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A vida amazônica de William James

OESP, Caderno 2, p. D8-D9
Autor: MACHADO, Maria Helena P. T.
29 de Out de 2006

A vida amazônica de William James
Filósofo americano aos 23 anos engajou-se em expedição pelo Brasil e sua produção, inédita, sai em livro
Jotabê Medeiros
Em 1865, quando tinha 23 anos, o filósofo William James (o americano que popularizou o termo "pragmatismo", essa que é considerada a maior contribuição da América para o mundo) estudava na Harvard Medical School. Quando soube que um dos seus professores, o naturalista Louis Agassiz, ia partir com uma expedição para o Brasil, ofereceu seus serviços como voluntário.

Durante um ano, William James (1842-1910, irmão mais novo do escritor Henry James) viajou pelo Rio, Belém e Manaus, subiu o Rio Solimões e contraiu varíola (que degringolou numa seqüela oftalmológica, e as marcas disso ficaram com ele o resto da vida). Curado, embrenhou-se pelo País, flertou com as moças, coletou plantas e animais e, nesse tempo, fez desenhos e esquetes e mandou cartas para a família.

O resultado dessa experiência acabou num arquivo da Harvard University, inédito até hoje. Mas que, agora, se revelou por inteiro. Está tudo no livro Brazil Through the Eyes of William James - Diaries, Letters, and Drawings, 1865-1866, diários que revelam os dramas pessoais, descobertas, alegrias e hesitações do pensador. O feito de trazer à luz aquele período da vida de James foi da pesquisadora brasileira Maria Helena P. T. Machado, doutora da USP, que, com uma bolsa da Fapesp, mergulhou nos arquivos Houghton da Harvard e resgatou o material, as cartas, esboços, desenhos e anotações incipientes do autor. O livro foi publicado em edição bilíngüe. A jornada de que James participou, a Expedição Thayer, visava a rebater as teses de Darwin, e tinha também outros notáveis, como o geólogo Charles Hartt e o ilustrador Jacques Burkhardt.

Não é por acaso que Maria Helena dá ao seu primeiro capítulo o título O Adão Norte-Americano no Éden Amazônico. Para a autora, todas as grandes descobertas da vida do autor começaram com aquela viagem pelos rincões do Brasil, e é por isso que ela cita Thoreau logo no início. "Que significado tem um curso de história, filosofia ou poesia, não importando quão bem selecionado ou na melhor sociedade ou com a mais admirável rotina de vida, quando comparado à disciplina de se estar sempre olhando aquilo que existe para ser visto?"

No Brasil, William James deixou-se seduzir menos pela terra do que pelas pessoas. Chegou a alimentar amores platônicos e outros mais objetivos, como o que nutriu pela bela Jesuína, que conhecera em um baile em Santarém: "Ah, Jesuína, Jesuína, minha rainha da floresta, minha flor do trópico, por que não pude fazer-me a vós inteligível? Porque meu português é apenas 'suficiente para as minúcias da vida' e não para a expressão de todos aqueles matizes de emoção que penetram minha alma", escreveu.[/O RIO] [O RIO]O desfecho dessa história é engraçado: depois de gastar uma hora ao lado da rapariga, ela disse que não entendeu lhufas da conversa do estrangeiro.

O início de todo o trabalho de resgate da viagem de James deu-se entre 2003 e 2004, quando Maria Helena, vinculada ao David Rockefeller Center for Latin American Studies (DRCLAS), foi para a Harvard University como Brazilian Visiting Fellow. "Ao iniciar meu período de pesquisas lá, passei por referências bibliográficas que me informaram da passagem de William James pelo Brasil. O que mais me aguçou a curiosidade era a participação dele como membro da Expedição Thayer, liderada por Louis Agassiz, expedição esta marcada pelo caráter conservador e mesmo reacionário, tanto em termos científicos (Agassiz era criacionista e principal opositor do darwinismo nos EUA) quanto em termos do pensamento racial-político da expedição (Agassiz era o principal defensor do poligenismo nos EUA, era ligado aos pensadores racialistas do sul norte-americano pré-guerra civil e foi um dos maiores defensores da idéia do hibridismo, de que o "mulatismo" ou a miscigenação era nefasta e deveria ser evitada a todo o custo).

