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Vice-reitor sob investigação

CB, Cidades, p. 23
11 de Abr de 2008

Vice-reitor sob investigação
Segundo promotores, Edgar Mamiya também usou dinheiro de pesquisas para pagar jantares

Renato Alves
Da equipe do Correio

Edgar Mamiya assume a reitoria da Universidade de Brasília (UnB) sob denúncias. Procuradores da República e promotores de Justiça do Distrito Federal querem saber os detalhes da viagem à Ásia do então vice-reitor e sua comitiva de 11 pessoas, em outubro do ano passado. Conforme revelou o Correio semana passada, dinheiro que deveria ser destinado à melhoria do atendimento à saúde dos povos indígenas financiou o tour pelo Japão, Taiwan e Coréia do Sul de ao menos seis pessoas sem vínculos com a UnB. Cada um dos 11 acompanhantes ganhou R$ 10,5 mil por 15 diárias.

O Correio apurou que Mamiya também é investigado por causa de 32 almoços e jantares pagos com recursos desviados de convênios firmados pelas fundações de apoio à pesquisa ligadas à UnB. O reitor substituto teria assinado as ordens de pagamentos de todas essas despesas. Integrantes do Ministério Público Federal (MPF) e do Ministério Público do DF (MPDF) aguardam os originais dos documentos para anexá-los aos processos sobre a destinação das verbas dos contratos firmados entre as fundações e vários órgãos e empresas públicas e privadas.

Mamiya assumiu a direção da UnB ontem, no lugar de Timothy Mulholland, que pediu licença do cargo por 60 dias. Ele tomou a decisão sob pressão dos universitários e parte dos professores, motivada pela crise instaurada desde janeiro, quando o MPDF tornou pública a investigação sobre os contratos da Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos (Finatec), também ligada à UnB. O MPF e o MPDF denunciaram Timothy à Justiça Federal, terça-feira, por improbidade administrativa, em função dos R$ 470 mil gastos na decoração do imóvel funcional ocupado por ele.

Timothy foi intimado a prestar o primeiro depoimento ao MPDF na próxima quarta-feira. Os promotores querem saber as relações da reitoria com a fundações vinculadas à UnB. A apreciação da denúncia contra o ex-reitor deve demorar. Apesar de protocolada na noite da última terça-feira, o processo ainda não chegou ao gabinete do juiz Hamilton de Sá Dantas, da 21ª Vara Federal. "Estamos com déficit de funcionário. Tenho cerca de 3,5 mil processos para apreciar. Recebemos uma média de 10 novas ações por dia", explicou o juiz. No entanto, ele garantiu que o caso é prioridade. "Assim que o processo chegar, convoco o réu. O reitor terá 15 dias para se apresentar", comentou.

"Pesquisa de campo"
Na investigação da viagem à Ásia, o MPDF tem os originais do pedido e autorização de despesas da comitiva de Edgar Mamiya, dos recibos assinados pelos beneficiários e dos comprovantes de transferência eletrônica para as contas bancárias deles. Todos receberam o valor das 15 diárias em 9 de outubro de 2007, um dia antes do início do tour pela Ásia. Nos pedidos, autorizações e recibos, feitos em papéis timbrados da Fundação de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico na Área de Saúde (Funsaúde), a viagem é justificada como "Pesquisa de campo sobre o mecanismo de desenvolvimento tecnológico nacional e comercialização de tecnologia".

Entre os acompanhantes de Mamiya estava o casal dono de uma faculdade particular do DF. As despesas deles e de mais quatro pessoas foram pagas por meio de conta bancária mantida com recursos públicos pela Editora UnB, subcontratada pela Funsaúde para executar projetos da Fundação Nacional de Saúde (Funasa). O Correio teve acesso aos comprovantes do tour (veja fac símile). Neles, consta que a viagem e os gastos foram autorizados pelo então diretor-executivo da editora, Alexandre Lima. O Correio ligou diversas vezes para o telefone celular de Lima, que entregou o cargo há três semanas. Ele não atendeu nem retornou as ligações. Por meio de nota divulgada há 10 dias pela vice-reitoria da UnB, a instituição informa que foi aberto "processo para apurar os fatos e tomar as medidas corretivas necessárias".

Editora decorada

Após a reforma do apartamento funcional ocupado por Timothy Mulholland, o MPDF investiga os gastos com a decoração e mobília da sede da Editora UnB, no segundo andar de um prédio do Setor Comercial Sul. Até agora, os promotores identificaram o uso de R$ 50 mil de verba da Funasa nessa reforma.

