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"Viemos para Manaus para comer", diz índia venezuelana que vive na Rodoviária

A Crítica- http://www.acritica.com
Autor: Rafael Seixas
08 de Fev de 2017

Nuvens negras anunciam mais uma chuva. O ponteiro do relógio marca 18h22 nesta segunda-feira (06). Chegamos ao estacionamento da Rodoviária de Manaus, na Zona Centro-Sul, e, ao descermos do carro da reportagem, escutamos gargalhadas de crianças. Os olhos encontram os responsáveis das risadas, mas a visão às vezes pode machucar. Os corpos dos pequenos trazem as marcas de uma visível subalimentação, com poucos nutrientes e vitaminas. O grupo de quase 20 venezuelanos está no local há pouco mais de uma semana dormindo em pedaços de papelão e pedindo dinheiro para sobreviver. Na Venezuela, a crise - que é econômica, política e humanitária - castiga seus habitantes e muitos já sofrem com a escassez de alimentos e medicamentos.

Este é o caso dos índios Warao, um dos povos mais antigos do Delta do Orinoco, no Nordeste da Venezuela, que estão na Rodoviária de Manaus. Formado por adultos, idosos e crianças, o grupo não quer conversar com a equipe temendo, aparentemente, algum tipo de desaprovação por estarem usufruindo de um cidade/país que não o seu de origem. As crianças ficam curiosas com as câmeras de fotografia e filmagem e se aproximam. Em seguida, uma senhora diz em castelhano: "Pode falar comigo". Assim conhecemos Zulelmma, 46, que veio a Manaus para fugir basicamente da fome. Ela é mãe de 11 filhos, mas somente quatro a acompanharam na viagem, sendo dois meninos, um com 6 e outro com 9 anos de idade; e duas meninas, uma com 2 e outra com 17 anos de idade.

"Viemos para cá porque não temos o que comer na Venezuela. A situação está complicada. Meus filhos pediam comida: 'Mãe, me dá um arepa [pão feito com milho moído ou com farinha de milho pré-cozida]?'. E eu não tinha como. Viemos para Manaus para comer", disse Zulelmma, que em momentos da entrevista fala em castelhano e em outros usa a língua do povo Warao. Os vestidos usados pelas indígenas chamam bastante atenção devido às cores de tons quentes.

Após alguns minutos de conversa, começa a sorrir e a comemorar que ela e seus filhos estão ganhando peso na cidade. Toda manhã vão ao Centro de Manaus pedir dinheiro para comprar alimentos. Quando conseguem, compram sucos, pães, frutas e outros mantimentos de consumo fácil, sem necessidade de preparo.

"Aqui estou ficando gorda (risos). Estava morrendo por não comer. Também conseguimos remédios para as crianças", contou, abrindo em seguida um pano repleto de miçangas nas cores verde, azul e branco que utilizará na elaboração de colares para vender. "São muito bonitos, como usado em algumas roupas de Hugo Chávez [ex-presidente da Venezuela falecido em 2013]", afirmou a senhora, que pretende retornar ao seu país somente quando os efeitos da crise amenizarem. "Por enquanto, aqui é a nossa casa", diz, apontando com o dedo indicador para o chão da rodoviária.

Cantor sorridente

Ajudando a traduzir certas frases e termos usados por Zulelmma estava o venezuelano Rayan Oswaldo Adophas, de 22 anos, que entende um pouco de português. Ele não é indígena, mas, assim como os índios Warao, dormiu na Rodoviária de Manaus quando chegou à cidade no mês passado. Ele conseguiu um emprego como ajudante de pedreiro recentemente e alugou um quartinho no bairro Mundo Novo, na Zona Norte, que divide com outro amigo venezuelano, mas esse ainda não arrumou um trabalho. Sempre após o expediente, ele passa na rodoviária para conversar com alguns dos amigos compatriotas indígenas para procurar ajudá-los de alguma forma.

"Meu sonho era chegar a Manaus e aprender português para poder fazer umas rimas que 'pegassem' (risos). A minha música é com consciência. É com mensagens boas para um povo bom. Sou um homem que tenho consciência", garantiu Rayan, que pretende retornar para a Venezuela quando se firmar como cantor. Ele até mostrou um rap de sua autoria que aborda sobre a vida de moradores de rua e a importância da solidariedade. Mas, no momento, seu objetivo é continuar trabalhando para enviar dinheiro aos seus familiares.

"Só tenha mesmo a casa para dormir. Não temos mais nada, nem colchão, nem ventilador e nem geladeira. Me alimento no trabalho somente. Deus me abençoou", comemora o jovem, que acredita que a grave situação financeira na Venezuela é motivada por uma perseguição política feita contra o presidente Nicolás Maduro.

"Nunca chorei por conta da situação do meu país. Sempre me mantive trabalhando com qualquer coisa, mas chegou o momento que tive que vir para Manaus para trabalhar e ser cantor. Tenho que ajudar a minha família. Só volto quando conseguir", afirmou.

Amor ao próximo

Após conversar com Rayan, que é extremamente alegre e divertido, os venezuelanos foram surpreendidos com a chegada dos integrantes do Movimento Mais Amor, Por Favor que trouxeram alimentos, roupas e remédios.

"Estamos sensibilizados com a situação deles. Entendemos que a Venezuela passa por um momento de crise muito intenso e por isso essa migração. Entendemos o problema da fome, do abandono, da exclusão porque trabalhamos com moradores de rua na cidade. Decidimos dentro do movimento dar apoio para essas pessoas", explicou um dos integrantes do Mais Amor, Por Favor, Carlos Melchizedek, que disse ter acionado o consulado da Venezuela para conseguir ajudar aos indígenas, mas não obteve sucesso.

Os membros do movimento também conversaram com os indígenas para buscar outras maneiras de ajudá-los, por meio até da Organização das Forças Unidas (ONU). Nessa noite, já com pingos de chuva, os índios Warao puderam sorrir e renovar a esperança de que dias melhores virão.

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