A pesquisadora pondera que o perfil da expedição não se harmonizava com a figura de James, fundador do Pragmatismo, defensor do relativismo e, mais tarde, militante antiimperialista. "Resolvi iniciar uma busca dos papéis de James e acabei localizando séries de cartas, diários, desenhos e outros materiais no Houghton Library da própria Harvard. Como James foi professor desta universidade por toda a vida, seus papéis, assim como os de sua família, estão neste arquivo. A maior parte dos papéis de James já foi publicada em suas obras completas ou correspondências anotadas. No entanto, o diário do Brasil, embora muito citado por biógrafos, ainda estava inédito."

O que chamou a atenção da pesquisadora nos papéis brasileiros de James, segundo ela conta, foi o tom muito diferenciado de suas observações (em contraste com os outros viajantes que passaram pelo Brasil naquele período). A percepção de James do mundo social do Brasil da época, sobretudo da Amazônia, porção da viagem que mais o agradou, mostram um James capaz de empatizar com uma população não-branca (índia, mestiça ou afrodescendente), achando nos modos de viver destas pessoas uma organicidade, racionalidade e códigos de conduta ética, moral, padrões de vida, códigos culturais. Isso tudo em descompasso com outros viajantes - como do próprio Agassiz ou sua mulher Elizabeth, autora do livro oficial da viagem, A Journey in Brazil - que eram escritos em tom pitoresco ou depreciativo. A comparação de ambas as viagens, a do casal Agassiz e a de James, é extensamente discutida no ensaio inicial ao conjunto de papéis.

"Certamente, a leitura do material que apresentamos virá confirmar esta perspectiva. Afinal de contas, por entre as dores e privações de uma viagem aos trópicos nos anos de 1860, residem nos papéis de James os traços de uma primeira descoberta do Outro, a quem James, não sem esforço, amigavelmente apreciou", assinala a autora.

Em trecho do seu ensaio, Maria Helena aborda o fato de que, historicamente, a viagem de James tinha sido vista com pouco caso pela comunidade científica, encarada como "um não-evento" - com exceção apenas de um momento, um depoimento no qual James fala de sua inadequação às tarefas naturalistas, o que teria colaborado para que se dedicasse à filosofia. Esse é o testemunho que é levado em conta:
"Tenho agora certeza de que meu forte não é participar de expedições de exploração. Eu não possuo uma ânsia interna me empurrando nesta direção, como tenho em relação às diversas linhas especulativas. Sinto-me agora convencido para sempre que fui talhado antes para uma vida especulativa do que para uma vida ativa - & eu estou falando apenas em termos das minhas qualidades, pois em termos de quantidade, me convenci há algum tempo & me reconciliei com a noção de que sou um dos mais leves dos pesos-pena. Bem, por que não me reconciliar com minhas deficiências?"

O livro sobre William James está despertando grande interesse na comunidade científica dos Estados Unidos. Maria Helena Machado, no entanto, não vai parar por aqui. Está preparando uma exposição fotográfica que trará ao Brasil uma coleção inédita da Expedição Thayer. Louis Agassiz mandou produzir a documentação visual em busca de demonstrar a "degeneração das raças brasileiras", devido ao grande números de africanos, afrodescendentes, indígenas e, sobretudo, mestiços aqui existentes. A teoria de Agassiz era principalmente contrária à miscigenação.

A coleção fotográfica da Expedição Thayer é quase totalmente desconhecida, exceto por uma ou outra reprodução, e está sendo resgatada em colaboração com o historiador John Monteiro e com suporte do Peabody Museum e do David Rockefeller Center for Latin America Studies (DRCLAS). O projeto inclui a organização e catálogo da coleção fotográfica. Muitas das fotos foram vetadas para exposição pelo próprio Peabody Museum devido ao caráter racialista das imagens e ao fato de os fotografados aparecerem nus.

O projeto da autora, já em andamento, é a redação de um livro sobre a Expedição Thayer como um todo que constará dos seguintes temas: os viajantes norte-americanos na Amazônia da década de 1850 e pressão norte-americana para abrir a navegação do Amazonas, estimulando a colonização desta por escravistas norte-americanos do sul pré-guerra civil, com Louis Agassiz, Elizabeth Agassiz, William James, Tavares Bastos e sua adesão aos projetos norte-americanos de desenvolvimento da Amazônia.

"Acrescento que Charles Hartt, embora estivesse vinculado à Expedição Thayer, realizou uma rota diferente da de Agassiz e James e, portanto, eles quase não conviveram. Já Burkhardt participou da mesma rota que Agassiz e James, mas voltou aos EUA logo pois, devido à sua idade avançada e a doenças contraídas no Brasil, sua saúde se deteriorou rapidamente."

