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Viagens com dinheiro dos índios

CB, Cidades, p. 27-28
30 de Mar de 2008

Viagens com dinheiro dos índios
Segundo promotores, Editora UnB usou verba de atendimento médico para custear tour pela Ásia de pessoas sem vínculos com a universidade

Renato Alves
Da equipe do Correio

A Editora UnB usou dinheiro que deveria ser destinado à melhoria do atendimento à saúde dos povos indígenas para financiar a viagem pelo Japão, Taiwan e Coréia do Sul de ao menos seis pessoas sem vínculos com a Universidade de Brasília. Entre os beneficiados, o casal dono da Faculdade Michelângelo, instituição de ensino particular do Distrito Federal. O grupo fazia parte da comitiva do vice-reitor da UnB, Edgar Mamiya, durante a visita aos três países, em outubro de 2007. Cada um dos 11 acompanhantes ganhou R$ 10,5 mil por 15 diárias.
Os gastos foram descobertos em auditoria feita pelo Ministério Público do Distrito Federal (MPDF) que, após o escândalo envolvendo a Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos (Finatec), começou a investigar a Fundação de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico na Área de Saúde (Funsaúde), também ligada à UnB. As despesas da viagem pela Ásia foram pagas por meio de uma conta bancária mantida com recursos públicos pela Editora UnB, subcontratada pela Funsaúde para executar projetos da Fundação Nacional de Saúde (Funasa).
A Funasa assinou convênio com a UnB em 2006. A universidade transferiu o contrato para a Fundação Universitária de Brasília (Fubra). Desde 2007, o projeto era executado pela Funsaúde, sob a coordenação de Alexandre Lima, então diretor-executivo da Editora UnB. De acordo com o MPDF, houve aumento de 5% para 7,5% na taxa de administração do contrato assinado entre a UnB e a Funsaúde. Essa diferença de 2,5%, segundo o promotor Ricardo de Souza, era depositada em conta administrada por Alexandre Lima, que teria autorizado os gastos da comitiva que viajou aos três países asiáticos.
O MPDF tem cópias do pedido e autorização de viagem da comitiva de Edgar Mamiya, dos recibos assinados pelos beneficiários e dos comprovantes de transferência eletrônica para as contas bancárias deles. Todos receberam o valor das 15 diárias em 9 de outubro de 2007, um dia antes do início do tour pela Ásia, que terminou em 29 de outubro. Nos pedidos, autorizações e recibos, feitos em papéis timbrados da Funsaúde, a viagem é justificada como "pesquisa de campo sobre o mecanismo de desenvolvimento tecnológico nacional e comercialização de tecnologia".

R$ 65 MIL para passagens e festas
Só as tribos ianomami e xavante perderam R$ 40 mil em assistência médica. A verba foi usada em jantares, de acordo com o MP

