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Voto de deputado é cópia de parecer da CNA

O Globo, O País, p. 3
04 de Jun de 2008

Voto de deputado é cópia de parecer da CNA
Documento entregue à CCJ tem até carimbo da Confederação Nacional de Agricultura

Evandro Éboli

A cumplicidade entre parlamentares e entidades sindicais parece não ter limite no Congresso Nacional. Para tentar barrar a aprovação de uma proposta de emenda constitucional (PEC) que prevê o confisco de terras pertencentes a desmatadores na Amazônia, o deputado Gerson Peres (PP-PA) apresentou um voto em separado que é cópia literal de um parecer técnico da Confederação Nacional da Agricultura (CNA): com carimbo e tudo da entidade sindical.
0 parlamentar reuniu-se com dirigentes da confederação e entregou ontem na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) um parecer contrário a uma proposta de emenda à Constituição do deputado Mendes Thame (PSDB-SP), que prevê a expropriação de terras na Amazônia de fazendeiros que não cumprirem a lei preservando 80% de suas áreas.
Texto diz que projeto é inconstitucional e trata-se de confisco ilegal de terras
0 deputado Gerson Peres admitiu que o parecer foi elaborado pela CNA, mas disse que fez algumas mudanças. Não é o que parece. 0 documento da CNA é a íntegra do voto do parlamentar. Em resumo, o texto diz que o projeto de Mendes Thame é inconstitucional e que trata-se de confisco ilegal de terra.
A única diferença que há entre o texto da CNA e o de Gerson Peres é que, no seu parecer, a confederação ainda solicita aos deputados que aprovem o voto em separado dele.
A proposta de Mendes Thame estava na pauta para ser votada ontem, mas a votação foi adiada para hoje. Antes, Peres encontrou-se com assessoras da CNA e combinaram uma estratégia para adiar a votação porque o quórum estava baixo. 0 diálogo foi presenciado pelo GLOBO.
- Eu me reuni com o pessoal da CNA sim, mas fiz algumas mudanças na proposta - disse Gerson Peres.
0 voto em separado dos parlamentares repete trechos que dizem, por exemplo, que a Constituição assegura o direito de propriedade e que qualquer desapropriação só se dá mediante pagamento de indenização.
"0 autor (Mendes Thame) defende erroneamente a expropriação da gleba da Amazônia Legal em que a reserva legal mínima de 80% não esteja preservada ou recomposta. Trata-se de proposta injusta, de abominável confisco de terra, sem amparo em cláusula pétrea da Constituição", afirmam tanto o voto do deputado federal Gerson Peres como o parecer da Confederação Nacional da Agricultura.
A chefe da assessoria parlamentar da CNA, Beatriz Lima, disse que a entidade tem, entre suas atividades, o trabalho de emitir pareceres técnicos sobre vários projetos de lei. Ao todo, de acordo com ela, a confederação acompanha 1.900 projetos em tramitação no Congresso Nacional.
Beatriz afirmou que é comum deputados procurarem a entidade para conhecer sua posição sobre os temas de interesse do setor assim, fundamentar seu voto.
- É sinal que concordam com a nossa posição - disse.
Sobre o fato de o parecer da CNA ser o voto do Gerson Peres, Beatriz declarou:
- É livre arbítrio dele usar. Não posso impedi-lo.