Trecho de carta de William James
Seria a raça ou as circunstâncias que fazem essas pessoas tão refinadas e bem educadas? Nenhum cavalheiro da Europa tem mais polidez e, ainda assim, estes são camponeses. Eu me sinto agora perfeitamente domesticado neste lugar & com estas pessoas. Nunca houve uma classe de pessoas mais decente do que estas. O velho Urbano, especialmente, por seu refinamento nativo, inteligência e espécie de limpeza e pureza é talhado para ser amigo de qualquer homem que exista, não importando quão elevado seja seu nascimento & bens. Não há nem uma gota de nossas amaldiçoadas brutalidade e vulgaridade anglo-saxônicas, tanto nos senhores quanto nos servos. Eu sempre me recordo quando os vizinhos vêm visitar Urbano de nossa família & da família Tweedy em Newport. Urbano & seus companheiros conversam com tanta riqueza e harmonia, talvez ainda a mais do que Tweedy & o Pai, em tom suave, baixo e vagaroso, como se a eternidade estivesse à frente deles. Eu nunca escutei ninguém praguejar ou empregar palavras exageradas, metáforas improváveis ou gracejos exagerados ou um monte de epítetos cáusticos ou anedotas vexantes como as que fazem o divertimento dos ianques.
Trecho de carta de William James contido no livro Brazil through the Eyes of William James - Letters, Diaries and Drawings, 1865-1866

Autor pode nunca mais ter deixado os trópicos
Pesquisadora crê que experiência tropical foi decisiva em todo o pensar de James

Jotabê Medeiros

O livro Brazil through the Eyes of William James - Diaries, Letters, and Drawings, 1865-1866 será oficialmente lançado no dia 16 de novembro, na Harvard University, com uma conferência da autora brasileira, Maria Helena P.T. Machado. "A partir daí se poderá ter uma idéia do quanto os especialistas de James concordam ou não com minha interpretação", diz a professora.
"Esta é uma área canônica nos EUA e, mesmo em Harvard, James é ainda um ícone. Portanto, o livro entra em uma área hipervalorizada e estudada lá". A autora falou com exclusividade ao Estado.

Muitos ensaístas consideram William James um dos pensadores moralistas da tradição americana. Você crê que aquela experiência no Brasil pode ter influenciado decisivamente o trabalho posterior dele?

Responder a esta pergunta foi uma das maiores ambições a que me propus em meu ensaio inicial. A experiência de James no Brasil provavelmente se constituiu como o primeiro grande mergulho dele no desconhecido, longe da família, dos códigos vitorianos da Nova Inglaterra, do mundo letrado e socialmente organizado da burguesia de Boston - dos Brahmins - da segunda metade do século 19. Ao invés de repelir esta experiência ou de conceituá-la a partir de códigos bem claros de exclusão, James se esforçou por vivenciá-la e compreendê-la, apesar das dificuldades, sofrimentos e limites impostos por uma viagem ao trópicos nesta época. Afora proporcionar lampejos de definição vocacional, a viagem de James ao Brasil foi sempre tratada pelos biógrafos como um erro de cálculo ou como apenas mais um projeto malsucedido em sua atormentada trajetória intelectual e pessoal. Estas análises, ao se limitarem a abordar apenas um aspecto da viagem, têm subestimado o impacto da experiência de James no Brasil, negligenciando o contexto da Expedição Thayer e do cenário de uma viagem ao Brasil da segunda metade do século 19.

O único estudioso de William James que chegou a visualizar uma dimensão mais profunda da sua experiência como viajante dos trópicos foi Daniel Bjork, que observou que a viagem ao Brasil teria sido palco da primeira experiência de morte e renascimento de James. Este tipo de experiência, composto por uma primeira fase de depressão e desesperança, podendo culminar numa vivência radical de pânico e perda do controle de si mesmo, seguido por uma fase de renascimento, tem sido interpretado como momento fundamental da vida de William James. O episódio consagrado pelos estudiosos como de seu renascimento teria se dado em abril de 1870, quando James, ao ler o filósofo francês Charles Renouvier, teria ganho inspiração suficiente para vencer sua própria depressão e desesperança, por meio do "will to believe". Este episódio vem sendo interpretado, por alguns autores, como ponto de inflexão a partir do qual James, ao encarar um universo desprovido de razão, teria cunhado a máxima que o conduziu de volta à vida, cujo sentido poderia ser entendido como "meu primeiro exercício de livre-arbítrio será o de acreditar em livre-arbítrio".

