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Vitelo ecológico

OESP, Suplemento Agrícola, p.G1, G4-G5
07 de Jan de 2004

Vitelo ecológico
Criado no Parque Natural do Pantanal, em Mato Grosso do Sul, o bovino, que tem certificação orgânica, enfrenta as mesmas condições de um animal silvestre, em um ambiente equilibrado, com pastagem natural. É abatido aos 12 meses, com 180 quilos e valendo o dobro de um bezerro convencional.

A carne tenra e natural do Pantanal
Vitelo orgânico começa a ganhar o gosto do consumidor e consagra-se como alternativa à pecuária da região, pois é uma criação em harmonia com a delicada ecologia local

José Maria Tomazela

Uma carne de textura e sabor diferenciados proveniente do Pantanal sul-mato-grossense ganha cada vez mais apreciadores nas churrascarias e restaurantes paulistas. Não é animal de caça, selvagem ou exótico, e sim o tradicional boi brasileiro, criado e abatido em condições especiais. A carne é do vitelo orgânico do Pantanal, que está sendo considerado o verdadeiro boi ecológico.
O bezerro é criado solto, compartilhando as pastagens naturais com animais silvestres, como veados mateiros, cervos do pantanal, capivaras e queixadas.
A base da sua alimentação é o leite materno, por isso o novilho não é desmamado. Sujeito às leis da natureza, sua carne é disputada por predadores como a onça pintada e a suçuarana.
A produção do vitelo orgânico vem sendo estimulada pelo governo de Mato Grosso do Sul como forma de recuperar a pecuária do Pantanal e garantir a preservação de um dos mais significativos ecossistemas do planeta. "É uma alternativa para revitalizar a pecuária sem agredir o meio ambiente", afirma o superintendente de Agricultura e Pecuária, Benedito Mário Lázaro.
Para os criadores, um negócio promissor. O bezerro convencional, antes vendido a no máximo R$ 300,00, hoje vale pelo menos o dobro. Além disso, o Estado devolve ao produtor 67% do ICMS incidente sobre a carne bovina.
Pioneirismo[/INTERTITULO] - Mato Grosso do Sul foi pioneiro na produção de novilho precoce, cujas características são definidas por uma portaria do Ministério da Agricultura. É o animal com idade entre 18 e 30 meses, possuindo características de acabamento de carcaça, peso e cronologia dentária dentro dos padrões estabelecidos na norma. Dos 4,1 milhões de cabeças abatidas por ano no Estado, pouco mais de 200 mil são de gado precoce. O vitelo orgânico do Pantanal é considerado superprecoce: vai para o abate com 12 meses e peso mínimo de carcaça de 180 quilos.
O que o torna um animal diferenciado, segundo Lázaro, é a certificação de produto orgânico e a rastreabilidade. "Como a criação dá-se exclusivamente em áreas do Parque Natural do Pantanal, temos um controle rigoroso sobre todo o plantel." É um animal, segundo ele, criado em pastagens nativas, sem receber antibióticos, nem indutores de crescimento ou engorda. A produção ainda é pequena. Os 21 criadores cadastrados vendem pouco mais de 200 animais por mês, ao preço médio unitário de R$ 650,00. Mas o potencial é imenso. "Tudo o que pudermos produzir será consumido internamente, mas no futuro a carne desse bezerro vai para os pratos europeus", aposta Lázaro.
Alimentação natural[/INTERTITULO] - A Fazenda Pouso Alto, em Corumbá, adotou o modelo há quase cinco anos. Do rebanho total, com 4 mil reses, 500 matrizes foram selecionadas para gerar de 350 a 400 bezerros por ano. A propriedade situa-se nas várzeas do Rio Negro. Cervos, capivaras, porcos monteiros, emas e tuiuiús misturam-se com o gado. O bezerro imita o veado campeiro e se alimenta da relva mais fresca. "Aqui, a gente não fala em cabeças por hectares, mas em hectares por cabeça", diz o criador Nildo José de Barros.
Espaço não falta. Cada boi, vaca ou bezerro tem uma reserva de 2 ou 3 hectares de pastagem natural. "Como não é preciso formar pasto, não há nenhuma necessidade de abrir mato", diz. Na época das cheias, quando as vazantes ficam cobertas de água por três ou quatro meses, o gado se aperta um pouco mais. Ainda assim, não falta comida.
Nos meses das chuvas, fica mais evidente a importância da praça de alimentação, um espaço preparado pelo criador no meio da natureza. São colocados alguns cochos sob uma estrutura de madeira coberta com sapé ou folhas de palmeiras onde as matrizes recebem alimentação suplementar. "É o sal mineral, mais algum grão, que pode ser o milho, a soja ou o sorgo", detalha Barros.
A suplementação é necessária porque as vacas são muito férteis e, 90 dias após a cria, voltam a ser cobertas. "Temos vacas com um bezerro no pé e outro na barriga." Já os bezerros mamam só no leite materno durante os primeiros 90 dias. Depois, passam a receber também uma mistura de sal mineral com sorgo, milho ou farelo de soja, enriquecida com um nutriente orgânico certificado, nos cochos privativos - uma adaptação rústica do creep feeding.
Nas primeiras semanas podem ser oferecidas de 20 a 50 gramas ao dia por bezerro. Próximo do abate, a ração diária pode subir para até 700 gramas.
Tudo é natural. Os animais não recebem nenhum medicamento na ração ou através de injeções, a não ser um vermífugo, aplicado apenas na primeira semana. O ciclo das águas do Pantanal funciona com um controle natural das pragas. "Bernes e carrapatos são praticamente inexistentes e a mosca-dos-chifres não chega a atrapalhar", garante o criador. No caso de infecções causadas por bicheiras, a cura é feita com uma solução de álcool e iodo para aplicação no local. "Quando a infestação é mais grave, usamos um pouco de éter." Se um bezerro tem diarréia, algumas doses de chá de broto de goiaba resolvem.
É na praça da alimentação que os animais são manejados. Essa estrutura simples, um cercado com os cochos cobertos, é o único investimento em instalações. A vacinação obrigatória contra aftosa e brucelose também é feita ali. Quatro peões dão conta desse manejo, que não é muito diferente do usado pelo pantaneiro: o gado solto, comendo capim, reproduzindo-se naturalmente. Só que, agora, com as novas técnicas, o ganho é muito maior.
Filho de criadores de gado, Barros não segura o sorriso quando faz as contas. "O pessoal de Araçatuba vinha aqui comprar nosso bezerro desmamado, já bem criado, com dois anos e meio de trato, e pagava entre R$ 280,00 e R$ 300,00. Esse mesmo animal era vendido, um ano e meio depois, por R$ 1 mil.
Agora, eu vendo o bezerro mais novo, com menos gasto, por R$ 700,00." Ou seja, um bezerro de 10 meses vale quase o mesmo que um boi de 18 arrobas.
"Enquanto o criador tradicional faz um boi com esse peso, eu tiro três safras de vitelo." Ele pretende direcionar todo o seu plantel, com cerca de 4 mil reses, para produzir bezerro orgânico. O plano é ter uma produção anual de 1.200 a 1.500 vitelos.

