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Volta ao passado na Amazônia?

OESP, Espaço Aberto, p. A2
Autor: NOVAES, Washington
04 de Jun de 2010

Volta ao passado na Amazônia?

Washington Novaes

De vários cantos surgem sinais preocupantes sobre aparentes indícios de retomada do crescimento do desmatamento na Amazônia, com a agravante de se estar ingressando numa conjuntura econômico-política favorável a esse desdobramento. Em março de 2010, a taxa de desmatamento foi 35% maior que a de 2009, segundo o Imazon. E de agosto de 2009 a fevereiro de 2010, foi 23,7% mais alta. Em janeiro último, por exemplo, a taxa foi 26% maior que um ano antes. Até que se colocassem esses dados, a postura oficial parecia otimista, com a informação de que havia caído em 51% a taxa de desmatamento de agosto de 2009 a fevereiro de 2010 (Estado, 9/4). Para complicar um pouco mais, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais diz que, de janeiro a fins de maio, cresceram 117,2% as fontes de calor (queimadas) detectadas principalmente em Mato Grosso (3.617, ante 1.665).
O retorno das taxas crescentes vem sendo atribuído a três fatores: 1) Retomada do crescimento da economia; 2) conivência política, em ano eleitoral; e 3) dificuldades na fiscalização, inclusive com a greve na área do Ibama (este último apontado pela direção desse instituto). E ela vem em seguida ao período de menor taxa de desmatamento desde 1988 - embora na última década a média do desmatamento tenha chegado a 17,6 mil km2. Em 2009, ano mais favorável, a produção de madeira na Amazônia havia caído 46% (Estado, 16/5), de 26 milhões de m3 para 14 milhões, segundo o Serviço Florestal Brasileiro e o Imazon. Uma das evidências de que esses caminhos de fato têm pesado está na notícia da prisão de uma quadrilha fraudadora de licenças para desmatamento e venda de madeira em Mato Grosso, com a participação de figuras que haviam sido importantes no governo e no licenciamento no Estado. Por esse caminho foram retirados ilegalmente 1,7 milhão de m3 de madeira de 100 áreas indígenas e 20 unidades de conservação.
Também preocupante, nesta hora, é que o governo federal insista no caminho de licitar florestas públicas para gestão "sustentável" de empresas privadas. Agora, em 364 mil hectares na Floresta Nacional do Amaná, no Pará (Estado, 7/4). É uma área onde campeiam a extração ilegal de madeira e a pecuária em áreas invadidas, além de garimpos de ouro (32), em meio a uma população muito pobre (40% do total, segundo o IBGE). A licitação de florestas, como já foi escrito neste espaço muitas vezes, é caminho altamente problemático, condenado por especialistas do porte do professor Aziz Ab"Saber, da USP, que mostra haver ele conduzido vários países à perda de suas florestas; do almirante Ibsen de Gusmão Câmara, especialistas em biodiversidade, segundo quem é alternativa que leva à decadência e perda da diversidade biológica, pois, retirando os melhores espécimes de cada lote, instaura-se um processo de evolução às avessas, partindo dos mais fracos; e tecnicamente inviável, de acordo com o professor Niro Higuchi, pois não seria possível escolher em cada um dos lotes a serem explorados em um ano (para só voltar a ele 30 anos depois) os melhores espécimes, já que para isso seria preciso conhecer, em cada área, todos os exemplares, uma vez que o tempo de maturação de cada um é muito diferente (e corre-se o risco de explorar espécimes ainda imaturos). Há muitos outros argumentos - nunca respondidos -, mas pode-se ficar com esses.
Não bastasse, não se consegue avançar com o zoneamento ecológico/econômico da Amazônia, que pretende proteger 1,7 milhão de km2 no sul do bioma - embora admitindo obras do PAC até em áreas de conservação, pavimentação da Rodovia Transamazônica, criando facilidades na BR-316 (iniciativas sob fortes restrições em várias áreas). Sem falar que já se reduziram de 80% para 50% as áreas de reserva legal a serem recompostas ao longo da BR-163 - e que chegaram a provocar polêmicas públicas entre os ministros Carlos Minc e Alfredo Nascimento.
Mas ainda tem mais. Causou certa estupefação - como relatou neste jornal Marta Salomon (26/5) - a portaria do Ministério do Desenvolvimento para regularizar posses de terras no município de Manoel Urbano, no Acre, desde que o ocupante pague R$ 2,99 por hectare (mas pode ser menos) em áreas de até 200 hectares; uma área de 1.350 hectares (1,35 km2) poderá ser regularizada por R$ 638.820, a R$ 473,20 por hectare. Nada menos que 72 mil ocupantes de terras públicas já se candidataram a 80,1 mil km2. Há ocupantes de até mais de 9 mil hectares, entre 300 mil ocupantes de terras públicas, dos quais 180 mil em áreas da União. Podem-se fazer contas: 40,8% das áreas, com até 1.500 hectares, significam 32,68 mil km2; ao preço de R$ 473 por hectare, pagarão em 20 anos R$ 1,54 bilhão. Essa área corresponde a 13,1% do território paulista. Se o valor proposto na Amazônia fosse estendido a todo o território paulista, significaria pouco mais de R$ 10 bilhões. E nessas áreas a taxa de desmatamento (40,4% da área) é o dobro do limite legal na região.
Essas coisas acontecem na hora em que avança a consciência sobre a importância da conservação da floresta para a preservação da biodiversidade e para a regularização do clima. Um dos últimos estudos divulgados, do Centro de Sensoriamento Remoto da UFMG e outras instituições (Estado, 26/5), mostra que 595 áreas protegidas da Amazônia têm o potencial de evitar a emissão de 8 bilhões de toneladas de carbono até 2050. Mas é indispensável investir alguns bilhões de reais na proteção dessas áreas - o que pode ser um caminho para o REDD, o sistema de financiamento da preservação de áreas florestais, em discussão na Convenção do Clima. Mas a Organização Mundial para a Alimentação adverte que o Brasil, embora tenha avançado, continua "campeão mundial" do desmatamento. E a Amazônia brasileira já perdeu 17% de suas florestas.
É preciso reverter com urgência a tendência de voltar ao crescimento da devastação.

Jornalista. e-mail: wlrnovaes@uol.com.br

OESP, 04/06/2010, Espaço Aberto, p. A2

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100604/not_imp561408,0.php

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