para Cabrobó (PE), onde o frei está em greve de fome há 11 dias, só bebendo água do próprio São Francisco. Mas aí as coisas começaram a complicar.
Foram enviados sinais ao Planalto de que Wagner não seria bem-recebido. As informações davam conta de que era melhor aguardar representantes da Igreja e de organizações não-governamentais fazerem o meio de campo antes da chegada do ministro. Todo o esforço do Planalto, então, foi para convencer o religioso de que o governo vai priorizar a revitalização do rio, investindo R$ 68,5 milhões somente neste ano.

Preso em 80, Lula fez greve de fome por três dias
NA CELA DO DEOPS: O presidente Lula fez greve de fome em 1980 por três dias, durante a paralisação dos metalúrgicos do ABC. Preso pelo regime militar, Lula ficou 31 dias numa cela do extinto Departamento de Ordem Política e Social (Deops). A greve de fome, iniciada com o objetivo de reabrir negociações, foi suspensa por decisão da assembléia dos metalúrgicos

Emenda prevê R$ 300 milhões para revitalizar o São Francisco
Acordo do governo com bispo inclui aprovação de proposta que destinará verbas a um fundo por 20 anos

Ribamar Oliveira

O acordo que o governo propõe ao bispo de Barra (BA), d. Luís Flávio Cappio, prevê a aprovação de uma proposta de emenda constitucional que destina, durante 20 anos, cerca de R$ 300 milhões para um fundo para a revitalização e o desenvolvimento sustentável do Rio São Francisco. Esta emenda, que vai representar mais uma vinculação orçamentária, é de autoria do senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE) e já foi aprovada pelo Senado.
O relator na Câmara, Fernando Ferro (PT-PE), apresentou o seu parecer ontem mesmo, surpreendentemente. Nele, Ferro modificou a composição dos recursos destinados ao fundo. Na proposta original de Valadares, o fundo seria constituído por 0,5% da receita da União com todos os impostos, deduzidas as vinculações ou participações constitucionais.
Em seu parecer, Ferro propõe que o fundo seja constituído com 0,2% da arrecadação com impostos da União, deduzidas as vinculações ou participações constitucionais, e por 10% dos recursos oriundos da compensação financeira dada pela União aos Estados e municípios pela exploração dos recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica.
Por força do parágrafo 1o do artigo 20 da Constituição, são transferidos aos Estados e municípios que tiveram partes de seus territórios inundados por reservatórios das usinas hidrelétricas 5,4% do valor da energia elétrica produzida, a título de compensação financeira. Segundo dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o montante transferido chegou a R$ 1,3 bilhão em 2004. "O próprio setor de recursos hídricos, portanto, é capaz de proporcionar os recursos financeiros requeridos para recuperar o meio ambiente e os recursos hídricos e promover o desenvolvimento sustentável de uma bacia hidrográfica específica", argumenta Ferro no seu parecer.
FONTE DE ATRITO
Atualmente, os Estados e municípios podem aplicar livremente esse dinheiro. A idéia de Ferro de vincular 10% desses recursos ao fundo de revitalização do São Francisco deve abrir nova frente de atrito com governadores e prefeitos que perderão a liberdade de movimentá-los.
Os valor de R$ 300 milhões do fundo é substancialmente maior que os recursos atualmente destinados à revitalização do Rio São Francisco. Na mensagem que encaminhou ao Congresso, juntamente com a proposta orçamentária para 2006, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva informou que o governo vai gastar R$ 91,3 milhões em 2005 e R$ 124,1 milhões no próximo ano com a revitalização do rio.
BLOQUEIO
A execução orçamentária deste ano, no entanto, mostra outra realidade. De acordo com o secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, Cláudio Langone, o contingenciamento orçamentário feito pelo governo cortou os recursos destinados a revitalizar o rio. De um total de R$ 22,6 milhões destinados a ações de revitalizações de bacias, incluindo a do São Francisco, o Ministério do Meio Ambiente ficou com apenas R$ 4,75 milhões. Langone disse ao Estado que a Secretaria de Orçamento Federal prometeu descontingenciar R$ 10 milhões.
O orçamento da União deste ano destina R$ 68,4 milhões para o Ministério da Integração Nacional investir em obras de revitalização do São Francisco. Mas até dia 1o a Integração tinha empenhado R$ 38,27 milhões, ou seja 56%. Nenhum centavo dos R$ 7,1 milhões destinados ao reflorestamento de nascentes, margens e áreas degradadas tinha sido empenhado até aquela data.

OESP, 06/10/2005, Nacional, p. A15-A16

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