Intenção é chegar a 30 mil vitelos/ano
Criação deve estimular crescimento do rebanho pantaneiro, que já foi de 5 milhões de cabeças
Os vitelos da Fazenda Pouso Alto são abatidos em frigoríficos da rede Marfrig, mas logo devem contar com um abatedouro próprio, em Campo Grande, que está sendo construído em convênio com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e com a Fundação Francesa do Meio Ambiente, um órgão de pesquisas da França. O rendimento de carcaça é de 52% e os cortes são diferenciados para atender à Associação das Churrascarias do Estado de São Paulo (Achuesp), principal cliente. A picanha, por exemplo, pesa 600 gramas.
Os outros cortes principais são o filé mignon, a costela e o ossobuco. Na venda para o consumidor, o preço médio por quilo de vitelo chega a R$ 16,00.
O veterinário do Parque do Pantanal, Rubens Flávio Mello Corrêa, conta que a carne poderá ser vendida também em redes de supermercados e churrascarias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. "A demanda existe, mas ainda não temos o produto em quantidade suficiente." O objetivo futuro, segundo ele, é entrar no mercado europeu, usando como ferramenta de marketing o lado ecológico do animal. "Ao contrário do vitelo tradicional, separado da matriz ao nascer e criado preso em um ambiente artificial, o nosso vive solto ao lado da mãe, num ambiente único, que é o Pantanal", compara. "É um animal ativo, sem estresse e que ajuda a conservar a natureza." Segundo ele, entidades ambientalistas reconheceram a importância do gado pantaneiro para reduzir a massa verde que, em períodos de estiagem, facilita a propagação de incêndios.
Exportação[/INTERTITULO] - Para exportação, terá de ser superada a restrição imposta pelo Mercado Comum Europeu (MCE) à carne proveniente da região em razão de uma suposta atividade viral causada por animais silvestres. "Provamos que esse risco não existe, mas falta a inspeção final da missão européia, que deve ocorrer em maio."
Corrêa acredita que já em 2004 será possível chegar a uma produção de 30 mil vitelos por ano. O novo animal, segundo ele, vai reverter a tendência de êxodo dos criadores do Pantanal. A região já teve mais de 5 milhões de cabeças de gado e hoje concentra cerca de 3,5 milhões. "Muita gente estava vendendo terras, mas o vitelo vai segurar esse pessoal aqui."
Considerado área de preservação permanente e de interesse público pelo governo federal, o parque onde é criado o vitelo abrange os municípios de Corumbá, Miranda e Rio Verde. Das 180 fazendas, 64 estão iniciando a produção. "Temos 60 mil matrizes cadastradas e os criadores estão reservando as fêmeas para ampliar o plantel." A base desse rebanho é o nelore e, entre os reprodutores, predominam os animais puros. O couro do vitelo também passará a ser comercializado diretamente. "É um couro especial, do tipo pelica, sem berne, sem injeções." O projeto ganhou a adesão da Associação das Pousadas Pantaneiras (Apan), que administra o parque. Os passeios, cavalgadas e roteiros de turismo eqüestre oferecidos pelas pousadas incluem a lida com o gado.(J.M.T.)

