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Vem aí o ICMS ecológico

O Globo, Opinião, p. 7
Autor: ROCCO, Rogério
30 de Jun de 2007

Vem aí o ICMS ecológico

Rogério Rocco

A construção de políticas públicas para a sustentabilidade socioambiental ainda é um grande desafio para as cidades.

Desde o advento da aprovação da Constituição federal de 1988 - quando os municípios foram elevados à condição de entes da Federação, ganhando mais autonomia - as políticas locais para uma série de questões foram aprimoradas. Porém, no que se refere ao meio ambiente, não ocorreram evoluções na velocidade que a matéria impõe.

Um estudo do IBGE mostrou que apenas dez por cento dos mais de 5.500 municípios brasileiros possuem alguma estrutura de meio ambiente, mesmo que seja apenas um mero departamento numa secretaria de governo. Isso demonstra que, para a maioria esmagadora dos prefeitos do Brasil, a questão ambiental não passa por qualquer campo de prioridades.

O motivo para essa postura não surpreende. Afinal, durante boa parte das duas décadas de vigência da Política Nacional de Meio Ambiente, a defesa do meio ambiente apareceu como um empecilho ao desenvolvimento. A criação de áreas protegidas, por exemplo, impõe limites administrativos ao uso do solo em determinadas porções territoriais. Com isso, limita também a capacidade de arrecadação de tributos.

Os municípios possuem três únicos impostos: o IPTU - Imposto Predial e Territorial Urbano; o ISS - Imposto Sobre Serviços; e o ITBI - Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis.

O primeiro incide sobre prédios, casas e terrenos urbanos. O segundo, sobre um conjunto de serviços prestados pelos particulares. E o terceiro aparece quando alguém compra ou vende um imóvel urbano. Mas o orçamento da maior parte das cidades advém dos repasses obrigatórios dos impostos recolhidos pelos estados e pela União. E o exemplo principal é o ICMS - Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, que incide sobre as vendas no comércio de uma forma geral e sobre serviços específicos, sendo a principal fonte de arrecadação dos estados. A quarta parte do que é arrecadado em cada estado com o ICMS, obrigatoriamente, deve ser distribuída aos municípios.

Esse modelo tributário vincula a arrecadação pública a atividades associadas à doutrina do desenvolvimento urbano-industrial, concebida no Brasil com o início do sistema republicano.

Isso quer dizer que, para arrecadar mais, é preciso que aumente o número de indústrias, de casas e prédios, de automóveis, de pessoas e, conseqüentemente, de serviços variados, afinal os principais tributos têm essas atividades como fato gerador. E quando é criada uma área protegida (parque nacional, reserva biológica, área de proteção ambiental etc.) são estabelecidos limites que, via de regra, inviabilizam exatamente esse conjunto de atividades que geram arrecadação.

Evidente, portanto, que esse modelo tributário é prejudicial à implementação de políticas públicas ecologicamente sustentáveis, em especial nas cidades brasileiras. Pois o prefeito sempre terá menos recursos do que efetivamente precisará para arcar com suas atribuições e responsabilidades.

Então, não irá agir de forma a diminuir ainda mais as possibilidades de incidência de tributos em seu território.

Diante dessa realidade é que surgiu no Paraná, em 1990, um instrumento econômico revolucionário para a política local de conservação de espaços protegidos, batizado de ICMS Ecológico. Após dez anos de sua vigência naquele estado, aumentou mais de 1.100% a fração territorial protegida por iniciativa local, demonstrando o grande efeito que produziu nas cidades. Trata-se de um mecanismo legal, de competência dos legislativos estaduais, que destina um percentual da cota de repasse do ICMS aos municípios que tenham e mantenham áreas especialmente protegidas. Com isso, os municípios passam a contar com um merecido aporte de recursos caso tenham áreas protegidas nos limites de seu território, alterando a lógica atual da arrecadação pública.

Na atualidade, mais de dez estados da Federação já possuem o ICMS Ecológico e vêm promovendo profundas transformações nas políticas municipais. O Rio de Janeiro, que possui 18 unidades de conservação federais, é o terceiro colocado nessa categoria, já que mantém ainda uma parte significativa dos remanescentes existentes de Mata Atlântica. Entretanto, não possui o ICMS Ecológico, onerando os municípios que guardam nossa diversidade biológica.

Com uma arrecadação de mais de R$ 10 bilhões/ano de ICMS no Rio de Janeiro, o valor global de repasse aos municípios ultrapassa os R$ 2,5 bi.

Com o ICMS Ecológico, cidades como Paraty ou Guapimirim podem vir a dobrar seu orçamento, em reconhecimento ao papel que desenvolvem na conservação da biodiversidade. O governador Sérgio Cabral já enviou projeto de lei para a instituição deste instrumento. Vários prefeitos, deputados, ONGs e movimentos sociais estão se mobilizando para que a Assembléia Legislativa aprove a Lei do ICMS Ecológico, para que tenhamos uma nova era de construção da sustentabilidade socioambiental em nosso estado.

Rogério Rocco é superintendente do Ibama/RJ.

O Globo, 30/06/2007, Opinião, p. 7

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