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Vidas aquáticas

O Globo, Amanhã, p. 8-11
30 de Out de 2012

Vidas aquáticas
Apa Costa dos Corais, entre Alagoas e Pernambuco, dribla ameaças, mas já colhe frutos da preservação

Rafaella Javoski
Especial de Alagoas
rafaella.javoski@oglobo.com.br

Há 15 anos saiu do papel a primeira das nove unidades de conservação marinha no país. Localizada numa área de 413.563 hectares e espalhada por 12 municípios em dois estados, Alagoas e Pernambuco, a Área de Proteção Ambiental Costa dos Corais (APACC) é uma região de intensa beleza natural, mas não conseguiu afastar de vez as ameaças que rondam seus recifes e manguezais. Ainda assim, as APAs são vistas como um muro de proteção à biodiversidade, tanto assim que, recentemente, a SOS Mata Atlântica encaminhou pedido ao governo para que saia do papel as 19 outras unidades de conservação que estão engavetadas. No Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) há processos para a criação de duas APAs: Banco de Abrolhos, na Bahia, e Litoral Leste, no Ceará.
Por ser classificada como uma unidade de conservação (UC) de uso sustentável, a pesca não chega a ser proibida nessa APA. Lá, é permitido o uso dos recursos ambientais, ao contrário do que acontece com as UCs de proteção integral. Por isso, a área, ao longo dos anos, sofreu com a pesca ilegal, além do desenvolvimento
das cidades que fazem parte da região, o que provoca ocupações irregulares e especulação imobiliária. Nem todo o território da Costa dos Corais é liberado à visitação. Em Tamandaré, a 114 quilômetros da capital pernambucana, uma área de 400 hectares foi totalmente fechada, sendo permitido o acesso somente para pesquisa. Isolado há 13 anos, o espaço equivale a 0,1% do total, mas a medida teve efeitos também fora dali.
Os estudos são realizados pelo Instituto Recifes Costeiros, que conta com professores e alunos do Departamento de Oceanografia da Universidade Federal de Pernambuco.
Tendo como principais atividades econômicas a pesca e o turismo, a cidade colhe os frutos da preservação. Após o fechamento da reserva, foram observados aumentos na quantidade e na biomassa.
- Toda a estrutura recifal se recuperou.
Nos animais com fecundidade alta, como os polvos, esses resultados são visíveis. Antes eles eram pescados com cerca de 10 gramas, agora são encontrados com até 1,5 quilo. A quantidade de lagosta aumentou seis vezes e, em relação à biomassa, as ciobas e dentões tiveram progressos significativos nos últimos anos - diz o presidente do Instituto Recifes Costeiros, Mauro Maida.
Outro fator que aponta para a recuperação é a redução dos ouriços, que servem de alimento para peixes. A quantidade destes animais hoje é de quatro por metro quadrado nos arredores da Ilha da Barra.
Além de Tamandaré, foi fechada uma área em Paripueira, no extremo oposto da APA. A escolha foi feita por serem estas as regiões menos impactadas. Após quatro anos, o Instituto do Meio Ambiente (órgão ambiental de Alagoas) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) não renovaram o fechamento. Maida relata que, uma semana depois, os pescadores já haviam desfeito o trabalho realizado de 1999 a 2003. O episódio serviu para o grupo concluir que uma rotação de isolamento não seria bem sucedida.
A oceanógrafa Beatrice Padovani ressalta que a Ilha da Barra funciona como uma "fase de engorda", onde os peixes migram para outras regiões, onde são capturados. As principais ameaças são o turismo, a pesca, os efluentes e as retiradas dos recifes. Até a década de 1980, os corais podiam ser pegos.
