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Viagem que deve ser feita pelo Aerolula

OESP, Vida, p. A20
Autor: CORRÊA, Marcos Sá
08 de Jul de 2009

Viagem que deve ser feita pelo Aerolula

Marcos Sá Corrêa*

O voo SK 400 saiu de Copenhague para Estocolmo às seis e pouco da manhã. Com sol alto, em horário nórdico. Era um dia resplandecente de verão, daqueles que revelam nos menores detalhes o que o mundo tem de bom ou ruim. E o Airbus ia varrendo o chão, desde a decolagem, com uma câmera que enchia todas as telas a bordo com o cenário assombroso.

Eis um acessório que não deveria faltar no Aerolula. E nos aviões de todos os políticos brasileiros que viajam tanto à nossa custa, mas voltam dizendo que a Europa só virou o que é depois de acabar com suas árvores. O SK 400 teria muito a lhes mostrar, em um trajeto pouco maior que o do Rio a São Paulo.

A começar pela decolagem, que logo na cabeceira da pista costeia a ponte de Oresund, da Dinamarca à Suécia. Seus 16 quilômetros cobrem mais ou menos a distância do Rio a Niterói, com anos-luz de diferença, e não só em engenharia e arquitetura - por sinal, prodigiosas.

O mar lá embaixo é azul. Ao pé do aeroporto ficam as praias de Amager, balneário preferido da capital.

Da água despontam turbinas eólicas, brancas como cegonhas, alinhadas em fila, girando mansamente suas hélices como moinhos futurísticos. E a ponte acaba de repente, em uma ilha notoriamente artificial, a Pepparholmen, como se ligasse o continente a lugar nenhum.

A visão desperta lembranças de viadutos que foram construídos só para desviar dinheiro público. Mas ali a história é outra. O sumiço quer dizer que a pista se enfia em um túnel submarino, desviando-se no meio da travessia de uma reserva natural, que os construtores preferiram deixar intacta. "Você não poderia ter um símbolo mais dramático, ou mais belo, do poder e da prosperidade da Suécia no fim do século 20", comenta Andrew Brown, jornalista inglês que nos anos 70 mergulhou como operário no socialismo sueco, atraído pela obsessão de pescar em lagos e rios selvagens que, a seu ver, eram a alma daquela utopia política.

O que Brown pôs em livro, o circuito de TV do SK 400 desdobra, ao vivo e em cores, até segundos antes do pouso em Estocolmo: "O campo não é só um adorno na janela. É mais poderoso e íntimo do que isso." Confunde-se com a própria Suécia, que aliás está toda enfeitada para a estação com guirlandas de flores silvestres nas casas de campo, repetindo costumes imemoriais que se modernizaram sem perder as razões ambientais para continuar vivos.

As florestas cobrem hoje 60% do país. Produzem 12% das exportações suecas. Empregam pelo menos 100 mil pessoas. Avançam 100 milhões de metros cúbicos por ano. E elas se expandem sem parar há mais de um século, por conta de leis que, entre outros prodígios, já haviam plantado, por volta de 1925, cerca de 1 bilhão de mudas em um território que não chega a um terço de um Estado como o Amazonas.

As perdas por fogo são desprezíveis, apesar do pendor para a combustão que têm as coníferas. Em 2008, foram míseros mil hectares. Os alces fazem mais estragos nas estatísticas florestais do que os incêndios. A produção comercial de madeira cresce 7% ao ano. As licenças para corte caíram 12% em 2007.

Tudo isso salta aos olhos antes mesmo do desembarque. Logo, não é possível que os políticos brasileiros, tão viajados, não enxerguem a contrapartida natural das economias saudáveis. Quando dizem, como o presidente Lula, que país rico não tem árvore, o que eles ignoram talvez não seja propriamente o que vem a ser um país rico, mas o que é uma árvore.

É jornalista e editor do site O Eco (www.oeco.com.br)

OESP, 08/07/2009, Vida, p. A20

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