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Violência e conflito agrário no Estado do Pará

Agência Frei Tito para a América Latina
Autor: Jax Nildo Aragão Pinto
27 de Out de 2003

Desafios e enclaves que se colocam na pauta de discussão do Tribunal Internacional dos Crimes do Latifúndio

O Estado do Pará tem sido marcado por graves e violentos conflitos pela posse da terra, que nas últimas décadas vitimaram centenas de camponeses. A maioria dos conflitos, principalmente os ocorridos no sul do Estado são veiculados pela imprensa regional, estadual, nacional e internacional, destacando o Pará como a região mais violenta do Brasil. Evidentemente, se é verdadeiro o fato de que o sul do Pará é a região mais violenta conforme os dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), não se pode omitir o fato de que a violência no campo paraense se espacializou, mas precisamente nos últimos anos.

Os conflitos atingem várias regiões de forma diferenciada. Na região do Baixo Amazonas nos municípios de Santarém, Monte Alegre, Almerim, Alenquer a implantação do pólo da soja tem provocado inúmeros conflitos pela posse da terra, inclusive com a incidência de violência policial. Dezenas de gaúchos, vindos do centro-oeste, ocupam a região através da apropriação de terras griladas ou pela expulsão dos colonos da região. O projeto de implantação da soja incide em duas situações graves. Na região de Santarém, os grileiros estão utilizando as terras de capoeira adquirida na maioria das vezes sobre força e pressão contra os colonos da região ao longo da Santarém-Cuiabá.

Em áreas dos municípios de Almerim, Alenquer, Monte Alegre há um processo de apropriação e exploração madeira que marca a primeira fase da ocupação do território para o uso posterior da monocultura da soja.

Na região nordeste do Pará com a espacialização do movimento social camponês (MST e MPA) se presenciou nos últimos anos um aumento considerável de conflitos, principalmente ao longo da Rodovia Belém-Brasília. Há registros de assassinatos e de violência policial. Atualmente, cerca de 800 famílias estão acampadas na região de Irituia e Mãe do Rio, aguardando providências do Incra para assentar as famílias. Nesta região depois da ocupação das fazendas do chamado complexo Bacuri (Áreas extensas de terras improdutivas e/ou griladas em Castanhal), e a efetivação do assentamento João Batista, os fazendeiros retomaram com força a União Democrática Ruralista (UDR) que age, em muitos casos, articulada com o aparato policial, ameaçando lideranças dos trabalhadores rurais.

Na região ao sudoeste do Estado, principalmente os municípios de Altamira, Itaituba, Anapu, Novo Repartimento e Pacajá, há graves conflitos pela posse da terra e pelos recursos da floresta, principalmente a madeira (mogno). Nesta região, há pouca atuação articulada do movimento social camponês e como também se trata de uma geografia marcada ainda pela incidência de rios e florestas é difícil o acesso, o que favorece a prática do trabalho escravo e da ação tradicional na Amazônia que é o assassinato de trabalhadores rurais por meio do pistoleiro. Na região de Castelo dos Sonhos (Altamira) e Novo Repartimento, em dois anos, foram cerca de 10 assassinatos, inclusive com várias vítimas desaparecidas. Somente neste ano, em Novo Repartimento, já ocorreram seis assassinatos e três em Castelo dos Sonhos.

Nas ilhas do Estado ou região do Marajó, o conflito não é diferente. Há incidência de trabalho escravo, violência contra ribeirinhos e até mesmo, assassinatos. Em Afuá e Gurupá, os conflitos já ceifaram a vida de três trabalhadores (2002 e 2003), além de inúmeras denúncias contra a ação de piratas dos rios que roubam a produção e os barcos dos pescadores. Quem denuncia geralmente é vítima da ação dos fazendeiros da região. Na região de Bagre, Portel e Breves, a exploração madeireira avança rio adentro consumindo as últimas reservas de floresta da região. Esta região carrega ainda o peso de pior índice de IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do Estado do Pará, que já ocupa a 19ª colocação no ranking nacional.