Nova conjuntura favorece criação ecológica
Assim que exportação for liberada, carne orgânica, livre do risco da vaca louca, será valorizada
O surgimento da vaca louca no rebanho americano e o bloqueio à compra da carne bovina produzida naquele país deve favorecer a rápida expansão do programa do vitelo orgânico do Pantanal, segundo o coordenador de Agronegócios e Pecuária da Secretaria de Produção de MS, Marivaldo Miranda.
"Está sendo reforçada cada vez mais a tendência mundial de consumo de carnes saudáveis, como o vitelo orgânico." Segundo ele, o boi orgânico, criado a pasto, já é bastante requisitado, mas o Brasil precisa estar atento às medidas sanitárias e à competitividade de sua carne. "Não podemos continuar abatendo bois com média de 42 meses."
O ideal, segundo ele, é conseguir uma média de abate de 26 meses. Abate precoce significa ampliação no desfrute, ou seja, o porcentual do rebanho pronto para o abate. No MS, hoje, o desfrute anual está em torno de 20% do rebanho. O ideal, segundo ele, seria aumentar para 40%.
De acordo com Miranda, a carne do vitelo orgânico ainda não pode ser exportada, porque é produzida numa região considerada tampão em relação à febre aftosa, presente na Bolívia. Mas ele prevê que a liberação da área deve ocorrer ainda no primeiro semestre deste ano. Miranda destacou que o País não deve se preocupar com a aceleração muito intensa das exportações, pois isso pode gerar desabastecimento interno e aumento de preços. "A primeira preocupação deve ser com o controle sanitário e com a qualidade, o resto o mercado faz."
Carne mais saborosa[/INTERTITULO] - A carne do vitelo pantaneiro é mais atraente e saborosa que a do vitelo tradicional, criado exclusivamente no leite, segundo estudo feito pelo zootecnista Daniel Dantas Lopes. A diferença, segundo ele, decorre do manejo. Enquanto o vitelo leiteiro apresenta a carne rosada, de tom pálido, em razão da deficiência de ferro, o animal pantaneiro, criado também a pasto, sob o sol, tem a carne mais avermelhada. "O vitelo pantaneiro, abatido com peso mínimo de 180 quilos, tem a carne livre de resíduos químicos, de baixo valor calórico, reduzido teor de gordura, de coloração vermelha, sintetizando a natureza do Pantanal."
O trabalho foi apresentado na conclusão do curso da Universidade Estadual de MS. Lopes visitou mais de 20 propriedades, na companhia de técnicos do Instituto do Parque do Pantanal, entidade que administra o projeto. "O vitelo pantaneiro é um produto sofisticado, criado para o mercado internacional e para o consumidor mais exigente do Brasil."
Ele constatou que o regulamento instituído pelo IPP vem sendo cumprido pelos fazendeiros. A fiscalização é feita de forma rotineira e consiste na inspeção das instalações, dos pastos e na coleta aleatória dos alimentos depositados nos cochos para análise, a fim de detectar eventual presença de material não orgânico, como uréia. As condições das pastagens e o transporte também são verificados. Se o capim natural está muito ralo, é recomendada a retirada do gado. Já o transporte deve ser feito em gaiolas com divisões internas, sendo obrigatório um descanso a cada hora de viagem em estrada de terra, ou a cada 3 horas em via pavimentada. Segundo Lopes, em razão das condições ambientais e do solo, os 3 milhões de hectares do Pantanal não são propícios para a engorda do gado, mas constitui uma região privilegiada para a produção de bezerros. (J.M.T.)

OESP, 07/01/2004, Suplemento Agrícola, p. G1, G4-G5

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