O Globo, Economia, p. 27
25 de Abr de 2010
Vencedor de Belo Monte no alvo
Grupo Bertin responde a processos do Ministério Público em quatro estados
Tatiana Farah e Ronaldo D'Ercole
São Paulo
Escolhido pelo governo para liderar o consórcio que arrematou na semana passada a concessão para a construção da polêmica usina de Belo Monte, no Rio Xingu, o grupo Bertin deixou um rastro de denúncias de crimes ambientais e trabalhistas pelo país quando, ano passado, transferiu seus negócios dos ramos de carnes, couros e lácteos para a ex-rival JBS. O grupo responde a processos em pelo menos quatro estados: Pará, Tocantins, São Paulo e Mato Grosso do Sul.
No Pará, onde será construída Belo Monte, o grupo e seus sócios são processados na Justiça Federal por colaborar com a devastação da Amazônia, negociando fazendas de áreas desmatadas ilegalmente e bois criados em fazendas comprometidas, de acordo com denúncia do Ministério Público Federal (MPF), que inclui as fazendas do grupo Opportunity, do banqueiro Daniel Dantas, entre os supostos criminosos.
No ano passado, os procuradores impuseram um veto à carne do Bertin. E grupos ambientalistas, como Amigos da Terra e Greenpeace, denunciaram a empresa em um documento internacional por devastação florestal. Na época, o presidente do Bertin, Fernando Bertin, disse que a imagem do grupo nunca havia sido tão afetada:
- Ficamos surpresos com a recomendação (de veto do MPF). Nossa imagem nunca foi tão arranhada em relação aos clientes.
O grupo foi acusado de comprar bois de 14 das 21 fazendas denunciadas por desmatamento ilegal pelo MPF no Pará. Bertin alega que as fazendas não estavam na "lista negra" de desmatamento, e o grupo não poderia rastrear a origem ilegal da carne. Pela recomendação do MPF, quem comprasse carne do Bertin poderia ser corresponsabilizado por crime ambiental. Assim, varejistas como Pão de Açúcar e Wal-Mart suspenderam temporariamente os negócios com o Bertin.
O escândalo culminou com a suspensão pelo International Finance Corporation (IFC), braço financeiro do Banco Mundial (Bird), de um empréstimo de US$ 90 milhões para a expansão supostamente sustentável do frigorífico na Amazônia.
Com isso, o grupo teve de devolver ao Bird US$ 60 milhões. Embora o mercado tenha ligado o cancelamento às denúncias, o Bertin sustentou a versão de que foi consequência da crise global.
Para diminuir eventuais problemas que a denúncia poderia causar às exportações de carne e mesmo às vendas internas, o Bertin assinou um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) e se comprometeu a rastrear a origem da carne comprada, entre outras medidas ambientais. A Agro Santa Bárbara, controlada pelo Opportunitty e de quem a Bertin compraria gado, disse que também está assinando um TAC com o MPF, e negou ter desmatado a floresta.
Diferentemente do Bird, o BNDES, que controlava 27% do capital do grupo frigorífico, manteve abertas as linhas de crédito ao Bertin.
Em Mato Grosso do Sul, acusação envolve índios
Pouco depois, em setembro de 2009, o grupo anunciou a fusão com a rival JBS. Pelo acordo, a JBS incorporaria as áreas de carnes, couros, lácteos e de alimentos para animais do Bertin. Em dezembro, a Bertin SA, divisão que concentrava as atividades, foi extinta, e seus ativos incorporados pela JBS SA - que com a compra da americana Pilgrim's Prider se tornaria a maior produtora mundial de proteína animal.
Com o negócio, a família Bertin passou a deter 40% do capital da JBS, além de assento no Conselho de Administração. Depois, concentrou suas atividades em outras áreas, como construção civil, concessão de rodovias e energia.
- Entrar agora num consórcio (o Norte Energia) que fez um favor ao governo, e em ano eleitoral, é assinar uma fatura em seu nome - diz um observador sobre o voluntarismo do grupo em colaborar para salvar o leilão de Belo Monte.
Em Mato Grosso do Sul, procuradores querem corresponsabilizar a empresa de biocombustíveis da Bertin por genocídio de índios em Dourados.
Em setembro, guarani-kaiowas foram atacados, supostamente por empregados da Usina São Fernando de Álcool e Açúcar, do Bertin. O acampamento foi queimado, e um índio, baleado.
Em São Paulo, o MPF processa o Bertin por "exploração indevida e predatória de jazida de água mineral". O processo corre na Justiça Federal de Bauru, em denúncia do procurador Pedro Antonio de Oliveira Machado, que pede a suspensão da extração de água termal da Fonte Nossa Senhora de Fátima, após irregularidades apontadas pelo Departamento Nacional de Produção Mineral. A água é explorada pela rede hoteleira do grupo.
Em Tocantins, a empresa é envolvida em um escândalo de exploração de trabalho análogo à escravidão. Em agosto, fiscais do Ministério Público do Trabalho flagraram condições de trabalho escravo em fazenda que mantinha regime de comodato com a Comapi, empresa do Bertin.
Procurada, a Bertin não se pronunciou. A JBS alegou estar em período de silêncio, que precede a divulgação de seu balanço trimestral.
O Globo, 25/04/2010, Economia, p. 27
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