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Vergonha do branco

CB, Brasil, p. 16
12 de Mar de 2005

Vergonha do branco
Governo do PT sofre críticas pelo malogro na política indigenista. Foi quem menos declarou áreas em 20 anos e o quadro agora é crítico: aumentaram as disputas por terras, a fome e a violência assombram as aldeias

Érika Klingl
Da equipe do Correio

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva está em dívida com os povos indígenas. As disputas por terra,o desmatamento, a fome e a concentração excessiva de índios em pequenas áreas formam uma realidade explosiva em 11 estados. Para piorar a situação, o governo Lula tem uma triste marca. Foi o que menos declarou terras indígenas nos últimos 20 anos. O quadro é dramático: morte de crianças por desnutrição, aumento do número de homicídios entre índios e até mesmo risco de extinção de algumas etnias. O saldo de declarações de terras para os índios nos primeiros dois anos do governo petista não chega a 50% da média bianual do governo Fernando Henrique Cardoso.
"A forma com que Lula trata as questões indígenas nos deixa transtornados. Ele era nosso companheiro, pisou na nossa terra e não faz nada agora", lamenta Gesinaldo Barbosa Cabral, presidente da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab).
De acordo como vice-presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Saulo Feitosa, o presidente Lula prometeu ainda durante a campanha que criaria uma comissão do governo com participação da sociedade civil para discutir as prioridades
nas políticas para os índios. "Era tudo o que queríamos. Mas, depois de eleito, nunca mais ouvimos falar nisso e ainda encontramos uma situação pior", acusa.
A Fundação Nacional do Índio (Funai), órgão ligado ao Ministério da Justiça, por intermédio de sua assessoria de imprensa admite os baixos índices de declaração de terras pelo governo Lula, mas explica que o atual número de portarias declaratórias se deve ao fato de quase 80% das áreas indígenas do país já foram definidas. Só falta reconhecer os 20% restantes.
Motivos para as críticas não parecem faltar. Lula declarou 13 terras, menos que FHC, que Itamar Franco e, até mesmo, que o último presidente do regime militar.
O ex-presidente João Figueiredo teve média 16,5 declarações a cada dois anos de governo. Declarar uma terra como domínio indígena é a etapa mais importante para o reconhecimento da posse da área para uma comunidade indígena. "A declaração acontece logo depois da demarcação da reserva e é o primeiro movimento do governo para identificar o espaço de uma etnia", explica Feitosa. A terra é registrada como de propriedade da União.
Falta de perspectiva
O resultado do agravamento dos conflitos fundiários e da interferência dos brancos nas culturas indígenas é o agravamento da violência. Nos dois primeiros anos do governo Lula, os índices de índios assassinados voltaram aos níveis de dez anos atrás. A perda de referência se manifesta de formas diferentes, cada uma mais trágica que a outra. No Amazonas, as entidades indigenistas alertam para o perigo de extinção, em 20 anos, da população da segunda maior reserva indígena brasileira, localizada no Vale do Javari, região sudoeste do estado, pela hepatite B e D. São 3,5 mil índios das comunidades Marubo, Mayoruna, Mati, Kanamary, Kulina e Korubo.
No estado do Pará, os índios Arara, de contato recente com os brancos, tiveram o seu território invadido por madeireiros e fazendeiros.
A grilagem de terras não é a única agressão, que também é marcada por ameaças e violência física. O interesse na terra indígena de Cachoeira Seca coloca em risco a sobrevivência física e cultural daquele povo. Na região Nordeste, o Cimi acusa o governo Lula de se empenhar na aprovação do projeto de transposição do rio São Francisco e ignorar os impactos negativos sobre as comunidades indígenas e seus territórios. "Eles estão obcecados em atender aos interesses de fazendeiros, do agronegócio e das grandes empreiteiras da área de construção civil, sedentas do lucro fácil com o dinheiro público", ataca o vice-presidente do Cimi.
Para as etnias de Dourados, no Mato Grosso do Sul, a crise aparece nos altos índices de mortalidade infantil, assim como o grande número de suicídios e assassinatos de jovens, motivados pelo excesso de bebida e falta de perspectiva. Este foi o caso do índio guarani Aldenir Martins, de 25 anos, morador da aldeia Taquaperi. Segundo relatos do Cimi, ele estava totalmente embriagado quando se envolveu numa briga motivada pelo conflito de terras. Morreu com vários tiros.
Outros 29 índios foram assassinadosno ano passado no país.
Em 2003, foram 31. O número pode parecer baixo para quem está acostumado com a violência das grandes cidades, mas é muito maior do que a média dos últimos anos. Em 2002 foram sete assassinatos. Em 2001, 17. A Funai só reconhece sete mortes ocorridas nos últimos dois anos de governo Lula.

Desnutrição em outros estados
O agravamento nos casos de desnutrição de crianças em Dourados, no Mato Grosso do Sul, não surpreende representantes das entidades ligadas ao direitos dos indígenas, que fazem um alerta: o quadro pode se repetir em outros estados do país. Em Alagoas, Pernambuco, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, os índices de mortalidade infantil de índios é ainda maior do que a média nacional, já considerada alta. Enquanto morrem em média 27,5 crianças em cada 1.000 nascidas vivas, a mortalidade infantil de índios está na casa dos 45 mortos.
Desde janeiro, seis curumins com menos de cinco anos morreram em Dourados. A reação imediata do governo foi a distribuição de cestas básicas na região. Mais uma vez, a política governamental foi alvo de críticas.
As cestas não são feitas levando em consideração o tamanho das famílias ou os costumes de cada etnia. A organização não-governamental (ONG) Missão Kaiowá,
em Dourados, por exemplo, diz que não adianta dar alimentos como sardinha em lata a quem sempre comeu peixe fresco, mas agora não tem onde pescar.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil de Mato Grosso do Sul, Geraldo Escobar, denuncia uma situação de abandono. Para ele, a Fundação Nacional do Índio (Funai) abandonou as aldeias da região de Dourados à própria sorte. "Cada dia morre um índio e ainda há mais de 20 crianças nesta situação". Ele disse que enviar cestas básicas para as aldeias está longe de sanar a deficiência alimentar dos indígenas. "Como a saúde das crianças está debilitada há algum tempo, elas sequer suportam receber o tratamento". (EK)

Luta antiga em Roraima
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva é acusado pelo principal movimento indígena do Amazonas de usar a homologação da reserva Raposa Serra do Sol como moeda de troca política.De acordo com a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab),o governo perdeu a chance de garantir terras para os povos indígenas Macuxi,Wapichana, Ingarikó,Taurepang e Patamona nos primeiros meses de seu mandato, quando não havia nenhuma ação judicial barrando o processo."Isso é fruto da pressão de grupos políticos, que têm interesses econômicos naquela terra", explica o coordenador da Coiab,Gesinaldo Barbosa. "Para nós, Raposa Serra do Sol tornou-se um caso emblemático da luta dos povos indígenas pela garantia da própria terra." O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos,tem garantido que a reserva será demarcada, assim que a Justiça definir o caso. (EK)

CB, 12/03/2005, Brasil, p. 16

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