Bernardo Mello Franco

0 ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, entregou aos governos estaduais o poder de determinar quais propriedades rurais serão impedidas ou autorizadas a tomar empréstimos públicos na Amazónia. Para escapar aos efeitos da medida que regulava a concessão do chamado "crédito verde", a mais polêmica do pacote antidesmatamento lançado pela ex-ministra Marina Silva, os fazendeiros agora só precisarão de declaração do órgão ambiental estadual atestando que a terra está fora do biorria. Amazónia. Minc admitiu que o sistema pode abrir espaço para fraudes, mas prometeu acionar o Ibama para fiscalizar a distribuição do documento a agricultores, pecuaristas e madeireiros.
A mudança na resolução do Banco Central que vetou crédito a proprietários que desmatam a floresta foi publicada ontem no Diário Oficial. Assinado por Minc, o texto estabelece que a declaração do governo estadual de que a propriedade está fora do bioma Amazónia "poderá ser apresentada pelo tomador de crédito ao agente financeiro para fins de não-aplicação das normas previstas pela resolução do Banco Central".
A medida abre exceção na portaria que havia regulamentado a restrição de crédito na Amazónia Legal, baixada por Marina em 27 de março. A regra original provocou forte reação de políticos ligados ao agronegócio, e teria levado o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a determinar que a ex-ministra recuasse. Ao deixar o governo, ela acusou dois governadores de pressionar pela revogação do corte: Blairo Maggi, de Mato Grosso, e Ivo Crisol, de Rondónia. Ontem, Minc negou que a mudança signifique flexibilização:
- 0 ministro do Meio Ambiente não tem condições de acrescentar ou tirar qualquer coisa de uma resolução do Conselho Monetário Nacional. Ainda que eu tivesse a sandice de mexer nisso, não poderia.
A portaria de Marina restringia o crédito a fazendeiros de 527 municípios da Amazónia Legal. Segundo Minc, w--,nova-medida livrará parte dos produtores de 96 desses municípios, que têm território dividido entre Amazõnia e Cerrado. A idéia seria isentar de punição as fazendas que não ocupam áreas de floresta. A maior parte das cidades beneficiadas fica em Mato Grosso.
- Quem define onde acaba cada bioma é o IBGE, e todos os secretários de Meio Ambiente têm essa linha pendurada na parede. É que nem o samba de gafieira: quem está fora não entra, quem está dentro não sai - comparou Minc.

Pode haver fraude. Mas dá prisão', diz ministro

Minc admitiu a possibilidade de fraudes. Mas disse que usará o Ibama para fiscalizar, por amostragem, a distribuição do documento que permitirá a tomada de empréstimos.
- Pode haver fraude. 0 secretário, como o governador, é contra a resolução, ou como ele é amigo do produtor, ou o cara que oferece R$ 100 mil para dizer que está fora da linha do IBGE... Mas é falsidade ideológica, dá prisão. Se o cara meter na gafieira quem está fora, é cana dura.
0 ministro afirmou que a mudança nas regras beneficiará entre 6 e 7 mil fazendeiros nos estados de Mato Grosso, Tocantins e Maranhão. Segundo ele, o Ibama não teria fiscais suficientes para desempenhar esse papel:
- Imagina se botasse os 400 homens que o Ibama tem -para cuidar da Amazónia atrás de uma mesa para receber 7 mil produtores e dizer se eles estão do lado de lá ou de cá da fronteira? 0 Ibama já não tem tempo para pegar os grandes madeireiros e criar as grandes reservas.
Minc prometeu enviar carta aos secretários dos três estados para explicar as novas regras.
- Vou dizer assim: "Queridos colegas, publicamos a portaria na confiança, mas quem assinar, quem botar a caneta, vai se responsabilizar". E quem estiver errado vai responder por crime ambiental - afirmou.
0 ministro afirmou que a portaria publicada ontem já estava pronta na gestão anterior, e só não foi assinada antes porque o governo entendeu ser importante sinalizar que a resolução do sj BC não seria revogada. 0 ex-secretário-executivo João Paulo Capobianco, principal assessor de Marina na pasta, defendeu a medida. Ele afirmou que o plano de recuperação de áreas degradadas, outra exigência na obtenção de crédito, já podia ser apresentado aos governos estaduais, embora esse documento seja mais complexo e inclua um parecer técnico sobre a propriedade:
- Uma coisa é falar que as secretarias não funcionam bem, outra é tiraras atribuições dos estados. 0 Ibama também opera nisso. Quem mentir estará sujeito a ação do Ministério Público.
Procurado, o secretário de Meio Ambiente de Mato Grosso, Luis Henrique Daldegan, não respondeu.

O Globo, 04/06/2008, O País, p. 3

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