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Vícios de estatismo no saneamento ambiental

GM, Opinião, p. A3
08 de Nov de 2004

Vícios de estatismo no saneamento ambiental

Os Indicadores de Desenvolvimento Sustentável (IDS) 2004, divulgados na quinta-feira passada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que, a despeito de melhorias alcançadas nos quesitos social e ambiental na última década, o Brasil ainda não tem assegurada a sustentabilidade de seu desenvolvimento. Entre as várias causas apontadas, destaca-se a precariedade dos serviços de saneamento ambiental, tais como coleta de lixo, abastecimento de água e esgotamento sanitário. Cerca de 25% da população ainda não dispõem de rede de esgotos e 80% não são atendidos por serviço de coleta de lixo. Como mostra o estudo, essa carência reflete-se diretamente nos indicadores de saúde pública: problemas associados à falta de rede de esgoto, abastecimento de água e coleta de lixo estão relacionados com a ocorrência de mais de 13 mil óbitos por ano, em decorrência de doenças, como a diarréia. É verdade que entre 1993 e 2002 - período compreendido pela pesquisa - registrou-se queda no número de internações, em comparação com o período anterior. Mas isso se deveu a uma sutil melhoria no abastecimento de água e principalmente à extensão das ações do Sistema Único de Saúde (SUS). A contribuição das ações de saneamento ambiental para um tal resultado é praticamente nenhuma. Problema que se arrasta por quinze anos, sem que governos anteriores se tenham disposto a enfrentá-lo, a ausência de um marco institucional adequado para os serviços de saneamento ambiental levou o atual governo a eleger como prioridade a definição de uma Política Nacional de Saneamento Ambiental. A sociedade brasileira de hoje entende que investir em saneamento ambiental é promover a cidadania, elevar o padrão de vida, os níveis de produtividade do trabalho e a eficiência econômica. O governo anterior havia submetido ao Congresso Nacional o projeto de lei n 4.147, com o objetivo de estabelecer uma nova estrutura regulatória, que contemplasse a necessidade de redefinir o papel e o modo de atuação das empresas de saneamento ambiental e as formas de seu relacionamento com o poder público estadual e com os municípios concedentes. A iniciativa vinha ao encontro da necessidade de se criar novos arranjos institucionais - ante a crise financeira do Estado - , tais como concessões à exploração pela iniciativa privada, projetos de interesse comum de municípios localizados numa mesma bacia hidrográfica, municipalização da prestação de serviços, formação de consórcios e outros. Entretanto, o poder Executivo desinteressou-se da aprovação do projeto, tão logo percebeu que este não oferecia uma solução aceitável pelas partes envolvidas para algumas dificuldades institucionais e técnicas do setor, como a superposição de papéis entre governos municipais e estaduais na gestão do saneamento em regiões metropolitanas. À luz de tais antecedentes, a equipe do Ministério das Cidades do atual governo elaborou um novo anteprojeto - em muitos aspectos inovador, por exemplo ao ampliar o escopo da política de saneamento, nela integrando o seu ciclo completo, com produção, distribuição, coleta, transporte e disposição. Sem prejuízo de tais méritos, no entanto, o anteprojeto parece-nos merecer aperfeiçoamentos e mudanças, como sugerem as nove instituições ligadas à área, entre as quais a Associação Brasileira da Infra-estrutura e Indústrias de Base, a Associação de Concessionárias de Serviços Públicos de Água e Esgoto e a Associação de Empresas de Saneamento Básico Estaduais. A nova proposta governamental, em síntese, padece, entre outros defeitos, do mesmo vício do centralismo no comando e controle por parte do Estado que caracterizou nos anos 70 o Plano Nacional de Saneamento (Planasa). É descabido confiar à União a regulamentação de normas para consultas e audiências públicas municipais, assim como parece não caber à União o estabelecimento de regras para a submissão do Executivo municipal ao Conselho das Cidades. Por detrás da retórica da "necessidade de controle social das políticas públicas", o que se observa com freqüência é a mesma investida corporativista por parte do Estado, na sua sempiterna busca de manutenção do status quo. Se o que se busca com a definição da Lei da Política Nacional de Saneamento Ambiental é contemplar novos arranjos institucionais e novas formas de gestão que aportem recursos, iniciativa, eficiência, agilidade e transparência, então é preciso chamar ao debate novamente as partes interessadas. O direito à saúde e ao saneamento ambiental já não pode esperar, mas é preciso retomar a discussão.

kicker: O anteprojeto de lei do saneamento ambiental mantém disposições estatizantes que põem em risco os seus objetivos

GM, 08/11/2004, Opinião, p. A3

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