Em julho de 2011, foi formado um Conselho Consultivo formado por 51 organizações, entre o setor público e a sociedade civil. Um dos objetivos é apoiar a elaboração de um Plano de Manejo da Unidade de Conservação, que está em trâmite no ICMBio. O documento determina a criação de reservas marinhas em todos os municípios que compões a APA Costa dos Corais, com áreas fechadas proporcionais às suas dimensões. O mesmo já foi revisto pela equipe da APA e segue para apreciação da Diretoria de UCs.
Durante a maré baixa, um monitor fiscaliza a Reserva Marinha Ilha da Barra dentro de uma embarcação, além de plantões noturnos periódicos. Quando a maré sobe, a observação é feita à distância. Com frequência, um ou outro distraído invade o território dos peixes, mas até então a Polícia Militar não precisou ser convocada. Os monitores são associados da Cooperativa Náutica Ambiental, que atualmente tem 26 pessoas que participam da manutenção da reserva e geração de renda com os passeios. Além da visitação ao Complexo Recifal, há opções de trilhas em cachoeiras e manguezais da região. A bióloga Larissa Vila Nova, que faz parte da equipe, é uma das responsáveis por orientar os turistas:
- Não é permitido desembarcar na reserva ou caminhar na área escura pois, além de machucar devido aos ouriços, degrada os recifes.
Eles também não podem coletar nada e nem dar comida aos peixes. Do local só podem levar memórias e fotografias.
- Vocês se lembram daquela esmeralda encontrada na Bahia que vale R$ 2 bilhões?
Pois esse valor não chega nem perto do que vale a nossa cidade - garantiu Flávia Rego ao falar sobre Porto de Pedras, município alagoano localizado a 115 quilômetros de Maceió.
No Rio Tatuamunha, de água salubre, são os peixes-boi marinhos o principal atrativo.
Ameaçada de extinção, a espécie faz a alegria dos visitantes ao se apoiar nas embarcações.
A brincadeira foi iniciada ali por Aldo, um animal de 18 anos que sentia falta da companhia de uma fêmea. Os que chegaram depois repetiram o gesto e fazem os flashes dispararem quando se aproximam.
A maior parte dos que chegam lá são filhotes órfãos que encalharam. Até os dois anos eles são cuidados na Ilha de Itamaracá, em Pernambuco, e após este período levados para Porto de Pedras, onde ficam num curral para readaptação. Quando saem, se juntam aos outros 12 que vivem ali (três fêmeas e nove machos) e continuam sendo monitorados por satélite até que vivam bem. E quem determina esta liberdade? Os animais.
- Acompanhamos o peso e o crescimento para saber se estão se alimentando. Outro sinal é o encalhe. Se isso acontecer, é porque ainda não se acostumou com a maré - lista o coordenador do Instituto Bioma Brasil, Clemente Coelho Junior.
Os peixes-boi vivem até 60 anos e podem chegar a quatro metros. Os animais do Rio Tatuamunha têm cerca de 200 quilos. Apesar do tamanho, são dóceis e herbívoros, alimentando-se de algas marinhas e folhas de mangue, além do capim-agulha encontrado na região.
Mas a convivência entre os animais e os pescadores nem sempre foi tão pacífica. Muitos achavam que a presença da espécie incomodava, pois não podia ser capturada e atrapalhava a pesca. Em relação ao turismo, os cuidados eram quase nulos. Visitantes podiam tocá-los e alimentá-los. Além disso, os locais eram usadas pelas duas empresas de turismo que administravam os passeios embarcações a motor.
Após denúncias de visitantes em relação à falta de estrutura, o Ministério Público Federal criou um Termo de Ajuste de Conduta Ambiental (TAC). Flávia Rego destacou que muitos ainda estranham que os passeios sejam apenas para observação, mas entendem as regras e sabem que os animais estão em seus habitats, por isso é preciso respeitar.