Só o projeto arquitetônico custou R$ 6 mil. Outros R$ 7.750 foram destinados a pequenos móveis, como suportes para aparelhos de DVD. Mais R$ 13.750 serviram para compra de cinco TVs LCD de 32 polegadas. As despesas, pagas com dinheiro vindo do convênio Funasa-Funsaúde, executado pela editora, também foram autorizadas por Alexandre Lima.

Integrante da força-tarefa que investiga as fundações da UnB, o promotor Ricardo Antônio de Souza se recusou a falar sobre novas as denúncias e a apuração. Também não comentou a situação de Edgar Mamiya nem tratou a licença de Timothy como uma vitória do MPDF. "A saída do Timothy é um marco na história da UnB, mas não é a finalidade da investigação", afirmou. "Nosso objetivo é mudar as formas de tratamento dos recursos públicos por parte das fundações de apoio. Queremos que elas trabalhem em prol do desenvolvimento das pesquisas." (RA)

"Houve falta de cuidado"

Reitor critica gastos de dinheiro de pesquisas e diz que haverá ressarcimento de pagamentos indevidos

Samanta Sallum
Da equipe do Correio

O reitor interino da UnB, Edgar Mamiya, condenou a forma como foram gastos recursos da Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos (Finatec) para mobilizar o apartamento do colega Timothy Mulholland, que agora substitui interinamente. "No mínimo houve falta de cuidado. Se for confirmado, como aponta depoimento de testemunha que Timothy tinha conhecimento dos valores e das compras , é muito constrangedor. Não aprovo de forma alguma essas ações", disse em entrevista exclusiva ao Correio. Apesar de ter sido eleito na mesma chapa do reitor afastado, Mamiya tenta mostrar isenção para conduzir a UnB a partir de agora ao fazer críticas aos procedimentos que resultaram nas denúncias investigadas pelo Ministério Público.

Diz apoiar as investigações dos promotores e procuradores e concordar que foi indevido o pagamento de diárias a seis pessoas de comitiva, a qual integrava, de viagem à Ásia em outubro do ano passado. Essas pessoas não tinham vínculo com a UnB e tiveram as despesas pagas com dinheiro da Fundação de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico na Área de Saúde (Funsaúde). Uma delas ganhou sem nem ter participado da missão: "Uma realmente não foi e recebeu. Já cobramos que a Funsaúde exija a devolução dos recursos."

Secretário
O reitor interino afirma que recomendou previamente a não inclusão na comitiva dos convidados sem vínculo com a UnB, mas que "a sua revelia" as passagens foram emitidas. "A Editora UnB tem autonomia para isso. A direção autorizou, apesar da minha posição contrária. Essas pessoas eram convidadas do secretário de Ciência e Tecnologia do Distrito Federal, Izalci Lucas", explica. Segundo Mamiya, Izalci pediu a ida de um intérprete por não dominar a língua inglesa e de dois representantes de faculdades particulares. "A viagem foi válida, o dinheiro não foi mal aplicado. Essas pessoas foram importantes para o sucesso das negociações. Mas concordo que a fonte dos recursos não era adequada", reforça. "Já pedi para o novo diretor da editora apurar tudo isso".

Mamiya assumiu o cargo com a disposição de negociar pessoalmente com os estudantes a desocupação da reitoria. Pediu para que fosse realizada hoje, às 11h, reunião com representantes dos universitários acampados. "Tenho toda a disposição para conversar. Já determinei que fosse religada a energia da reitoria." Durante à tarde de ontem, Edgar Mamiya teve reuniões com diretores das unidades acadêmicas e pediu apoio ao Conselho Universitário. "Assumo num momento muito delicado, de crise institucional, com o compromisso de restabelecer a normalidade diante de fatos que causam muito constrangimento a nós e à sociedade."

Sobre ter autorizado dezenas de pagamentos para jantares e recepções, o reitor interino afirma que todas as despesas foram realizadas dentro de contexto de trabalho. "Não houve má-fé. Foram jantares e recepções com comitivas de professores e pesquisadores estrangeiros, dentro de uma rotina acadêmica. Autorizei as ordens de pagamento, porque acreditava que não havia nada de ilícito", sustenta.

CB, 11/04/2008, Cidades, p. 23

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