Segundo Bjork, no Brasil, a primeira parte da viagem, passada sobretudo no Rio, marcada pela doença, sensação de inadequação e outras dificuldades, teria se concretizado como a primeira fase da experiência, isto é, a da queda e depressão. Neste sentido, a chave da experiência de James no Brasil residiria na segunda fase da experiência libertadora, isto é, na do renascimento, experienciada na forma da interação com a natureza tropical, que teria tido lugar principalmente no cenário amazônico. O cenário da luxuriante natureza tropical, com suas milhares de formas de vida vegetais e animais, entrelaçadas em um constante e mutável fluxo de vida, parece ter capturado a imaginação criativa de James para sempre. A imagem gravada em sua mente, a partir de um solitário passeio no pôr do sol numa ilhota fluvial qualquer do rio Solimões, poderia ter dado origem a uma fértil elaboração dos processos de produção psicológica dos pensamentos. Lembremos que, desde seus inícios, James havia concluído que "odiava coletar", exprimindo sua aversão não apenas ao que isto implicava em termos mais concretos, isto é, que ele se via, no decorrer da expedição, obrigado a ater-se a atividades eminentemente físicas. No entanto, a oposição de James ao colecionismo me parece muito mais profunda e significativa à medida em que esta se opunha a uma visão classificatória e reificante da natureza. Apreendida em suas viagens às longínquas paragens ribeirinhas, a natureza entremeada e complexa da selva aparece, nos registros de James, como a oposição à "anticonquista" realizada pelo naturalismo do século 19. E é por isso que, segundo Bjork, James pode nunca ter deixado o Brasil, pois o sentido desta experiência teria se fixado como base de um longa e fértil reflexão, que preencheu sua vida intelectual. Iniciando-se com a idéia de fluxo de pensamentos, James derivou suas pesquisas para muitos temas, inclusive dedicando-se sistematicamente à pesquisa dos fenômenos psíquicos mediúnicos.

Essas experiências de James foram úteis unicamente do ponto de vista intelectual?

Para além da percepção da natureza tropical, a viagem de James ao Brasil desafiou-o a estabelecer uma série de contatos pessoais - meramente funcionais e sociais em alguns casos; decididamente afetivos, se não românticos, em outros - cujos desdobramentos ainda não foram explorados. Suas observações e relacionamentos se vinculam às vivências ligadas à raça. Viajando pela Amazônia, James parece ter aproveitado para observar o relativismo das crenças humanas. Para o jovem estudante, o deslocamento nos trópicos significou também um deslocamento de perspectiva. Dormindo em redes e viajando de montaria, ele chegou a pensar que o mundo dos ribeirinhos era exatamente aquilo que parecia ser. Nem pessimista nem otimista, James parece apenas ter viajado apreciando a descoberta de outras formas de viver e pensar. Convivendo com barqueiros, guias e criados, compartilhando canoas e hospedando-se com famílias ribeirinhas, James teve a oportunidade de se sensibilizar para dimensões sociais e culturais radicalmente distintas daquelas de onde ele provinha. Para tal, ele mais uma vez teve de buscar dentro de si a capacidade de se desvencilhar dos conhecimentos adquiridos socialmente, colocando em exercício toda a sua capacidade de mergulhar "neste grande universo da vida não relacionado a minha ação", se expondo a novas experiências. Neste sentido, as anotações de James apontam que a sua experiência íntima da viagem caminhou em direção contrária à de outros membros da expedição - pelo menos daqueles que deixaram registros, como Louis e sua mulher Elizabeth Agassiz - que tendiam a julgar, classificar e analisar os nativos segundo os conceitos de raça, mestiçagem e capacidade maior ou menor de se aproximar da civilização - sempre entendida como europeização. James se revela, sobretudo, quando se mostra capaz de empatizar com os moradores locais, guias, pescadores e outros, índios, negros e mestiços que acompanharam suas excursões de coleta, muitas vezes como suas únicas companhias. Ao lado das experiências de James, decorrentes de sua empática convivência social, encontramos ao longo de suas anotações amazônicas um outro tipo de registro, por sinal muito delicado e sensível, relativo ao envolvimento romântico do viajante com as sedutoras moças amazônicas. Certas passagens, envoltas em tom engraçado, nos fazem imaginar aquele que foi descrito com um jovem vitoriano muito tímido com as mulheres, descobrindo possibilidades e se arriscando. É o que sugere, por exemplo, o pequeno vocabulário inglês-português-tupi que consta de seu diário. Logo no primeiro verbete somos surpreendidos por um James que se preocupou em anotar cuidadosamente a seguinte frase: "Serendéra ére mendáre potáre séra seirúma?". E somos quase compelidos a imaginar o jovem viajante abordando as senhoritas cafuzas e indígenas em remotas localidades, com um certeiro: "Minha querida, você se casaria comigo?" Sua visão das mulheres nada tem a ver com as imagens coisificadas das jovem mestiças amazônicas fotografadas por Hunnewell a mando de Agassiz. Assim, os registros de James se chocam claramente, em tom e conteúdo, com aqueles do Bureau d'Anthropologie, atravessados pelo pessimismo do hibridismo. Vemos assim o jovem James colhido entre dois mundos distintos - um primeiro, o da expedição, que embora familiar vinha vincado pelo discurso coisificador e cientificizante da raça, e o outro, das populações amazônicas ribeirinhas, o qual o atraía fortemente pois nele James encontrava a oportunidade de experimentar "este grande universo da vida não relacionado a minha ação e que, no entanto, é muito real". Algumas passagens mostram o jovem James enfrentando, de maneira informal, o famigerado conceito de raça e ainda assim invertendo-o, dando mostras da gestação do pensador carismático e professor brilhante que viria a exercer particular atração sobre todos que dele se aproximavam. Confrontando o convencional e o estereotipado do repertório da literatura de viagem aos trópicos, James experimentava sua peculiar habilidade de empatizar com o mundo que o cercava, relativizando os códigos culturais enquanto tais. Para quem, como James, havia começado a viagem sofrendo de um terrível enjôo marítimo e que logo descobriria que "se tem algo que eu odeie, é coletar", a viagem ao Brasil acabou sendo bastante produtiva. Mostrando um viajante anticonvencional e empático, os papéis brasileiros de James merecem ser lidos a partir de uma moldura teórica mais adequada ao tipo de experiência que ele viveu.