Renato Alves
Da equipe do Correio

Os documentos recolhidos pelos promotores, aos quais o Correio teve acesso com exclusividade, apontam que a viagem à Ásia e os gastos da comitiva que acompanhou o vice-reitor da UnB, Edgar Mamiya, no tour foram autorizados pelo então diretor-executivo da Editora UnB, Alexandre Lima (veja fac-símile). Ele também autorizou outros gastos considerados irregulares pelo Ministério Público do Distrito Federal (MPDF).
São R$ 65 mil, que teriam sido usados em pagamentos de passagens aéreas, festas e artigos de luxo. Esse outro caso, já revelado pelo Correio, envolve o reitor da UnB, Timothy Mulholland. O MPDF acusa a Funsaúde de ter pago passagens aéreas para a mulher de Timothy, Lécia Mulholland, e para familiares de Alexandre Lima.
Segundo o dossiê em mãos dos promotores, o dinheiro destinado à melhoria da saúde dos índios das tribos ianomami e xavante (no norte do país) teria sido usado para pagar jantares que custaram cerca de R$ 40 mil. Pelo menos cinco aparelhos de TV de LCD, no valor de R$ 13,7 mil, e nove canetas Mont Blanc, ao preço de R$ 9 mil, também teriam sido financiadas. As passagens de Lécia Mulholland - ida e volta de Brasília a Teresina (PI) - custaram R$ 746. Segundo o Ministério Público, quem autorizou a despesa foi Alexandre Lima.
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das ONGs convocou o ex-diretor-executivo da Editora UnB para explicar a liberação de R$ 14 milhões, destinados a pagamento de serviços de terceiros, para a Funsaúde. Alexandre Lima, no entanto, faltou à sessão, realizada na última terça-feira. Ele alegou problemas de saúde, mas não informou de qual doença sofria nem seu estado clínico. O Correio ligou diversas vezes para o telefone celular de Lima, desde a última quarta-feira. Ele não atendeu nem retornou as ligações. Lima entregou, há uma semana, uma carta pedindo o afastamento do cargo e da coordenação do projeto até que as denúncias sejam apuradas. O reitor aceitou o pedido.
Empresários
Os donos da Faculdade Michelangelo que receberam, juntos, R$ 21 mil de diárias pela viagem à Ásia, são Stuart do Rego Barros Carício e Eliane Macedo Barreto Carício. O Correio tentou entrevistá-los durante os últimos quatro dias. Funcionários da faculdade pediram, quarta-feira, para a equipe do jornal enviar um e-mail à direção da instituição com as perguntas. Confirmaram o recebimento da mensagem na tarde de quarta-feira, mas, até a noite de ontem, ninguém havia respondido as questões.
Além das diárias, Stuart e Eliane ganharam da Editora UnB mais R$ 6 mil cada, em 6 de dezembro último. No portal Transparência Brasil, do governo federal, consta que o dinheiro foi destinado a "funcionamento de cursos de graduação", por meio do Programa Universidade do Século 21. A Faculdade Michelângelo oferece sete cursos de graduação, sendo quatro de bacharelado e três de licenciatura. Nenhum é da área de saúde. As aulas são dadas na sede da instituição, no terceiro andar do Blobo B do Shopping Venâncio 2000 (Setor Comercial Sul).
Ninguém da UnB concedeu entrevistas. As explicações foram dadas pela Secretaria de Comunicação (Secom) da universidade, por e-mail. Ela alegou que, dos seis integrantes da comitiva que não trabalham na universidade, um era intérprete. Já Stuart Carício "atuou em atividades associadas ao Projeto Parque Tecnológico Capital Digital", segundo a Secom. Stuart "organizou, junto ao escritório comercial de Taiwan em Brasília, encontros com empresários da área de Tecnologia da Informação de Taiwan, visando estabelecer parcerias técnico-científicas e empreendedoras", continua o e-mail encaminhado pela Secom da UnB.
Diárias
O órgão, no entanto, não explicou a presença de Eliane Macedo Barreto Carício na comitiva nem a função desempenhada por ela na viagem. Sobre o pagamento das diárias ter sido feito pela Funsaúde, a Secom afirmou não haver qualquer irregularidade "porque se trata de uma fundação de apoio e que visa apoiar projetos." A UnB entende que o giro pela Ásia era importante por ser um "investimento potencializado pela parceria entre estado, universidade e setor produtivo". Destaca ainda que a universidade terá parques científicos e tecnológicos na futura Cidade Digital.
A UnB alega desconhecer alterações na taxa de administração do contrato assinado entre a universidade e a Funsaúde, mas o reitor da instituição, Timothy Mulholland, mandou abrir sindicância para apurar o caso. Por meio de nota encaminhada pela Secom, ele rechaçou qualquer acusação que envolva seu nome no episódio. Sobre o pagamento de passagens para a mulher do reitor, a UnB informou ter sido um "equívoco" da empresa de turismo e que o dinheiro foi devolvido aos cofres públicos.

Os gastos em 2007
Ao todo, a editora recebeu R$ 49 milhões do Ministério da Educação em 2007.Os maiores gastos com despesas correntes da Editora UnB no ano passado foram repasses para fundações de apoio à universidade. Só a Funsaúde ganhou R$ 13 milhões (26,5%).Quase todo esse valor é justificado como gastos em "atenção à saúde dos povos indígenas".Por sua vez, a Fepad recebeu R$ 4,4 milhões da Editora UnB. Já a Fundação Universitária de Brasília (Fubra) ganhou R$ 1 milhão e, mais uma vez, esse montante também foi quase todo destinado à "atenção à saúde dos povos indígenas".

CB, 30/03/2008, Cidades, p. 27-28

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