APA dos Corais
ESPÉCIES
0,1% É O QUE representa a Reserva Marinha Ilha da Barra, em Tamandaré (PE) dentro da APA. O espaço é monitorado por membros da Cooperativa Náutica Ambiental, formada por moradores, e pesquisados do Instituto Recifes Marinhos, que acompanham o desenvolvimento das espécies.

200Kg É A MÉDIA de peso dos 12 peixes-bois que vivem no Rio Tatuamunha, na cidade de Porto de Pedras (AL). A maior parte deles é levada para lá após ficarem órfãos e encalharem. Os animais são dóceis e se alimentam de algas e plantas.

A reporter viajou a convite da SOS Mata Atlântica

Pesca do Mero continua proibida
Espécie é encontrada na região da APA Costa dos Corais

Durante os próximos três anos continua proibida a captura do peixe mero no Brasil. A moratória que determina a medida, aprovada pela primeira vez em 2002, foi renovada até 2015 pelo Ministério da Pesca e Aquicultura e do Meio Ambiente (MMA). A normativa proíbe o transporte, a descaracterização, comercialização, beneficiamento e industrialização, sob risco de sanções por crime ambiental.
A gerente de Biodiversidade Aquática e Recursos Pesqueiros do MMA, Monica Brick, adianta que os órgãos estão juntos para colaborar com a preservação da espécie:
- Os dois ministérios aprovaram a moratória com o mesmo objetivo comum, o de recuperar a espécie. Além disso, os ministérios estão empenhados em implementar medidas complementares para garantir a efetividade da conservação dos meros com o suporte da rede de especialistas que tem informações relevantes sobre a espécie e principais ameaças.
Criticamente ameaçado de extinção, o mero está incluso na lista vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais, validada pelo Ministério do Meio Ambiente. Na Califórnia (EUA), a pesca é proibida há duas décadas e agora a espécie começa a dar sinais de recuperação, segundo Maíra Borgonha, coordenadora técnica do Projeto Meros do Brasil.
Da família das garoupas, o mero pode chegar a 38 anos e atingir dois metros. O animal mais pesado do Brasil foi encontrado no Rio de Janeiro, com 455 quilos. A primeira reprodução ocorre por volta dos sete anos. A espécie é encontrada da Califórnia até a Região Sul do Brasil, passando pelo Caribe e a costa ocidental da África.
Para contribuir com a preservação da espécie, o Projeto Meros do Brasil tem diversas linhas de atuação. A região da Área de Proteção Costa dos Corais, em Tamandaré (PE), já registrou ocorrências do animal, sendo uma das localidades que recebe ações do grupo.
Uma delas é o Mero Móvel, uma van que desde o último mês circula com uma equipe capacitada que vai percorrer todo o litoral do Brasil até 2013 para conhecer as comunidades com oficinas de capacitação e informações de conservação marinha.
Podcasts e entrevistas serão publicados a partir de dezembro no blog vinculado ao site .
Outra atuação do grupo é em relação à biologia pesqueira. Os pesquisadores coletam informações dos indivíduos capturados acidentalmente. Os mesmos são marcados e devolvidos. Outra atividade do projeto é a pesquisa participativa, que busca incentivar aqueles que já tiveram alguma experiência com o mero a enviar fotos e relatos para que as ocorrências do peixe sejam mapeadas.
A coordenadora aponta que no Norte do país ainda há captura, o que é uma ameaça à espécie.
Outra região de risco é em São Francisco do Sul (SC), já que a área é um berçário para o meio.
- Atividades provenientes da urbanização interferem na qualidade do ambiente. Quando juvenil, o mero está mais frágil e por isso é afetado mais facilmente pelas alterações do meio.
Outro perigo é a pesca subaquática, pois os mergulhadores encontram os animais agregados e matam mais de um - esclarece.
Ela conta ainda que frequentemente o grupo é questionado sobre números comparativos que comprovem a eficiência da moratória, mas ainda não foi possível chegar a estes registros, que exigem um esforço continuado.
E o objetivo dos pesquisadores não é transformar a normativa em algo definitivo.
- Pretendemos conseguir estabilizar essa população e vemos um cenário bem melhor daqui pra frente - afirma ela.
- O próprio mero contribui para a captura, já que é um animal dócil e de fácil aproximação.

O Globo, 30/10/2012, Amanhã, p. 8-11

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