Como psiquiatra, James escreveu o seguinte: "Não sou nem um teólogo, nem um acadêmico versado em história das religiões, nem um antropólogo. Psicologia é o único conhecimento no qual sou particularmente versado. Para o psicólogo, as propensões religiosas do homem são no mínimo tão interessantes quanto quaisquer outros fatos pertencentes à sua constituição mental". A sra. crê que o encontro dele com a cosmogonia indígena pode ter influenciado na visão da psicologia que desenvolveu no futuro?

Não há nas anotações de James nenhuma observação sobre rituais indígenas ou afro-brasileiros. No entanto, como você pode comprovar no trecho acima, a passagem de James pelo Brasil propiciou uma vivência de natureza e sociedade contrária àquela racionalista-cientificista-exotizante que guiava a expedição. No meu entender, e esta é a tese que eu defendo em meu ensaio inicial, a vivência do Brasil foi crucial na abertura dos horizontes de James para um mundo não-compartimentado - como era o do pensamento naturalista da época -, não-mecanicista, aberto para a empatia e o relativismo. Foi esta interpretação que interessou o meio acadêmico norte-americano e mesmo o David Rockefeller Center e a Harvard Press, na medida em que esta visão abria uma nova vereda interpretativa de um autor já exaustivamente estudado nos EUA, Europa e, em menor escala, na América Latina.

Louis Agassiz era um criacionista. A sra. considera que aqueles expedicionários assimilaram o fracasso de suas viagens?

Agassiz nunca assumiu seu "fracasso" interpretativo, mesmo porque, embora tendo prometido grandes obras a partir dos dados recolhidos na viagem ao Brasil, ele não publicou nada de substancial sobre o assunto. Em sua volta, Agassiz se dedicou a outros projetos, ligados ao Museum of Comparative Zoology da Harvard que ele dirigia, esteve mais uma vez no Brasil (a Expedição Hassler) e faleceu em 1873, quando sua fama já declinava. O livro oficial da viagem, A Journey in Brazil, é de autoria de Elizabeth Agassiz. Como trato no ensaio inicial, a Expedição Thayer foi mais um empreendimento social-diplomático e propagandístico do que propriamente científico. A expedição, embora tenha aportado no Brasil após o final da Guerra Civil, esta saiu dos EUA tendo em vista interesses diplomáticos relativos à posição brasileira na Guerra Civil e com relação à abertura da navegação do Amazonas. Agassiz queria também sair dos Estados Unidos por algum tempo, onde ele estava sendo muito combatido devido ao sua teimosa defesa do criacionismo puro e simples.

OESP, 29/10/2006, Caderno 2, p. D8-D9

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