VOLTAR

Vem ai o Mercoeste

O Globo, Opiniao, p.7
Autor: DIAS, Roberto
15 de Abr de 2005

Vem aí o Mercoeste
Roberto Dias
Mercoeste —- guarde bem esta palavra, pois o mercado por ela designado pode ser fundamental na construção de um futuro promissor para os países da América do Sul.
Brasil, Bolívia e Peru estão prestes a dar um passo decisivo em direção à integração produtiva e, conseqüentemente, ao progresso econômico do Centro-Oeste sul-americano.
Na fronteira desses países, mais especificamente no Rio Madeira e seus afluentes, poderá ser implantado o Complexo Madeira”, projeto de extrema importância regional. O local é estratégico porque representa a área de expansão do agronegócio em terras brasileiras; tem um enorme potencial hidrelétrico a ser explorado e pode se transformar no ponto de integração do transporte hidroviário entre as nações parceiras (o Brasil ganha acesso ao Oceano Pacífico, o Peru ao Atlântico e a Bolívia a ambos).
O Complexo Madeira” tem tudo para ser uma referência internacional: mostra como é possível realizar a integração e o desenvolvimento de países sul-americanos e de suas instituições, beneficiando as populações ribeirinhas e as das cidades, sem prejudicar o meio ambiente. O investimento intensivo em tecnologia, por meio do emprego de turbinas de baixa queda (do tipo bulbo), que permitem que a área do reservatório das hidrelétricas seja ligeiramente superior ao tamanho da bacia naturalmente formada no período anual de cheia do rio, também faz com que o projeto seja um novo marco do ponto de vista ambiental.
A área de implantação do projeto é constituída pelo estado de Rondônia, o noroeste de Mato Grosso, regiões do baixo e do alto vale do Rio Acre e sul do Amazonas, além dos departamentos de Pando, Beni e Santa Cruz de La Sierra (Bolívia) e Madre de Dios (Peru). No início do século passado, houve a tentativa de implantar a ferrovia Madeira-Mamoré para interligar as cidades de Porto Velho e Guajará-Mirim, em Rondônia. Mas ela foi desativada na década de 70 devido à derrocada da produção da borracha brasileira para o mercado internacional e da opção do presidente Juscelino Kubitschek pelo investimento em rodovias como eixos de integração nacional.
Historicamente, os principais problemas da região são as condições precárias de infra-estrutura, reduzida disponibilidade de energia elétrica e dificuldade de acessos. Mesmo assim, nos últimos 30 anos, houve aumento considerável da população: em 1970, existiam 170 mil moradores e, hoje, são 2,3 milhões. Apesar de grande parte dessa população viver em área urbana, um dado comprova as dificuldades: de acordo com o IBGE, em 2000, apenas 20% dos domicílios urbanos tinham redes de esgoto.
Os preparativos para o grande salto nos indicadores de desenvolvimento humano e social da região estão sendo consolidados. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente da Bolívia, Carlos Mesa, e o presidente do Peru, Alejandro Toledo, já expressaram publicamente seus anseios de contribuir para o avanço do Complexo Madeira”. Eles sabem que o projeto deverá ser um novo paradigma para a região. E, mais ainda, que poderá reorientar o desenvolvimento dos três países, constituindo a coluna vertebral do processo de integração sul-americana.
Para se ter uma idéia do alcance do projeto, 4.225 quilômetros de rios vão se tornar navegáveis, diminuindo a demanda do transporte rodoviário. Além disso, com o objetivo de substituir a geração de energia térmica, quatro hidrelétricas poderão ser construídas, tornando a produção mais barata, renovável e não poluente (Santo Antônio, com capacidade para produzir 3.150 MW, e Jirau, com 3.300 MW, localizadas entre Porto Velho e Abunã, em território brasileiro; a Binacional no Rio Guaporé, com 3.000 MW, entre Abunã e Guarajá-Mirim, na fronteira entre Brasil e Bolívia; e Cachoeira Esperança, com 800 MW, no território boliviano).
O Brasil vem avançando. Em dezembro passado, Furnas Centrais Elétricas S.A. e a Construtora Norberto Odebrecht S.A. entregaram à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) os estudos de viabilidade do aproveitamento hidrelétrico (AHE) de Jirau. Em janeiro, foram enviados os estudos de viabilidade do AHE de Santo Antônio. Atualmente, está sendo elaborada a avaliação ambiental estratégica das duas hidrelétricas.
Hoje, o mercado assegurado para a energia elétrica a ser gerada na Bolívia está no Brasil, que precisa de cerca de 3 mil a 4 mil MW por ano, no seu atual ritmo de crescimento. Nesta perspectiva, a venda de eletricidade pode gerar, para a Bolívia, cerca de 400 milhões de dólares anuais, o equivalente a seu déficit no mesmo período. Na medida que a Bolívia precise aumentar a sua demanda por energia (atualmente a sua capacidade instalada é de cerca de 800 MW), o Brasil poderá reduzir proporcionalmente as suas compras.
Outra vantagem para a Bolívia se refere à produção agrícola. A hidrovia do Rio Madeira permitirá o aumento da safra de grãos, pois possibilitará o seu escoamento para o mercado externo. Cerca de 11 milhões de hectares, antes inacessíveis, poderão ser utilizados para a produção — o que significa um acréscimo de aproximadamente 8 bilhões de dólares ao PIB boliviano. Isto representa um impacto positivo de aproximadamente 100% no PIB daquele país. Outra conseqüência direta é o surgimento da indústria naval na região, destinada ao atendimento da demanda pelo transporte dessa produção. Toda a estrutura hidroviária facilitará, inclusive, os acessos aos mercados americano e europeu, tanto em termos de logística quanto de custos de transportes.
Dessa forma, o empreendimento tende a dinamizar e diversificar as atividades econômicas e, assim, reduzir a dependência da região às atividades de extração de recursos naturais. Fortalece, ainda, a presença do poder público através de instituições preparadas para exercer a governança no território. O resultado é a eliminação de conflitos e o ordenamento fundiário. E, principalmente, a expansão de negócios, emprego e renda. O grande destaque desta imensa lista de benefícios, enfim, é a redução da vulnerabilidade econômica da América do Sul na construção de uma geopolítica mundial multipolar.
Roberto Dias é diretor do grupo Odebrecht.

O Globo, 15/04/2005, p. 7 (Opinião)

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.