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Vinte anos depois, usina de Belo Monte, no Xingu, une Raoni e Sting

Valor Econômico, p. A2
23 de Nov de 2009

Vinte anos depois, usina de Belo Monte, no Xingu, une Raoni e Sting

Aconteceu de novo, 20 anos depois. O músico inglês Sting encontrou-se ontem, em São Paulo, com o cacique caiapó Raoni. A conversa girou em torno do mesmo assunto de duas décadas atrás: a construção da usina Belo Monte no rio Xingu, no Pará, e a ameaça da barragem. Só que o momento do reencontro, a duas semanas da Conferência do Clima de Copenhague, com a licença-prévia do Ibama saindo do forno e um blecaute nacional há 15 dias, é uma batata-quente nas mãos do governo Lula.
Coube a Sting fazer a amarração entre Belo Monte e Copenhague. "Há 20 anos, quando vim pela primeira vez ao Xingu, tive uma intuição que a floresta era importante para o mundo. Mas era só uma intuição. Vinte anos depois temos a informação científica que dá base a esta ideia." A discussão sobre florestas é o tópico que mais avança no debate climático internacional.
Um jornalista colocou o fato que o Brasil precisa de energia. "Não sou perito neste assunto, só acho que todos os lados têm que ser ouvidos", disse Sting. "O Brasil precisa de energia, mas talvez não precise de Belo Monte." Prosseguiu dizendo que espera que em Copenhague os governos reconheçam que o mundo está em crise e que ajam com a mesma urgência com que socorreram o sistema financeiro em 2008.
"Há 20 anos eu conheci "Patemá" e pedi ajuda a ele", disse Raoni Txucarramãe - "Patemá", como ele carinhosamente chama Sting, quer dizer "fígado de tamanduá", em caiapó. "Estou preocupado porque o governo quer de novo fazer a barragem de Belo Monte", continuou o líder indígena, na tradução do sobrinho Megaron Txucarramãe. Raoni prosseguiu: "Eu não tô gostando. Quero viver em paz, quero que meus netos vivam em paz. Não quero barragem no rio Xingu, espalha aí", sugeriu.
Foi Megaron quem esclareceu: "Quando o governo planejou Belo Monte, não conversou com os índios. O governo tem que escutar os índios, explicar o que está acontecendo. " E antes que viesse a pergunta sobre as audiências públicas que o Ibama fez na região do projeto, emendou: "Índio não entende o que é audiência pública. Pensa que é para ir lá para brigar."
"Deve haver uma razão econômica para fazer a barragem, mas também deve haver motivos ambientais que mostrem que talvez esta não é uma boa ideia", pontuou o ex-Police. Um estudo de 40 especialistas entre antropólogos, sociólogos, biólogos e engenheiros divulgado recentemente lançou dúvidas sobre vários pontos do empreendimento da Eletrobrás. Um deles aponta a geração média prevista de 4,5 mil MW para uma capacidade instalada de 11 mil MW. Isto pode fazer ressurgir o antigo projeto de usinas múltiplas no Xingu, o que assombra os índios. Os caiapós de Raoni, que vivem a quase mil quilômetros de Belo Monte, temem esta possibilidade. O Xingu, para os índios, é um rio sagrado, além de fonte de peixes, base da alimentação das várias etnias que vivem por ali.
"Esta é uma decisão do povo brasileiro, eu sou de fora, sou estrangeiro", continuou. "Mas por isso é importante que todos os brasileiros sejam ouvidos e o povo do Raoni também. Esta é a única coisa que eu posso fazer." Sting prometeu que à noite, durante seu show Natura Nós About Us, chamaria Raoni para o palco. "É um evento ambiental. Vamos tocar música e Raoni falará." Brincou: "Sou a banda back do Raoni".
A resistência indígena à usina de Belo Monte pode ter um novo capítulo em breve. Há duas semanas, uma reunião com líderes na Vila da Ressaca, em Altamira, (PA), decidiu entrar com um pedido de medida cautelar na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). Trata-se de pedir uma manifestação da comissão ao governo brasileiro. Isto ocorre em casos urgentes e quando os apelos domésticos não surtiram o efeito desejado - foi um expediente adotado também no caso da Raposa Serra do Sol. "Ainda não entramos com o pedido, estamos estudando o momento mais adequado", diz Erika Yamada, advogada do Instituto Socioambiental, o ISA, que está ajudando a montar a iniciativa. "É uma demanda coletiva", diz ela. "Os índios estão se sentindo excluídos do processo."
"O projeto em si é difícil. Os empresários têm dúvidas quanto ao orçamento de Belo Monte", diz Glenn Switkes, diretor no Brasil da ONG International Rivers. Ele lembra que o projeto está orçado em R$ 16 bilhões, mas seriam R$ 21 bilhões com juros. "É um lugar sem infraestrutura, as empresas calculam gastos muito maiores." Isto sem contar os impactos sociais. Segundo ele, os empreendedores reconhecem quem será inundado e quem está fisicamente dentro da área do canteiro de obras. Serão retiradas quase 20 mil pessoas, diz ele. "Mas este é um número subestimado, há cálculos que indicam quase o dobro de gente atingida."
"O desafio é criar um modelo econômico que seja bom para todos, para os índios e também para este pessoal daqui", disse Sting, apontando a região onde ficam as fazendas. "Tenho esperanças, mas sou realista." Há três dias ele conheceu a senadora Marina Silva. "Fiquei impressionado. Ela é muito carismática."

Valor Econômico, 23/11/2009, p. A2

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