Na região sul e sudeste, áreas tradicionalmente mais violentas do Estado do Pará, apesar da ocupação da maioria dos latifúndios próximos aos centros populacionais (cidades e micro-regiões) a violência se mantém, inclusive com índices elevados, nos municípios como Marabá e Itupiranga, que nos últimos dez anos sempre aparecem nas estatísticas referentes a assassinados de trabalhadores rurais, indicando o alto número de conflitos pela posse da terra.

Os números de trabalhadores submetidos ao regime de escravidão também são elevados no Estado, atingido 22 municípios, principalmente no sul e sudeste. No balanço prévio de 2003, o Ministério do Trabalho confirma que 1.193 trabalhadores foram libertados em fazendas do Pará, dos 1.695 encontrados em todo o país, atingindo 70% de todos os casos fiscalizados.

É importante também destacar que a violência e os conflitos, antes intensos na região de Conceição do Araguaia, Rio Maria, Xinguara, Eldorado e Parauapebas, hoje, paulatinamente se deslocam com intensidade e rapidez para uma região conhecida como terra do meio, entre os rios Xingu e Iriri, região ainda desconhecida no que tange ao real quadro de violência e conflitos. Engloba, principalmente a área do município de São Félix do Xingu e Altamira. A disputa pela terra nesta região assume características diferentes, onde o grileiro disputa a terra não apenas com o colono, mais substancialmente com outro grileiro. Com o alto nível de concentração de terra, indefinição da propriedade e grilagem da terra, o processo predatório é intenso com queimadas e derrubadas da floresta para a implantação do pasto nas fazendas. Estima-se que na região subsista 10 milhões de cabeças de gado. A grilagem nesta região também é intensa, onde um só proprietário (CR Almeida) grilou 4,7 milhões de hectares de terra, sendo que a CPI das terras públicas do Pará registrou 30 milhões de hectares grilados no Pará.

Os registros organizados pela Comissão Pastoral da Terra dão conta que nos últimos 31 anos (1971-2002), no Estado do Pará, foram assassinados 726 camponeses. Na primeira metade do período mencionado (1971-1985) foram registrados 340 assassinatos em conflitos fundiários. Na segunda metade do período (1986-2002) foram vitimados 386 camponeses, demonstrando assim a persistência no tempo do padrão de violência existente no Estado. Se isso estarrece, impressiona ainda mais os dados da impunidade.

De todos esses crimes, houve apenas sete condenações, sendo três mandantes (Jerônimo Alves de Amorim, Edílson Laranjeiras e Vantuir de Paula); um intermediário, Francisco de Assis Ferreira; e três pistoleiros, Péricles Ribeiro Moreira, José Serafim e Ubiratan Ubirajara . O massacre de Eldorado do Carajás configura-se como o caso mais emblemático de impunidade, onde 19 camponeses foram assassinados e depois de sete anos nenhum dos policiais envolvidos foi para a cadeia, apesar dos dois comandantes terem sido condenados.

A impunidade, infelizmente, não tem recebido nenhuma atenção especial por parte do Poder Judiciário do Estado do Pará que, teimosamente, ao manter-se completamente omisso, na prática, demonstra desconhecer a íntima ligação entre a permanência da impunidade e novos assassinatos na região.

Neste ano de 2003 já foram registrados pela CPT Pará assassinados 21 trabalhadores rurais. Há no Estado cerca de 20 mil famílias sem terra e os acampamentos se espalham por várias regiões do Estado. Deste total, seis mil famílias estão debaixo da lona e 14 mil ocupam áreas entre 1 e 15 anos, sem regulamentação do Incra.

Portanto, uma breve análise desse processo de ocupação recente da região já aponta para uma tendência, a correlação evidente da violência contra camponeses e a destruição da natureza com efeitos cada vez mais graves; para a dinâmica da violência em um cenário diferenciado a partir deste novo paradigma, que pode ser denominado de modernização exportadora, onde o Estado abandona sua função empreendedora e assume o papel de transferir o patrimônio natural e público para a esfera privada e ao mesmo tempo viabiliza um reordenamento institucional (Lei Kandir, mudança no Código Florestal) para facilitar o processo de acumulação de capital. Este novo quadro configura a permanência e o aprofundamento no tempo e no espaço da violência na região de fronteira

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